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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Um dos dias mais bonitos que já vivi

No sábado a minha professora primária fez 85 anos. Chama-se Amélia Morgado mas todos nós a tratamos por Miss Morgado (acho mesmo que haverá quem não saiba que o seu primeiro nome é Amélia).

Há uns meses, a turma de 79-83 começou a elaborar um plano para a surpreender e homenagear. Fomos todos marcados pela sua forma exigente de ensinar mas sempre com amor. Lembro-me de achar que era linda, de querer agradar-lhe, de gostar tanto de a ouvir ler. Todos nós fomos marcados pela sua voz grave, pela sua doçura, pelas brincadeiras que fazia connosco no recreio, pelo modo ponderado como se zangava connosco quando a levávamos ao limite (começava por apagar a luz e depois, se porventura não resultasse - o que era raro - levantava a voz mas nunca era um grito estridente, era mais um vozeirão que só precisava dizer "meninooooos!" para nos pôr todos em sentido). 

Muitos de nós seguimos áreas de números, outros áreas de letras, mas é notório como quase todos escrevemos sem erros. No grupo de WhatsApp impressiona a boa escrita. Sem erros ortográficos ou de pontuação, com uma correcção rara num grupo que tem 30 participantes. A nossa Miss fez disso ponto de honra. Queria que tratássemos com respeito a nossa língua.

Este sábado, o plano pôs-se em marcha às 10h da manhã, com a cumplicidade dos filhos da miss. Um dos filhos pertence à direcção da escola, pelo que foi abrir a porta para que pudéssemos entrar e organizar tudo. Enquanto uns começavam a pôr as mesas no recreio, eu fui buscar um ex-colega ao aeroporto. O Pedro veio de Londres de propósito para o almoço (e regressou ao aeroporto às 19h para voltar a casa). Às 5h da manhã recebemos uma mensagem dele a dizer que estava a despachar-se e também do Gonçalo, que veio de Madrid, de carro. 

Bater à porta da escola, entrar, ver a minha querida escola e encontrar já tantos ex-colegas fez-me engolir em seco. Que momento tão extraordinário. Abraços, agitação, mesas, acepipes. A empresa de catering contratada chegou pouco depois. 

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Estávamos um pouco apreensivos quanto ao modo como receberíamos a miss. Afinal, ela não sabia de nada. Supostamente ia almoçar com os filhos e com dois dos nossos colegas (o Paulo e a Olga), com quem manteve uma relação próxima durante todos estes anos. O que lhe ia ser dito era que a Olga queria ir tirar uma fotografia com ela na escola, para matarem saudades. Ora, nós todos tínhamos algum receio de que o coração da miss não aguentasse uma coisa do tipo todos aos gritos "SURPRESAAAA". 

Assim, optámos por ir entrando devagarinho, um a um, para que o impacto fosse menos brutal. Ainda assim, foi brutal. A miss a cair nos braços de cada um, a repetir um "vocês matam-me, vocês matam-me" que nos matou a nós de comoção.

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Depois deste momento que faria emocionar uma pedra, fomos lá para fora, para o recreio. Ela nem queria acreditar quando viu a mesa posta. A miss tinha levado um poema seu sobre o percurso de vida desde a escola até aos dias de hoje para ler ao Paulo e à Olga (com quem julgava que ia almoçar, juntamente com os dois filhos) e acabou a lê-lo a todos. Também tinha trazido o seu álbum de fotografias da nossa turma e acabámos todos a folheá-lo, para mais um momento nostálgico do dia.

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A seguir ao almoço, tirámos fotografias, fomos ver a escola, alguns repetiram as tropelias que fazíamos na altura. 

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Entretanto, as nossas famílias (as de alguns, pelo menos) juntaram-se. Maridos, mulheres, filhos. Os nossos filhos brincaram no nosso recreio e foi uma nova emoção. E ainda houve o bolo e os parabéns cantados e tocados! Cada um pegou no instrumento que costumava tocar (tambor, pauzinhos, ferrinhos, pandeiretas) e foi uma festa. Para finalizar, um vídeo preparado pela Rita, com as nossas fotos em pequenos e agora, em grandes, com a referência a três colegas nossas que já partiram (Susana, Ana e Tina) e, para fechar com chave de ouro, a canção: "My bonnie lies over the ocean", que cantávamos nas aulas de inglês e que tornámos a cantar a uma só voz. Foi então que a miss desmoronou e nós todos também. 

Este foi, sem dúvida, um dos momentos mais emocionantes, mais enternecedores, mais bonitos em que já estive envolvida. A gratidão é dos sentimentos que mais prezo e a gratidão que todos sentimos por esta professora é imensa. Termos podido demonstrá-lo foi extraordinário.

Um professor, um bom professor é uma jóia, é uma preciosidade, é um tesouro inteiro. Era bom que este país começasse a perceber isso e a dar condições dignas a quem faz (ou pode fazer) toda a diferença na vida das crianças. 

Obrigada uma vez mais, Miss Morgado. E obrigada a todos os que se envolveram nisto. 

 

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