Um mês no Príncipe: o relato
Pedi ao Manel para escrever sobre o mês que viveu na ilha do Príncipe (São Tomé) e aqui fica o seu testemunho:
"2020 não podia ter começado melhor. Passou exatamente 1 semana desde a minha experiência na Ilha do Príncipe e não há um único dia em que não pense naquelas pessoas e em tudo o que vivi. Ir foi a melhor coisa que fiz na vida. Não é verdade que sempre tenha sido um sonho fazer voluntariado internacional ou mesmo visitar países sub-desenvolvidos, mas de facto, depois de passar 1 mês naquela realidade, posso dizer com toda a tranquilidade que já sonho em voltar. Tudo aquilo que aqui vou descrever parece não passar de chavões e clichês, como em todos os testemunhos que li antes de viajar, mas é sem dúvida a mais pura verdade.
Adormecer debaixo de um teto de chapa, a ouvir cada gota de chuva a cair, cada barulho de cada rato e de cada barata dentro de cada pacote de bolachas não foi fácil. Não foi fácil acordar sem luz e sem água, ligar a lanterna do meu telémovel e sentir que tinha acabado de pisar um pequeno e estaladiço bicho. Lavar os dentes sem água ou tomar banho sem luz também foi complicado. Não foi fácil encontrar uma barata nos meus calções de pijama, já a chegar às minhas partes íntimas. Ter de fazer as necessidades básicas no meio da selva e limpar-me a uma folha de uma planta também não foi particularmente interessante. Acampar na praia foi facílimo, tirando a parte em que de certeza que ingeri, no mínimo, 10 insetos de diferente espécie.
Tudo isto foi o contrário de simples ou banal. Chorei nos primeiros momentos, na primeira semana, a mais apertada. As saudades eram muitas. Saudades da família, dos mais próximos e da zona de conforto. Nunca tinha saído tanto da minha bolha de segurança, nunca tinha aberto tanto os meus horizontes, e isso claro que mexeu comigo. Foram todos os episódios acima referidos que fizeram que no final gostasse tanto desta experiência. No momento foi super difícil, mas hoje consigo perceber que foram esses pequenos detalhes que fizeram a essência desta inesquecivel viagem.
Esses pormenores enriqueceram a minha pessoa, claro, mas foi também o voluntariado que me deu uma felicidade enorme. Na tal primeira semana mais apertada, eram as crianças que me faziam sorrir. Chegar à Santa Casa (o espaço onde estavámos a trabalhar) e ser recebido com um sorriso no rosto e um abraço forte, fez-me perceber o quão importante eu e as outras voluntárias estavámos a ser para eles e elas. Nunca pensei que só por jogarmos à bola, dominó, cartas, Mikado e lhes tentássemos passar alguns dos nossos (poucos) conhecimentos, pudéssemos ser tão significativos na vida daquelas crianças. Essa importância que nos foi atribuída obviamente que foi (e é) recíproca. Como disse no início deste testemunho, não existe um único dia em que não pense na Esmeralda, na Jassy, no Tiago ou na Páscoa. A naturalidade, bondade e ingenuidade como eles vêm as coisas foi marcante para todos nós.
Saímos com a promessa e o desejo de voltar a encontrar-nos com os pequenos São-Tomenses, mas também com os grandes. Os mais velhos, embora não tenham aderido tanto às atividades por nós propostas, conquistaram igualmente um lugar no coração de cada voluntário, sobretudo pelo interesse e abertura que mostraram em aprender. Achámos que íamos ouvir histórias dos 'velhotes' (ouvimos e foi maravilhosa essa partilha de experiências), mas eles queriam saber como era ser Português, viver nesta realidade tão oposta, e conhecer o mundo através de quem tem essa possibilidade. A maior parte (para não dizer todos) nunca saiu da Ilha, nunca viu mais nada. A vontade de os trazer connosco era e ainda é gigante.
Como devem calcular, tudo aqui descrito faz-me concluir que ir foi das melhores coisas que fiz na vida. Ainda está muito fresco este sentimento de felicidade e realização que trago comigo, e também ainda só tenho 18 anos, vivi pouco, mas tenho a certeza de que me vou recordar deste mês para toda a vida. Janeiro valeu todo o ano sábatico que estou a fazer. Claro que gostava de ter entrado o ano passado na faculdade, mas agora que olho para trás só penso que valeu mesmo a pena. Aconselho a toda a gente a visistar aquele pedaço mágico da Terra e a conhecer os Príncipes que eu tive a oportunidade de conhecer."