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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Fui (finalmente) à faca - Parte III

Faz hoje dois meses que fiz algo que já queria fazer há muito tempo. Uma lipoabdominoplastia, com correcção da diástase (4 centímetros de afastamento dos músculos abdominais), e redução mamária. Quem não leu a Parte I e a Parte II, pode seguir agora estes dois links que contam tudo. Ainda estou inchada na barriga e nos flancos, ainda tenho dormência, e algumas dores quando me viro na cama, mas sempre que vou à casa de banho, seja de noite ou de dia, levanto a camisola e fico sempre com o mesmo espanto e alegria: a minha medusa não está lá, agarrada a mim como um parasita odioso, e eu sinto sempre a mesma comoção. Mesmo quando treinei para maratonas (e da primeira vez, pelo menos, treinei de uma forma mesmo alucinada e rigorosa) e estava muito mais magra, a medusa nunca me abandonou, o que me deixava sempre desanimada e triste: "se emagreço isto tudo e não perco esta prega que tanto me incomoda... então para que é que emagreço?"

Depois da cirurgia, vim para casa com três drenos: dois que saíam da zona pélvica e um que saía da zona das costas. O das costas era muito incómodo porque, como só conseguia dormir de barriga para cima, aquele tubo ali nas costas dava um incómodo suplementar (além do incómodo que já representa dormir de barriga para cima por si só). Também dormi com umas meias de compressão que vesti antes mesmo de entrar para o bloco e estive com elas dois ou três dias, já não me lembro. De quando em vez tinha de despejar os drenos, quando enchiam, e tinha de escrever a que horas tinha sido o despejo e qual a quantidade de sangue que tinha saído. Dormir só com comprimido para o efeito, caso contrário não conseguia. Imaginem alguém que só dorme de barriga para baixo ou de lado, a ter de dormir de barriga para cima e sem se mexer porque parecia a mulher-bomba, cheia de tubos e bolsas de plástico a fazer lembrar granadas. Bendito comprimido receitado pelo Dr. Tiago Baptista Fernandes, que me apagava com doçura, e me permitia ter uma noite descansada, que é um dos elementos-chave em qualquer recuperação. Comecei por tomar 1, depois passei para meio, de finalmente para 1/4 (mas este desmame fui eu que decidi, porque percebi que estava muito agarrada àquilo para dormir e compreendi que ou fazia o desamame ou não ia conseguir largar a droga assim tão facilmente).

Estou a escrever dois meses depois de ser operada e há coisas que já se esvaneceram da minha memória (que é muito selectiva). Sei que o primeiro dreno a sair foi o das costas (felizmente), e que depois saiu outro, e o terceiro demorou mais do que todos desejávamos. Não me doeu a tirar os drenos, nada de relevante. Foi um enorme alívio quando saiu o último. Ah, que liberdade!

Acho que esta cirurgia, de resto, permite dar um grande valor à liberdade, o que não deixa de ser irónico, se pensarmos na etapa que se seguiu (e que nos tocou a todos). Mas a verdade é que vimos para casa com uma série de contrangimentos, de coisas que nos tolhem os movimentos, e de cada vez que nos libertamos de uma... é uma alegria. Depois dos drenos e das meias de compressão, foi a medicação. Primeiro terminou um medicamento, depois o outro, e mais outro, até já só terem sobrado as injecções de heparina (para evitar a formação de coágulos e consequentes trombos). Fiz doze injecções (acho eu) e era eu que as dava a mim própria - fiquei com as pernas todas negras mas... que se lixasse. Toda eu era uma nódoa negra uniforme, de maneira que mais uma menos uma... indiferente.

O meu marido foi o maior. Nada que não esperasse mas é sempre uma maravilha quando constato que não podia ter outra pessoa ao meu lado. Tratou-me muito bem, sempre muito cuidadoso, sempre a bombar para que nada faltasse e para que eu nada fizesse. Ali nos primeiros dias, foi essencial, esse apoio. Porque estava mesmo muito negra, muito dorida, e com algumas dificuldades.

Nunca tive dores fortes, nunca pensei: "que raio fui eu fazer à minha vida?" Nunca. Houve muito mais uma sensação de incómodo do que de dor propriamente dita. E piorou, em vez de melhorar. Ou seja: quando cheguei a casa, depois da cirurgia, estava no pico da excitação: tinha finalmente tomado coragem, dado o passo, não tinha morrido na cirurgia, sentia-me bem (dentro do género), estava na minha casinha, com a minha família, não sentia dores... ah! Que bom! Depois... os dias e as semanas foram passando, e houve momentos em que me senti saturada. A cinta apertava-me até ao desespero (cheguei a tirá-la com uma tal fúria que, se não fosse resistente, podia tê-la rasgado), dormir era difícil, estava inchada e ainda sem conseguir vislumbrar os resultados com que sonhava, tinha dores que pareciam maiores do que no início (mas eram, na verdade, amplificadas pelo facto de estar farta de não me sentir totalmente bem, livre de movimentos). 

