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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Então foi assim

Tinha acabado de chegar de uma corrida de 8 km. Estava exaustazinha porque correr ao sol não é mesmo a minha cena. Nisto, toca o telefone. Era então do CHSUL a dizer que havia a possibilidade de eu ser compatível com alguém que estava a precisar. Não consigo transcrever em palavras o que senti. Foi mágico. Quero tanto, tanto fazer isto por alguém. Acho que todos nós (que temos saúde e peso e todas as condições necessárias) devíamos mesmo fazer isto. Salvar alguém, sem sermos médicos? Salvar alguém, com um pedacinho de nós? Uau!
A enfermeira, do outro lado, fez-me uma série de perguntas, entre as quais: ainda está disponível para ser dadora? Se ainda estou disponível? Claro que sim!
Deu-me, então, o horário a que podia lá ir, responder a mais um inquérito, assinar uma espécie de «contrato», dizer que entendo e aceito o que se segue, e fazer mais análises clínicas. «Estamos abertos de segunda a quinta-feira, das 8h às 16h, e à sexta, das 8h às 15h».
Não pensei duas vezes. Fui tomar banho e voei para lá. Que diabo! Se fosse eu, alguém da minha família, um dos meus queridos e amados filhos, eu ia querer que o dador voasse também. Como é que eu ia dormir sabendo que tinha deixado para amanhã aquilo que alguém imploraria para que fizesse hoje? A caminho, emocionei-me. Falei com a «minha» pessoa, disse-lhe para acreditar, para acreditar com força, que eu também ia fazer o mesmo.
Cheguei, respondi ao questionário onde às tantas dizia que o dador pode desistir a qualquer momento do processo - pensei: what? Então pode acontecer que o doente esteja todo cheio de esperança, porque apareceu um dador compatível, e depois esse grande filho da mãe decide que ah e tal, afinal não me apetece? Desistir porque se adoece, porque se engravida, tudo bem. Agora, quando nos tornamos dadores temos de perceber que existe uma responsabilidade inerente. Não é só dizer que somos. Temos de estar lá, na hora, para sermos realmente. Bah!
Bom, mas então depois de falar com a enfermeira percebi que agora tenho de esperar entre 1 a 3 meses, altura em que o médico do doente com quem sou compatível dirá se eu sou, de facto, a pessoa mais compatível. E, a ser, segue-se um batalhão de exames médicos. E, se estiver tudo bem, segue-se a doação.
A doação pode ser feita através das veias periféricas dos braços ou, em bloco operatório, com anestesia, através dos ossos da anca (se bem percebi). Tudo bem, quero lá saber. Foi então que a enfermeira olhou para o questionário e viu que eu ainda não sabia se tinha hérnias discais.
- É que fui fazer um raio x e só está pronto na segunda-feira.
- Ah... é que se tiver uma hérnia discal não pode ser dadora.
- Não???
- Não. Até há pouco tempo aceitávamos as pessoas com hérnias discais mas, desde que houve um problema com uma senhora na Europa, deixámos de aceitar.

Ao que parece, essa dadora passou muito mal depois de doar medula (as injecções que dão antes afectaram as suas hérnias). E, para que outras pessoas não passem pelo mesmo, acabou-se. Retiram todos os herniados da lista de dadores. Ainda perguntei:
- Mas não se pode ser dador na mesma, assinando um termo de responsabilidade em que se assume compreender todos os riscos?
- Não. Não há nada a fazer.

Saí dali contente pela possibilidade de poder ajudar alguém mas cheia de medo que uma porcaria de uma hérnia estragasse tudo. Então decidi ir à Cuf, ver se porventura o raio x já estaria pronto. E estava. E... não tenho hérnias! A minha coluna, apesar do peso absolutamente sobre-humano que carrega com as minhas malas, e com os colos dados a três filhos, e com todos os disparates de más posturas e o diabo a nove, a minha coluna está um espanto! De maneira que, da minha parte, e até agora... estou pronta. Resta saber se os quatro tubinhos de sangue que me tiraram (não doeu nada, nada, nadinha) vão provar que sim, eu e quem precisa de mim fomos mesmo feitos um para o outro. Espero mesmo que sim. Mas tanto, tanto, tanto! Olhei para aqueles tubos e disse, para dentro (senão a enfermeira ainda me rejeitava por insanidade): Bora lá, rapaziada, células, glóbulos, cenas! Bora lá fazer o que é preciso!

E agora... agora é esperar.

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