Nova Iorque em família - Parte II
Segue então a continuação do relato sobre a viagem que a família Cocó fez a NY em Dezembro de 2019. Foi a nossa quarta vez mas a primeira que levámos os nossos filhos e foi a melhor viagem a NY que já fizemos, possivelmente porque ver o deslumbramento no olhar dos miúdos é quase tão prazeroso como a viagem em si. Afinal, como não amar esta cidade frenética?
Dia 4
Sempre que saímos de casa e andávamos no nosso bairrinho querido (em East Village), encontrávamos esquilos e ficávamos ali a chamá-los e deliciados com eles. O Ricardo já gozava e dizia que tínhamos de sair meia-hora mais cedo de casa para ficarmos a confraternizar com os esquilos e depois, sim, podermos ir à nossa vida.
Encaminhámo-nos para a zona do High Line e demos de caras com o Vessel (na praça de Hudson Yards), um edifício inaugurado em Março de 2019. É uma estrutura de 16 andares e 46 m de altura com escadas que ligam os patamares do edifício. Tem 154 lances de escadas, 2.500 degraus e 80 patamares que se estendem desde a base até ao topo. É só isto: escadas e patamares. E é lindo. Nós não subimos porque estávamos com o carrinho (apesar de ter um elevador e acho que dava para subir por lá, mas não achámos que valesse assim taaaaanto a pena), mas a construção é mesmo incrível, toda em cobre.
Ao lado existe outro edifício verdadeiramente espectacular. Chama-se The Shed e é um centro cultural. Além da imponência da construção, possui uma particularidade impressionante: tem uma espécie de revestimento com rodas que... desliza. Estamos a falar de toneladas de um material que, com umas rodas, se move, tornando o edifício que está revestido mais luminoso ou menos luminoso. O The Shed está localizado no Bloomberg Building, mesmo ao lado da High Line (e ao lado do Vessel). A construção começou em 2015 e foi inaugurado em Abril de 2019. É de ficar de boca aberta (para não variar).
Apanhámos The High Line (um parque suspenso com cerca de 2,5km, e que foi construído numa antiga linha de comboio), que fica mesmo aqui ao lado e fizemo-lo até ao final.
Quando The High Line termina, estamos em Chelsea. Andámos por ali a passear, tendo ponderado almoçar em Chelsea Market (um mercado cheio de restaurantes e lojas giras). Mas era tudo caro (para não variar) e então acabámos por encontrar uma pizzaria óptima onde matámos o bicho.
Continuámos a passear por Greenwich Village, que é tão linda, e lá acabámos no ponto do costume... yep. Times Square again.
Ao anoitecer fomos a um bar que conhecemos há dois anos e adorámos. Queríamos muito levá-los lá. Chama-se 230 Fifth e é um rooftop com uma vista do caneco para o Empire State Building (e não só) e com iglos giríssimos aquecidos onde se pode ficar quentinho a apreciar a vista, a música e o ambiente cool. É difícil arranjar iglos mas também há mesas ao ar livre com aquecedores que acabam por permitir estar cá fora na mesma (até com uma noite fria).
Dia 5
Amanheceu a chover bastante. Tanto que o Ricardo saiu primeiro que nós (ficámos no café amoroso mesmo ao lado de casa à espera) para ir comprar chapéus de chuva. Já protegidos fomos direitos à Bibiloteca Pública de NY (porque não vos contei mas houve uma noite em que caminhámos uns 7 km debaixo de chuva, mas chuva intensa, e chegámos a casa molhados até aos ossos - e eu só pensava: só temos 1 casaco, um par de sapatos confortável cada um... amanhã estamos fritos. Felizmente os secadores potentes que a casa tinha resolveram o problema mas não quisemos repetir a graça).
Os miúdos ficaram basbaques com a imponência e a beleza daquela bibiloteca. O Manel até disse: "Nem percebo porque é que eles estudam nos cafés ou em qualquer outro sítio. Que sonho, estudar aqui!" Então não é?
Seguimos de metro para irmos à zona do World Trade Center, para irmos ao memorial e ao museu do 9/11. Uma nota sobre o metro: o passe para todos, para 7 dias, custava qualquer coisa como 165 dólares. Fizemos as contas e achámos que compensava mais ir comprando viagens a vulso. No fim, fizemos as contas e acertámos, compensou mais comprar as viagens, porque andámos muito a pé.
Chegámos à zona onde estavam as torres, e que hoje é um memorial, e senti-os a ficarem mais pesados, mais calados, mais introspectivos. Impossível não o sentir. Parece que se sente na densidade do ar. O memorial é lindo mas pensar que morreram, naquele dia, quase 3 mil pessoas (ao todo, e não apenas ali) é avassalador.
