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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

A Covid-19 e o que mudou na nossa vida

Ao contrário de muitas pessoas, nunca fui nada stressada com germes e demais bicheza. Sempre adorei ver os miúdos a brincarem na rua, a sujarem as mãos, a roupa, e nunca fui a correr metê-los na banheira para eliminar potenciais bichos maus. Calma, também não sou porquinha! Sempre lhes dei banho (ah ah ah), sempre reforcei a obrigatoriedade de lavar as mãos antes das refeições, enfim, essas coisas. Mas nada de grandes nervos com vírus e bactérias - acho que sempre fui uma mãe bastante descontraída.

Com a Covid-19... a coisa mudou um bocadinho. Houve ali uma fase em que parece que tinha nojo de tocar nas coisas fora de casa, como se o coronavírus fosse assim gosmento e pegajoso. Comecei a notar em coisas que nunca tinha notado até então: que as superfícies são tocadas, de facto, por muitas mãos, mãos que estiveram sabe Deus onde, a tocar sabe Deus em quê, e às tantas dei por mim um bocado inquieta com estes pensamentos que, em bom rigor, nunca me tinham ocorrido (exceção para os varões dos autocarros e do metro, que sempre tentei segurar com uma manga da camisola a cobrir a mão, e para os corrimões, que também sempre me meteram alguma repugnância - às vezes até estão assim oleosos de tanta mão lhes tocar, blhéc).

Comecei a sentir que a casa era uma espécie de porto seguro e a querer que continuasse assim. E, por isso, os sapatos passaram a ficar à porta. Já achava que era uma ideia inteligente, mas nunca tinha posto em prática. Foi preciso a Covid para levar isso para a frente. Comprámos uma sapateira, montámo-la atrás da porta da rua, e pomos lá os sapatos antes de avançarmos pela casa adentro (o pior é que é pequena demais para tantos pés e tantos sapatos e acabam os sapatos a ficar dentro e fora e nos arrebaldes, e está montada uma confusão à entrada que me anda a consumir os nervos, mas isso agora não interessa nada). Comecei a reforçar mais a lavagem das mãos, a desinfeção com álcool, a lavagem da roupa depois de uma utilização.

Até que me convidaram para ser embaixadora da Lysol, marca nº1 em desinfeção nos Estados Unidos (e em outros países). Já conhecia e fiquei muito contente pela confiança. Mas mais contente fiquei quando percebi que, dentro da vasta gama de produtos, todos eles altamente eficazes a eliminar vírus e bactérias, há vários que eliminam a Covid-19. Pistola de casa de banho, Pistola multiusos, um desinfetante líquido para a roupa e - o meu preferido - o aerossol que se pode utilizar em todo o lado: maçanetas, sofás, tapetes e... (a minha ideia preferida)... sapatos! Incomodava-me um bocado estar a pedir aos convidados (que neste momento são raros, mas ainda vem cá uma pessoa ou outra de vez em quando) que tirassem os sapatos e ficassem de meias, e agora, com o aerossol, sinto-me na maior para lhes pedir para darem uma sprayzada (acabei de inventar uma palavra que me dava jeito) na sola dos sapatos e seguirem viagem para o interior da casa. É mesmo prático para tudo. Uso e abuso.

E depois, além de sabermos que estamos a usar produtos rigorosamente testados há anos e anos (a marca tem mais de 100 anos), fica aquele cheirinho a lavado, um cheirinho bom, nada daqueles horrores que às vezes cheiramos por aí em álcool géis da treta. Adoro mesmo, e acho que se nota que escrevo sobre isto sem esforço nenhum. Quando um produto tem qualidade, têm-me lá na primeira fila para aplaudir e partilhar. Ter a minha família protegida deixa-me mais descansada. É óbvio que qualquer um de nós pode apanhar o bicho em qualquer lado - a vida continua, eles vão à escola, eu continuo a jantar e almoçar fora, a ir às compras, a ir ao cinema e ao teatro - acho muito importante, se não mesmo crucial não nos deixarmos tolher por medo. Desde que cumpridas as normas de segurança, é vital continuar a viver, e viver é fazer o que gostamos, o que nos faz felizes. Mas, se dentro da nossa casa pudermos evitar dar livre acesso ao "animal"... acho que já cumprimos a nossa parte.

