Não, as crianças não são de Baccarat
Ontem, a propósito do post sobre o desafio pedido aos alunos do básico e do secundário (para que escolhessem os pertences a enfiar na mochila, caso tivessem de deixar a sua casa, num cenário de guerra) recebi aqui no blogue e no Facebook maioritariamente comentários a aplaudir a iniciativa da Plataforma de Apoio aos Refugiados em colaboração com a Direção-Geral da Educação, o Alto Comissariado para as Migrações e o Conselho Nacional de Juventude. Mas também recebi um ou outro comentário xenófobo (sobre esses nem vou falar) e também críticas a esta forma de "violência" sobre as nossas crianças.
Respeito a opinião. De resto, todos temos direito à nossa, felizmente. A minha é, no entanto, totalmente distinta da de quem acha que isto é exercer uma "violência" sobre as nossas crianças, de que isto lhes traz "angústias", "stress" e que devem ser os adultos e não os mais pequenos e "inocentes" a preocuparem-se com estas matérias. Com efeito, não podia discordar mais.
Os miúdos de hoje - que nunca nos esqueçamos disto - são os adultos de amanhã. E a mim, honestamente, preocupa-me esta bolha que insistimos em criar em seu redor, como se fossem uma espécie de porcelana de Limoges ou um cristal de Baccarat. Não se lhes levanta a voz que se atemorizam, não se põe de castigo que se diminuem, não se mostram certas coisas que ficam traumatizados. Mas que raio de adultos estamos a criar?
Sobre este caso em particular, acho sim que as crianças devem ser confrontadas com uma realidade que existe. Há pessoas concretas, reais, gente como nós a fugir de uma guerra com pouco mais do que a roupa que tem no corpo. E são pessoas que tinham uma vida, tal como nós temos: eram médicos, engenheiros, empregados de balcão, professores, estivadores, filhos, pais, gente. Dizermos às nossas crianças que isto existe, pô-las a pensar sobre esta questão de ter de fugir e de que pertences escolher para levar para uma nova vida desconhecida e insegura é importante. Fá-las olhar o seu mundo e perceber aquilo que valorizam e aquilo que é dispensável. Fá-las reflectir sobre o que têm e o que seria da sua vida se deixassem de ter. Fá-las, sobretudo, porem-se no lugar do outro. Daquele que passa por aquilo que ninguém devia ter de passar. Isso traz angústia, tristeza, receio? Óptimo! Estamos a ajudá-las a crescer. E a crescer melhor. Com o coração no lugar certo. Com conceitos como solidariedade, bondade, amor ao próximo. Para mim, se os meus filhos tiverem isto dentro deles... já cumpri o meu papel de mãe.