Só fomos ao museu às 17h porque, à terça-feira às 17h o museu tem uma entrada grátis. Da outra vez que lá fomos não fazíamos ideia de nada disto. Pagámos e pronto. Mas... a necessidade, de facto, aguça o engenho. E desta vez preparámos a viagem com mais cabeça, porque isto de sermos 6 é muito bonito mas dói no bolso que é uma coisa séria. Ao todo íamos pagar cerca de 115 dólares (salvo erro). Assim, demos um donativo (facultativo), e lá fomos. Acho imperdível. Mesmo. Não consigo sequer perceber quando me dizem que não foram ou que não vão porque são impressionáveis ou porque não querem sentir ou não se querem comover. Conheço algumas pessoas assim, respeito, mas não compreendo. Aquele dia aconteceu, foi real. Relembrar é não esquecer algo que faz parte da nossa História recente, quase todos sabem exactamente o que estavam a fazer nesse dia e a essa hora, acho que é até um gesto de homenagem para com as vítimas. O museu é fortíssimo. Muito bem feito. Muito, muito, muito. O silêncio que ali reina, apesar de ter centenas de pessoas sempre em visita, arrepia. Senti o mesmo na casa de Anne Frank, em Amesterdão, e sei por relatos vários que se sente o mesmo nos campos de concentração em Auschwitz (outro local a visitar, sem dúvida).
A visita é em crescendo. Começa de forma forte (achamos nós) mas depois vai aumentando de intensidade até sermos emergidos por fotografias, vídeos, vozes, pedidos de socorro, despedidas, em 360º, de tal forma que, quando se sai dali o corpo dói como se estivessemos com gripe. Não tenho imagens dessa parte porque não se pode fotografar.
Com isto, o dia passou-se. Ainda fomos ao Century 21 fazer umas comprinhas, se bem que ainda tivemos de dar ali um tempo de intervalo. Afinal, parece esquisito passar de um murro no estômago para a vidinha normal, com as suas trivialidades. As comprinhas foram só umas t-shirts para os dois mais velhos, e só porque estavam mesmo baratas. Há dois anos fomos ao Woodbury e esse, sim, é um um outlet fabuloso. Como fomos só os dois, fizemos imensas compras excelentes. Mas, desta vez, só a viagem de autocarro até Woodbury, para os 6, custava 214 dólares! Nah... fica para a próxima! 😂
Dia 6
Acordámos com um dia lindo. Sol, um frio do catano, mas um céu azul. Perfeito para subir ao One World (o edifício que foi construído depois da queda das Torres Gémeas, e foi inagurado no dia dos meus anos, em 2014, se bem que o Observatório, que foi onde fomos, só abriu em 2015). O edifício tem 541 metros de altura e é o 4º prédio mais alto do mundo. Foi caro e juro que houve ali um momento em que pensei: onde é que estamos com a cabeça, meu Deus, pagar 205 dólares para subir num elevador e ver uma vista! No momento seguinte, estávamos a subir 100 andares a uma velocidade que fazia estalar os ouvidos e a ver um vídeo nas paredes do elevador, que mostrava NY desde o ano 1500 até aos dias de hoje. Aparecem planícies arborizadas, e depois casas, e depois mais casas, e depois prédios e arranha-céus, até se ter o vislumbre da NY que existe no presente. Quando se chega, já passou o horror do preço (quase todo). Passa-se por um corredor até uma zona onde há um novo vídeo e, de repente... abrem-se as cortinas de visualização do vídeo e... Nova Iorque toda ali, aos nossos pés. Comovi-me, apesar de me sentir ridícula. Felizmente, soube depois que mais gente se emocionou como eu, para não me sentir que sou a mariquinhas de serviço (apesar de ser).
A vista, que depois se vê caminhando à volta do prédio, em 360º, é avassaladora. E pronto. O preço passou a ser secundário. Que se lixe. Logo comemos atum.
Depois, tínhamos a intenção de ir até à Liberty Island ver a Estátua da Liberdade e a vista sublime que se tem de Manhattan, a partir de lá. E foi aí que cometemos uma parvoíce. Apanhámos o ferry errado, um que é gratuito, e acabámos a parar em Staten Island (e a ver a estátua... por um canudo). Burrooooos! Pronto, saímos do ferry e voltámos a entrar, para regressar a Manhattan.
Adeus, estátua! 😂
Quando estávamos a voltar, no ferry, o Ricardo ainda tirou a fotografia que está em baixo (para que se perceba como o tempo estava limpo e bonito). Ainda no ferry, recebemos um alerta nos telemóveis: vinha aí um nevão súbito. Esqueci-me de contar isto: de vez em quando há estes alertas que todos os que estão em solo americano (ou, pelo menos, em NY) recebem e que, ao mesmo tempo que aparece nos telemóveis, como mensagem (escrita e sonora), também acciona campainhas no local onde se está. Já tínhamos recebido um alerta uns dias antes e era um Amber Alert, um sistema de alerta de rapto de criança. AMBER é oficialmente um acrónimo para America's Missing: Broadcast Emergency Response, mas foi-lhe dado este nome por causa de Amber Hagerman, uma criança de 9 anos raptada e assassinada no Texas, em 1996. Estávamos num café e, além da mensagem que apareceu em todos os nossos telemóveis (e nos das pessoas que estavam em redor), tocaram campainhas no café. Desta vez, no ferry, aconteceu o mesmo mas chamava-se Weather Alert ou coisa parecida. E também tocaram campainhas no barco. Achámos que deviam estar malucos. Estava, como a foto tirada nesse momento demonstra, um dia lindo.