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Queridos, troquei de mota

Tive a primeira mota aos 18 anos. Ok, sejamos rigorosos: era uma acelera, uma 50cc, não propriamente uma mota (os motards ligam um bocado a estes preciosismos). Foi o meu pai que ma deu e sei bem o acto de coragem que isso foi, tendo em conta todo o pavor da minha mãe com a morte, a dela, a minha, e a dos que lhe são mais queridos. Antes de a ter, sonhei-a. Sonhei-a muitas vezes. A esmagadora maioria dos meus amigos tinha mota. Cresci rodeada por motas. Pelo barulho das motas, pelo cheiro das motas que ficava na roupa, pela terminologia motard, pelas discussões mecânicas que levavam horas. O meu primeiro namorado teve muitas motas, bem como imensos amigos dele. Trabalhei num restaurante de hambúrgueres nas Amoreiras (o saudoso Yellow Cab) para poupar dinheiro para a comprar (mas nunca consegui guardar dinheiro porque havia sempre qualquer coisa que aparecia para comprar e lá se ia a poupança). A certa altura, o meu pai prometeu que ma dava, já não sei bem mediante que condições. Mas sei que as cumpri e. a seguir, fui cobrar a promessa. E, um belo dia, recebi-a. Não era uma Yamaha, não era uma Honda. Era uma... Macal. Fiquei contente na mesma. Era bonita, única (nunca tinha visto outra igual), e era minha, por fim. Mas, quando apareci na minha rua com ela,  fui altamente gozada pelo meu namorado da altura (e pelos amigos) por ter uma mota Macal. Vai daí e passei um bom par de horas a remover os autocolantes com o nome e a limpar com diluente a marca inscrita no assento. Consegui. Depois, passei anos a receber olhares de motards que paravam nos semáforos a mirarem-na de uma ponta à outra, intrigados, até não conseguirem calar a pergunta: "Mas que raio de mota é essa?" Não importava. Era minha e era linda e deu-me uma liberdade que jamais tinha experimentado.

Na altura, era permitido levar motas no comboio e passei a ir visitar a minha irmã, que vivia em Trancoso, sempre acompanhada pela minha motinha. Eu na carruagem dos passegeiros, ela na carruagem dos objectos a transportar. Saía em Celorico da Beira, pegava na mota, e fazia os vinte e picos quilómetros que faltavam a acelerar pelas estradas rodeadas de verde por todos os lados, em curva contra curva. Sentia-me livre, dona do meu caminho, capaz de chegar a qualquer lado sem depender de ninguém. 

Na universidade, chamavam-me Motorcyle Woman (ou a versão abreviada: Motor) porque andava sempre de mota para todo o lado. E, na verdade, fomos inseparáveis até, em 1996, já a trabalhar com o Pedro Rolo Duarte na sua empresa de comunicação (a Pretexto), ter tido um acidente que cortou a Avenida José Malhoa nos dois sentidos e mandou a mota para a sucata e a mim para o hospital. Não parti nada (milagrosamente), mas fiquei com uma cicatriz feia numa perna, até hoje (curiosamente a mesma perna onde acabo de fazer uma nova ferida provocada por uma nova mota, que cá para mim vai deixar marca para sempre também).

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Eu e a minha irmã com a minha primeira mota, novinha, acabadinha de estrear

 

Depois desse acidente, não voltei a ter mota. Achei que me tinha safo daquela, que tinha provocado um susto terrível na minha mãe, e que o melhor era seguir com a minha vida sem mais percalços em duas rodas. Mas o bichinho ficou sempre cá. E, um dia, quando arrendei um escritório com amigas no Chiado, achei que a melhor forma de me deslocar era de mota. E voltei a comprar uma acelera, mas de 125cc. E, para não destoar, escolhi não uma Honda, não uma Yamaha, mas uma Sym.

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Eu e a minha Sym Fiddle III

 

E fomos incrivelmente felizes durante 4 anos. Tive um acidente, provocado por um automobilista distraído, uma queda sozinha (travei a fundo num sentido proibido que antes não estava ali, num dia de muita chuva, e a mota foi para um lado e eu para outro), e um pé atropelado por outro automobilista distraído. De resto, correu sempre tudo bem, felizmente. Mas todas as semanas evitei um acidente. Não dá para conduzir uma mota como se conduz um carro. Sabem aquela coisa de irmos do ponto A até ao ponto B sem nos lembrarmos bem de como lá fomos parar? Vamos a pensar na vida, a ouvir uma entrevista, a cantar uma música, e o cérebro já faz o percurso em pilito automático? Pois bem, de mota não convém. Porque uma distracção pode ser a morte do artista. Há sempre um despistado que muda de via sem olhar, um apressado que passa um semáforo encarnado, um idiota que vem bêbado a 140km/h num cruzamento onde não tem prioridade. 

