E agora sim. Rock'n'Roll Maratona de Lisboa EDP, o relato completo
No sábado à tarde chegou a minha irmã vinda de Aveiro para nos apoiar e chegou o Tiago, o nosso amigo do Porto, que já correu várias maratonas mas fez questão de vir correr connosco a nossa primeira. Jantámos em casa, umas massas com salmão, fizemos a malinha, deixámos indicações à minha irmã e mãe (que iam tomar conta da tropa toda), e fomos para o Grande Real Villa Itália, onde tínhamos combinado passar a noite, e onde também estavam a Ana e o Ricardo. O temporal desfeito que se fazia sentir, com areia na marginal e um petroleiro encalhado e árvores arrancadas pela raiz e o diabo a sete faziam-me temer que a maratona fosse cancelada. No carro, a caminho, sentíamos um nervoso crescente. Tão crescente que creio ter feito a digestão entre a Expo e Cascais. Cheguei ao hotel verde de fome e foi óptimo ter encontrado a Ana e o Ricardo que disseram para não perdermos a sopa de tomate, que era muito boa. Lá fomos, então, jantar pela segunda vez ao Belvedere. De facto, a sopa de tomate era incrível e soube-me pela vidinha. Ainda pedimos uma tempura de legumes (loooontras) e tínhamos fome e estávamos enjoados e parecíamos tolinhos, a rir e a dizer parvoíces, dos nervos.
Subimos para o quarto e começámos a receber mensagens dos amigos e da família. Mensagens de tanta gente a incentivar, tão bom. Uma delas foi esta:
Organizámos as coisas todas para o dia seguinte, dorsais presos nas t-shirts, géis e comprimidos de sódio e outras cenas dentro do cinto, e o nervoso a crescer. Nem sei como raio conseguimos dormir mas felizmente conseguimos (a mega cama também ajudou). Às 3h da manhã fui à casa de banho, olhei pela janela e vi as palmeiras a balançar de um lado para o outro e o mar a avançar pela marginal dentro e só pensei: ai que a coisa não se dá, caraças...
Acordámos às 6h20 para nos arranjarmos e irmos tomar o pequeno-almoço às 7h. Já lá estavam a Ana e o Ricardo, a comer claras de ovos e cenas altamente estudadas (o Ricardo não brinca e sabe a rodos sobre tudo o que se deve fazer), mas nós preferimos não inventar muito e comer pão e sumo como sempre, não fosse dar-nos a volta à tripa e aí é que era o bom e o bonito.
Estavamos nervosíssimos. Entretanto chegaram a Raquel, a Xana, o Vasco, o Pedro, o Tiago. Abraços, grande festa, "é hojeeeee". Fomos para a zona da partida e eu sentia-me como se estivesse a viver um filme. Encontrámos lá o Zé, o Tomás (mini-Batman), o Pau (Batman), o Owen, a Colleen e o Haatchi.
Às tantas, encaminhámo-nos para a partida e eu perguntei pelo Zé. A minha ideia sempre foi irmos todos juntos mas, de repente, tudo começou a desenrolar-se de outro modo. "Então mas nós vamos agora? E o Zé?" O Pedro disse que já tinha falado com o Zé e que ele, como ia a acompanhar o Owen (e ia, também, a empurrar o carrinho do filho), ia sair daí a muito tempo e muito devagar. Que já tinha falado com ele e que não fazia mal. Que o Pau também ia com ele. Iamos a ritmos diferentes. "É a tua primeira maratona, tens de gozar o momento, que é teu". Senti vontade de chorar (eu sou uma chorona). Não sabia o que fazer. Se ficar, se ir. Mas estava ali tudo frenético, eu, o meu Ricardo, a Ana, o Ricardo dela, o Pedro, o Vasco... e faltava 1 minuto e de repente já estava o tiro de partida dado e eu já estava a correr. Senti-me um bocado traidora por isso, porque o Zé é aquela pessoa sempre animada e divertida e foi um prazer treinar com ele estes meses todos, e de repente ali estava eu a fazer aquilo sem ele e sem o Pau, deixando-os para trás. Mas agora, retrospectivamente, compreendo o que o Pedro e o Vasco disseram. E se não fossem eles dois a puxarem por mim eu teria ido muito devagar e - compreendo isso também agora - teria sido muito penoso ir àquele ritmo (eu bem vi o estado em que chegou o Pau, que come maratonas ao pequeno-almoço). Zé: espero que me perdoes. Acredita que me custou.
O Vasco estava apostado em ajudar-me a fazer um grande tempo. Eu só queria acabar a maratona, queria lá saber do tempo! Mas o Vasco é competitivo e obstinado e a Raquel já me tinha dito que ele não ia desistir. Assim, comecei a olhar para o relógio e só via que ia nos 5'30'', 5'40'' e pensava: "eu vou rebentar, não vou aguentar isto muito tempo". O meu Ricardo foi ficando para trás e o Pedro não me deixou abrandar: "ele está bem, vai com o Tiago, continua!"
Todo o percurso foi espantoso. O Vasco a não me deixar parar nos abastecimentos, a agarrar as águas por mim, a dar-me o braço nas subidas, a dizer-me que gel tomar (sem cafeína primeiro, com cafeína no final), que comprido tomar, que goma comer, e quando fazer tudo isso. Punha-se estrategicamente à minha frente para quebrar o vento, ia sempre perguntando: "Estás bem? O ritmo está confortável?" E eu estava bem. Sempre bem. Sempre confortável. Sempre a sorrir.