No momento em que atracámos, porém, o frio era glaciar. Ainda tentámos entrar no ferry certo mas já não havia mais àquela hora. Demos uma volta pelo Battery Park, os mais pequenos andaram no Seaglass Carousel, e quando saímos de lá... começou a nevar. Primeiro uns flocos pequenos mas depois... um nevão impressionante.
No dia seguinte, vinha em todos os noticiários o que tinha acontecido. Foi, de facto, um fenómeno meteorológico raro e algo impressionante, que foi muito bem captado por uma câmara no topo do One World e depois transmitido em Timelapse.
Estávamos nós no centro, em Times Square (de novo), debaixo deste nevão tão natalício, quando o Ricardo se dirigiu para as bilheteiras que vendem entradas last minute para os espectáculos. Ficam ali mesmo por detrás da escadaria encarnada de Times Square. Não estava a perceber porque já tínhamos decidido que não íamos ver nada. Afinal... é tudo mesmo um abuso. Para terem uma ideia, tínhamos pensado ir os dois ver o Hamilton e os bilhetes mais baratos custavam 300 e tal dólares CADA. Os musicais para os miúdos também acabavam por somar pequenas fortunas e, olha, paciência. Mas ele estava inconsolável. Já tivemos a sorte de ir ver vários espectáculos na Broadway e sabemos o quão valem a pena. De maneira que fiquei ali a vê-lo conversar com a senhora por detrás do guichet, depois veio mais um senhor, e eles ali beca-beca, e eis que surgem na sua mão 6 bilhetes para irmos ver as Rockettes (que também estava na nossa lista de desejos). Ficou em 216 dólares, o que foi um excelente preço (36 dólares cada um é mesmo uma pechincha, dados os valores destes espectáculos). Foi giro porque os miúdos, que estavam estafados de andar todo o dia, ficaram com cara de rabo quando lhes dissemos que íamos ao Radio City Hall ver as Rockettes. Olharam para nós sem pingo de entusiasmo e tive vontade de os esbofetear. Mas... em bom rigor, não dá para censurar. Eles não faziam ideia do que é um espectáculo na Broadway.
(estas fotos não são minhas, são promocionais, que eles não deixavam fotografar nem filmar e eu sou muito obediente)
Quando saímos, os miúdos estavam extasiados. O Mateus nem se mexeu, durante todo o espectáculo. Houve momentos em que até duvidei de que respirasse. Os outros não paravam de exclamar, de aplaudir, de abanar a cabeça como que a dizer: "O que é isto, caraças?" A Mada só dizia "eu pensava que era outra coisa... eu não podia imaginar". Pois não. E o que lhes explicámos é que são todos assim. Ahhhhh... que sonho!
Dia 7
A Mada estava desde o primeiro dia a pedir para ir patinar no gelo. Queria ir a qualquer sítio, nem sequer pedia para ser no emblemático Rockefeller (benza-a Deus). Os outros dispensavam, eu também. De maneira que o pai lá lhe fez a vontade e, no último dia, foram os dois patinar para a pista que está no Bryant Park. Enquanto isso, nós fomos para um espaço quentinho e aconchegante mesmo ali ao lado, beber café e comer uns bolinhos para aquecer.
Dali fomos então apanhar o ferry certo para ir até Liberty Island. Estava tanto frio... Dentro do barco quase não ia ninguém na parte descoberta. Da família, só fiquei eu e o Manel porque somos muito teimosos (e porque achámos que a experiência é muito melhor fora do que dentro) mas às tantas tivemos de desistir. Estava mesmo um gelo e só não nevava porque o céu estava completamente azul.
A vista que se tem, de Liberty Island é única. E a estátua é um daqueles símbolos que nos diz muito, por muita hipocrisia que até possa existir (e existe sempre quando se fala de políticas e interesses diversos). Quando perguntámos ao Mateus o que era liberdade, curiosamente, ele resumiu bastante bem (sem fazer puto de ideia): "É ser feliz". Não basta, é certo. Mas, caraças, sem ela é que não.
E pronto. Mais coisa, menos coisa, foi isto. E foi tão bom.
Que este ano possamos voltar a dar-lhes momentos destes, é um dos meus desejos. Mas, pronto, se não puder ser este ano que seja para o próximo.
Adoro ir. E há tanto mundo para conhecer, caneco! Tanto!