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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Perfil: Iva Viana

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Nota prévia: entrevistei a Iva Viana antes do Verão. Nessa altura ainda não tinha 40 anos, pode acontecer que, entretanto, já os tenha feito, que esta entrevistadeira atrapalha-se em afazeres e, por vezes, leva mais tempo que o desejável a publicar as histórias que tem em carteira. Uma coisa importante já aconteceu, entre a entrevista e a publicação do respectivo texto: a entrevistada casou com o namorado de há 18 anos. A vida não espera por textos que levam tempo a sair.

Feita a nota e deixado o pedido de desculpas pelo atraso, aqui segue o relato de vida desta mulher (abreviado, claro está), uma vida que merece ser contada e conhecida (conhecida já ela é, e não é pouco, mas talvez haja ainda quem ande por aqui e não conheça ainda).

Chama-se, então, Iva Viana, nasceu em Viana do Castelo, e é a mais nova de 2 irmãos, se bem que se sente como se fosse a mais velha: “Sou eu que tomo conta de todos”.

É artista e nem sabe de onde lhe veio a veia. Filha de uma contabilista e de um motorista, decidiu dedicar-se a algo que rima com a profissão dos pais, mas que nada tem que ver com nenhuma delas. Apesar de ser atleta de alta competição (pertencia à Selecção Nacional de Remo), nunca lhe passou pela cabeça seguir Medicina ou Arquitectura, que é o que geralmente segue quem leva na bagagem esse estatuto desportivo (aproveitando a maior facilidade na entrada na Universidade). “Quero ir para Belas-Artes”. Talvez a culpa tenha sido do professor Manuel Rocha, que era escultor. “Ele levou-nos a ver as esculturas que fazia e eu fiquei fascinada. Vi uma escultura de 5 metros a ser modelada e acho que se fez aqui um clique.” Houve também a professora Lucinda Mata, que trabalhava o barro, e tudo aquilo desembocava num lugar feliz do seu imaginário, ainda que não o soubesse completamente, ainda que não tivesse plena consciência de que já estava em pleno processo de digestão vocacional.

Os pais podiam ter pigarreado, ter-lhe pedido que se sentasse um pouco com eles na sala, talvez sugerido que pensasse melhor, que as saídas profissionais, que enfim, Belas Artes... mas nada disso. Sempre quiseram que fosse feliz e, nesse desejo, nunca sobejou a pergunta ou a semente da dúvida. “São os meus pilares e eu sei que a minha felicidade é a deles também. Eu sei que isto é, em geral, o que acontece com os pais, mas os meus nunca tentaram interferir mesmo que fosse ‘para o meu bem’. Somos muito unidos e acho que eles sempre souberam que ‘o meu bem’ era escolher o que me fazia sentido.”

Iva Viana foi para o Porto tirar Belas Artes mas a faculdade não foi de todo o que estava à espera. O discurso é aquele que já quase todos ouvimos aqui e além: muita teoria, pouca prática, demasiada conversa, muito menos acção. “Saí da faculdade a dizer que não queria ser escultora. Acabei a ir trabalhar para uma empresa francesa e modelava o que me chegava às mãos. Ali não havia a parte criativa, era só mesmo executar, mas aprendi tudo sobre a técnica de estuque e foi aí que me apaixonei. Trabalhei sempre com a mesma paixão mas, ao fim de seis anos, e com a ajuda dos meus pais, senti que tinha mesmo de me despedir.”

Saiu e criou o seu atelier. Teve sorte (será sorte?) e assinou um contrato para uma obra mal se despediu. E nunca mais parou. Odeia que a chamem de ceramista. Não tem nada contra os ceramistas mas é como chamar poeta a um escritor de prosa, ou arquiteto a um engenheiro. Iva Viana trabalha o gesso. É essa a sua matéria-prima. E é ela que faz tudo: os desenhos, os moldes de silicone, e depois o resto: o gesso dentro do molde, a secagem, a pintura (haverá mais passos mas ela deve perdoar a falta de conhecimento profundo). Mas, porque o trabalho é mais que muito, tem o apoio de um ajudante, a meio tempo.

Tem modelos mais comerciais – as suas flores vendem como pãezinhos quentes – e não lhe caem os parentes na lama de os fazer e repetir e tornar a fazer e voltar a refazer. Dão dinheiro, mesmo sendo mais baratos do que as grandes obras, mas são aquele pinga-pinga que não se pode descurar (e são lindas, as flores, que diabo). Desde há um ano tem, até, a decorrer um projecto muito interessante, em que os reclusos de Viana do Castelo fazem as flores mais pequenas. “É bonito porque lhes permite ter uma ocupação, é gratificante, e tem aquela vertente social que faz a diferença quando se está preso.”

Mas do que ela gosta mesmo, aquilo que dá mesmo gozo são os projectos que permitem criar, voar, que lhe tiram o sono porque a elevam do chão, nas asas do sonho que pode converter em realidade. “Criar peças especificamente para um cliente, apenas com algumas orientações ou com ‘carta branca’ dá um gozo bestial. É isso que me faz mesmo feliz e que vai ao encontro daquilo que comecei por desejar, quando disse que queria seguir Belas Artes. Por vezes sou consultada por arquitectos e designers de interiores que querem que eu concretize as suas ideias, mas eu quero ter uma participação criativa. É aí que eu vibro e me supero.”

E encomendas não faltam. Restaurantes, hotéis, empresas, prédios que sofrem remodelações totais, tem sido uma loucura de encomendas, a crise não chegou nunca a bater-lhe à porta. Os pedidos do estrangeiro são mais que muitos, também: “Ainda ontem tive uma reunião online com o Dubai. E tenho peças a sair para todo o mundo.” Iva Viana, artista plástica portuguesa, a espalhar magia pelo planeta.

Uma das suas últimas obras grandes em Portugal foi o edifício Ivens Arte, uma recuperação de um edifício na Rua Ivens, no Chiado, em Lisboa. “Coube-me a criação de 10 tectos, neste belíssimo projecto de Samuel Torres Carvalho. Uma obra que demorou 4 anos. E agora estou a trabalhar, entre outros, num projecto aqui para Viana, que são 4 fachadas de 8 por 3 metros. Vão ficar viradas para o rio Lima, e acho que vai ser emocionante ter assim uma obra na minha terra, num espaço público. De resto... quero continuar a fazer a minha arte, no meu atelier, até ter uns 90 anos ou mais.” Por mim acho excelente. Pode ser que, assim, me dê tempo para conseguir encomendar-lhe um trabalho para a casa que ainda não desisti de comprar.

https://ivavianaescultura.com

https://www.instagram.com/iva.viana_sculpture/ 

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