O Pedro (grande mister, o maior), ia e vinha. Ora estava connosco, a ajudar também nas subidas, a fazer vídeos, a dar força, ora ia para trás, ter com o Ricardo e o Tiago, com a Ana e o Ricardo. Às tantas, como percebeu que eu estava preocupada com o meu homem, trouxe-me um vídeo dele que o mostrava animado e a dar-me força para continuar em bom ritmo. Foi mesmo comovente, o seu esforço. Sempre soube que este Pedro era uma das melhores coisinhas que me tinha acontecido na vida e tenho sempre novas confirmações disso mesmo. Saber dos outros dava-me uma alegria enorme, saber que estavam bem, que todos estávamos a cumprir o nosso sonho.
Impossível não falar da Raquel, da Xana, da Filipa, da Carolina, que andaram de um lado para o outro, para torcer por nós em vários pontos. E gritavam, e saltavam, e estavam tão felizes - tão bom! A Raquel, que se lesionou e não pôde fazer a maratona connosco, quando nos via saltava para a estrada aos pulinhos e a chorar de comoção "meus ricos meninos, que orgulho, que orgulho, ai que eu não aguento!!!", e eu a controlar-me para não largar a chorar também, com medo de perder o fôlego. Minha rica menina.
Em Algés, tínhamos meia maratona feita. E bati o meu recorde: 2h04. Estava mesmo feliz. E ainda mais feliz fiquei quando vi os meus filhos, a minha mãe, a minha irmã, a prima Cris, o João, o Vasquinho e o Tomás, a prima Rita, os tios Alice e Luís. Com cartazes giríssimos e cornetas e tampas de panelas. Que emoção!
Mais à frente, junto à Infante Santo, nova emoção: os meus sogros. A aplaudirem e a gritarem. Uma alegria, de novo.
Aos 28 km senti uma ligeira quebra e o Vasco disse: "É o muro a aproximar-se. Toma já um gel com cafeína". Nunca cheguei a sentir o muro propriamente dito. Aquela sensação de que se fala, de quebra generalizada e sensação de que não se vai conseguir, nunca chegou a bater-me. Foi apenas uma ligeira quebra, que voltei a sentir aos 37 km, mas que abandonei quase de imediato. Claro que me fui sentindo progressivamente mais cansada, mais pesada, como se o meu corpo estivesse a ganhar toneladas.
Foi absolutamente maravilhoso ouvir durante TODO o percurso dezenas e dezenas de "vai Cocóooooooo!", "força Sóniaaaaaa!", algumas pessoas com cartazes com o meu nome, gente que largou a correr ao lado, eu sei lá! Foi mesmo emocionante e só me dava mais ânimo, às vezes mais do que os géis mais potentes. Uma das leitoras que lá esteve com cartazes mandou o seu por email:
A sério, muito obrigada também. Vocês foram incríveis!
Quando cheguei ao Parque das Nações, vi de novo os meus filhos. Eles não estavam nada à espera de me ver (achavam que eu vinha mais atrás) e correram ao meu lado. Ouvir o meu filho dizer que sentia orgulho na mãe deu-me novo boost! De tal maneira que foi o Vasco a dizer-me para ir mais devagar. Acho que ele estava a morrer de medo que eu quebrasse antes da meta, dando-lhe cabo da aposta que tinha feito em mim (e ele é menino para não perder nem a feijões).
A seguir, vi a Joãozinha e a Inês. Com cartazes. Aos gritos. Mais felicidade a transbordar. Obrigada, miúdas! Por essa força e por terem ido depois à meta. Foi tão bom ver-vos que nem vos passa pela cabeça!
Depois veio a Avenida D. João II, carregada de pessoas a aplaudir e a apoiar. E lá veio a Raquel a correr ao nosso lado. E aí comecei a chorar, quase sem conseguir controlar. Não era de exaustão, era de uma emoção brutal, de uma sensação de ter sido capaz de fazer aquilo, de vir de Cascais até casa a correr.
Quando vi a meta e 4h18m nem quis acreditar. A minha primeira maratona. Era verdade. Tinha acabado, sentia-me muito bem, sem dores, sem estar a morrer, feliz, e num tempo que nunca sonhei. Depois de cruzar a meta chorei aos soluços, agarrada ao Vasco e ao Pedro. Que catarse!
Depois foi esperar pelos outros. A Ana e o Ricardo, o meu Ricardo, o Zé e o Pau. Cada vez que chegava um, a mesma alegria. Como se cada chegada nos fizesse reviver a nossa própria conquista.
Por fim, o orgulho enorme na Ana Garcia Martins. Por se ter proposto angariar 42 mil euros para a ala pediátrica do IPO (que era um valor absolutamente maluco) e por ter conseguido muito mais do que isso! 73 mil euros, foi o que esta menina conseguiu. 73 mil euros. Que orgulho nela. Correu uma maratona e conseguiu ajudar tanto quem precisa. Love u, girl!
Fotos: HUG
Foi em Janeiro que comecei a correr e a treinar com o Pedro Almeida. E foi aí que a minha vida começou a mudar. A corrida dá-me prazer, mudou o meu corpo, alivia-me quando estou stressada, trouxe-me novos amigos, e uma vida mais saudável. Este grupo com que tive a sorte de me cruzar é espectacular, nem tenho palavras para os definir.
Somos todos maratonistas. Alguns correram ontem a primeira maratona, para outros foi só mais uma. Talvez seja por estarmos contaminados por uma quantidade industrial de endorfinas mas... já estamos a pensar na próxima.