Durante as primeiras semanas, fui à Upclinic três vezes por semana, para fazer drenagem linfática com a fisioterapeuta Alexandra Fernandes (um amor e super boa profissional). Além dela, era sempre vista também por uma enfermeira, para tirar drenos, pontos, linhas perdidas, fazer pensos, etc. Todas umas queridas, mesmo quando houve coisas chatas (tipo tirar pontos que começaram a aparecer por debaixo da minha pele e foi preciso sacá-los lá de dentro) elas foram sempre hiper-cuidadosas e quase nunca doeu (ou, pelo menos, nunca doeu muito). Depois, passei para drenagem duas vezes por semana, a seguir para uma vez por semana. O Dr. Tiago Baptista Fernandes passava sempre por lá (ou quase sempre) para ver como estava tudo a correr, para se certificar de que estava tudo bem encaminhado.

Quando foi declarado o Estado de Emergência (ou talvez até antes), passaram a dar uma máscara à entrada e só podíamos lá estar de máscara. Tudo era desinfectado a toda a hora, e todos cumpriam as regras de segurança. Antes mesmo de ser decretado o Estado de Emergência, a clínica reuniu e decidiu cancelar todas as cirurgias marcadas, por uma questão de segurança de todos: pacientes e profissionais de saúde. Mesmo quando ainda havia quem as fizesse, por esse país fora. Não me surpreendeu: aquilo a que tenho assistido é a um conjunto de profissionais que trabalha com muita responsabilidade e rigor. Imagino que tenha sido duro para quem estava em vias de cumprir um sonho, ver a sua cirurgia desmarcada (é muito difícil ganhar coragem, e quando a ganhamos finalmente, e decidimos, cada dia que passa sem avançarmos é penoso). Mas esta pandemia veio mesmo virar a nossa vida do avesso e só agradeço a sorte que tive de ter marcado a cirurgia para dia 18 de Fevereiro, e não para mais tarde. 

Alguns amigos e leitores têm brincado (e até eu própria) com o facto de, em calhando, não podermos ir à praia e, por isso, não ir poder mostrar o resultado da minha aventura e da obra do Dr. Tiago ao mundo. Esqueçam lá isso. Eu não fiz isto para mostrar, fi-lo porque não aguentava ver aquela coisa ali. Fi-lo porque não me sentia bem comigo, como se aquela parte não me pertencesse e, não me pertencendo, diminuía-me e embaraçava-me. Era o meu elefante na sala. Não havia nada que eu fizesse que não me pusesse a pensar que aquela coisa estava ali, demasiado presente. E agora acabou-se. Agora foi-se. E eu não podia estar mais contente, mais agradecida, mais certa de que foi a decisão certa, na hora certa. Além disso, estou em dieta rigorosa (para que o resto do corpo fique em conformidade com a minha nova barriga) e se não for para a praia este ano... irei para o próximo e então logo poderei ter umas férias sossegada, sem estar sempre encolhida ou embrulhada numa toalha. Isto não é para estragar. 

Um mês e duas semanas depois da cirurgia, comecei a fazer exercício. Com cuidado, movimentos pensados para o meu caso pelo meu mister Pedro Almeida, do Treino em Casa (a UpClinic também tem PT mas o Pedro é mais do que um PT, é já um amigo, e continuei com ele). E a seguir corri. 5km de cada vez, três vezes por semana. E tenciono continuar, aumentar a carga com tino, e dar fibra a estes músculos que há muito não se movem por estarem lassos e ao abandono. 

Quero agradecer à UpClinic e a toda a equipa, em particular ao Dr. Tiago Baptista Fernandes, que fez aqui um trabalho mesmo incrível. Vai ser duro pôr o resto do corpinho à altura desta barriga tão lisa, mas vou tratar disso. Afinal, era até um desrespeito para com o escultor, estar a negligenciar o espaço em redor da sua obra. 😂​ Não vou evangelizar ninguém para fazer o mesmo, até porque é um passo muito difícil, dá medo, é um processo muito invasivo, com os seus riscos, leva tempo a sarar, há pessoas que descrevem dores terríveis (não eu, mas isto varia de corpo para corpo). Mas que foi realmente uma das melhores decisões da minha vida... lá isso foi.

(um dia destes mostro uma espécie de antes e de depois, mas não esperem imagens demasiado explícitas que não tenho coragem para tanto)

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