Então como é que está a correr o voluntariado do Manel?
Pois que está a correr lindamente. Depois da primeira noite, em que a chamada por FaceTime revelou um miúdo fragilizado, a descomprimir depois de dois dias a viajar sozinho, foi sempre a melhorar (como já imaginávamos). Aquele telefonema não chegou a preocupar-nos porque compreendemos perfeitamente a tensão em que tinha estado nas últimas 48 horas, pela primeira vez a viajar sozinho para África, com muito dinheiro na mochila (para ele e para outra voluntária, que lhe tinha pedido para levar - dinheiro para viver um mês inteiro), pernoitar em São Tomé, voltar a voar, chegar a Príncipe e deparar-se com a realidade que iria ser a sua nos próximos 30 dias, tudo sem poder comunicar (sendo que esta geração nem sequer sabe o que é isso de não poder comunicar). Não foi fácil, esse primeiro embate. Mas todos os dias depois desse têm sido dias de ânimo, de entusiasmo, de descoberta. Perguntei-lhe se queria contar aqui, por escrito, como têm sido estas duas semanas de voluntariado internacional, até porque há muita gente a enviar emails a perguntar como ele está, o que faz, e outros detalhes (por estarem a pensar sugerir aos próprios filhos esta experiência). Eis, então, o relato do Manel na primeira pessoa:
"Passaram precisamente duas semanas desde que aterrei neste pedaço mágico da Terra. É difícil descrever uma experiência que me tem marcado tanto. As palavras não parecem suficientes e parecem nunca descrever na totalidade os sentimentos e sensações que o voluntariado internacional nos proporciona.
Assim que aterrei em São Tomé, onde tive de passar uma noite antes de partir para a ilha do Príncipe, percebi que era muitíssimo diferente. Tentei preparar-me para tudo, ir de mente limpa, sem preocupações, sem expectativas, mas mal pus um pé no país que tem sido a minha casa, percebi de imediato a intensidade da experiência que me esperava. Apesar de ter investigado a cultura do país, alguma da sua história e de saber as suas fragilidades, percebi naquele momento que não conhecia nada mais do que isso. Depois dessa noite de choro, apanhei a avioneta para a Ilha (que medo que tive) e rapidamente me apercebi da dinâmica de tudo. Os primeiros dias foram penosos e duros. Não estava habituado a tamanha pobreza. Não estava nem estou habituado a viver sozinho, de forma independente e autónoma, e isso trouxe algum desconforto e tensão. Agora as coisas estão mais normalizadas, o único problema são mesmo as saudades. Saudades da minha família, namorada, amigos, e do meu Sporting. Mas a verdade é que agora sinto que quando voltar vou ter saudades de tudo isto. Saudades das coisas mais simples, dos abraços de manhã, à tarde, à noite, ao chegar a casa e ao sair de casa. Vou ter saudades do ambiente tranquilo vivido aqui e da felicidade que estas pessoas têm, mesmo sem ter nada. Parecem clichês, mas são factos que vos transmite alguém que ainda está a experienciar estes momentos maravilhosos, e que se está a conhecer a cada dia que passa nesta Ilha única.
Em relação ao projeto, neste caso em concreto, não posso dizer mil e uma maravilhas. De facto, quando cheguei, nada estava feito. Tivemos de planear um horário semanal, criar e começar atividades de todo o tipo e pô-las em prática. Não foi fácil, porque fomos as cobaias deste projeto acabadinho de nascer, mas a partir do momento em que começou a criar-se uma rotina de atividades, tudo se tornou espetacular: a reação dos miúdos e graúdos tem sido perfeita! Desde aulas de inglês à consciencialização dos perigos do plástico, todos se mostram completamente abertos a aprender coisas novas. Notámos muitas debilidades na noção geográfica, a maior parte dos miúdos não sabe identificar o seu próprio país no globo, nem o seu próprio continente. Para os ajudar neste aspeto, temos feito inúmeras ações práticas, como desenhar e pintar os continentes, o jogo do quente e do frio no mapa-mundo, entre outros tipos de dinâmicas. O nível de inglês também é muito baixo, algo que já esperávamos, mas como exige algum grau de concentração, fazemos muitas brincadeiras com material reciclado: bowling com latas numeradas, obrigando cada criança a acertar num certo número pedido em Inglês; jogo das cadeiras com cores, pedindo, em Inglês, para não se sentarem numa determinada cor; o jogo da macaca com cartão reutilizado, com números escritos em Inglês; etc. Por usarmos todo este tipo de material que, em condições normais, iria para o lixo, pedimos às crianças que nos tragam rolos de papel higiénico, cartão, garrafas e latas. Como podem ver no quadro abaixo, temos, todas as semanas, aulas de reciclagem, onde ensinamos em que contentor colocar certos produtos. Há imenso lixo na praia, e isso tem de ser visto como uma das principais preocupações de qualquer voluntário que para cá venha. Não basta apanhar lixo do chão. Consciencializar os miúdos pode ajudar a mudar todo um paradigma, toda uma geração que não sabe o quão prejudicial pode ser atirar alguma coisa para o chão ou para o mar.
Este tipo de atividades elucidativas têm corrido muitíssimo bem, assim como as mais recreativas. Pinturas, desenhos, jogos de cartas, dominós, desporto, tudo isto tem sido relativamente fácil de colocar em prática, e parecendo que não pode fazer a diferença na vida dos pequenos São Tomenses, e claro, nas nossas!
Deixo abaixo algumas fotos da beleza da ilha e daquele que tem sido o nosso gratificante trabalho, que vai continuar por mais duas semanas."