Andava há algum tempo com vontade de mudar para uma mota com mudanças. Uma mota-mota. Gostava até de subir de cilindrada mas para isso preciso de tirar a carta e está a custar-me um bocado (tem de se voltar a fazer uma parte de código e... fuck, a última coisa que me apetece nesta altura da vida é estudar sinais e regras de trânsito). Vai daí que andei a namorar várias motas e acabei indecisa entre uma Mash e uma Mutt. Na Unik Edition Custom Motorcycles deram-me a conhecer a Bullit, porque são eles que representam a marca e, quer eu quer o Ricardo, acabámos apaixonados pela Bluroc 125cc. E foi assim que, no dia 19 de Novembro, fomos buscar a mota nova. E é linda. E já me queimei violentamente numa perna (na mesma que já tinha a cicatriz da primeira), e espero que seja a única mazela que ela me deixe. 

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Fotos tiradas na sexta-feira, dia 20, pela minha amiga Inês Correia de Matos, da After Click, quando tínhamos ido dar a volta inaugural com a mota, e a encontrámos em Belém, por mero acaso (e sorte a minha).

Desinfetar para proteger

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Tardou mas foi. Lysol, marca número 1 de desinfetantes nos EUA há mais de 100 anos, chegou finalmente a Portugal. E logo agora, que tanto precisamos dela!

Quando me convidaram para ser a cara desta marca de enorme reputação nos Estados Unidos (e em vários outros países, nomeadamente Brasil, México e Austrália), soube que estava a aliar-me a um gigante com história e com provas dadas. Lysol é uma marca ancorada na ciência, que comprovadamente elimina 99,9% de bactérias, fungos e vírus, com uma eficácia superior e sem comprometer a nossa segurança. Quando me convidaram, já sabia que Lysol eliminava os vírus que causam gripes e constipações, o que eu não sabia era que alguns dos produtos da gama conseguem dar cabo até do SARS-CoV-2, o nosso já bem conhecido causador da Covid-19. Ora, que mais pode uma mãe querer neste momento do que manter a família o mais a salvo possível? É certo que o bicho anda por aí, que temos de manter todos os cuidados, que não podemos baixar a guarda, que podemos apanhá-lo inadvertidamente em qualquer lugar, mas se conseguirmos que ao menos a nossa casa seja um porto seguro... já é um alívio.

Uma das coisas que me agrada em Lysol, além do fato já referido de ser uma marca que existe há mais de 100 anos e em constante evolução laboratorial (para acompanhar a própria evolução dos tempos), é o fato de ter vários produtos, numa gama que pretende cobrir todos os cuidados dentro de casa. O meu preferido é o Spray Desinfetante Multisuperfícies. Porque dá para borrifar praticamente por todo o lado: maçanetas, interruptores, telefones, cadeiras, mesas, torneiras, sanitas, colchões, sapatos (gosto sobretudo de dar uma "sprayzada" debaixo dos sapatos das visitas, em vez de lhes estar a pedir que se descalcem)... E, além de eliminar os vírus que causam as gripes e constipações que todos os anos nos atormentam, também já está cientificamente comprovado que elimina o SARS-CoV-2 (e como o odiamos, verdade?). E o bem que cheira? A sério, deixa um perfume mesmo bom, a lavado. Já usei, por exemplo, no carro, quando dei boleia a algum colega dos meus filhos ou quando levei a minha mãe às consultas no hospital. Antes de sair do carro, pffffffffff, spray por todo o lado - volante, manete das mudanças, travão de mão, bancos. Die, Sars, Die!

Além deste spray espetacular, Lysol tem depois uma gama de Pistolas para utilizar na cozinha, na casa-de-banho e um produto multiusos, que me vão ajudar a proteger a minha família em cada canto cá de casa.

Há ainda o Desinfetante de roupa líquido, para usar na máquina ou nas lavagens à mão. Sem lixívia, sem corantes nem fosfatos, está testado dermatologicamente. Usa-se como aditivo (além do detergente), tem um perfume mesmo bom e, além de eliminar 99.9% das bactérias, vírus e fungos, é um dos valentes, capazes de dar cabo do SARS-CoV-2. 

Por fim, o Tira-nódoas (que também não contém lixívia nem fosfatos mas elimina nódoas e maus odores da roupa) e o Limpa Máquinas Desinfetante para a máquina da roupa, que limpa, desinfeta, elimina maus odores, calcário, sujidade e resíduos de detergente.

Que tal? Não é assim mesmo uma boa notícia, esta chegada de Lysol a Portugal? Eu acho que sim, estou contente por ser a cara desta marca que nos vai ajudar a todos a estarmos mais seguros, numa altura em que é tão importante sentir alguma segurança nesta insegurança que se estabeleceu ao nosso redor. Espero que gostem tanto dos produtos como eu. 

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Entrevista: Raquel Gil-Gouveia*

Hoje trago-vos uma entrevista que fiz a Raquel Gil-Gouveia, médica neurologista e coordenadora do Centro de Cefaleias do Hospital da Luz Lisboa, sobre Enxaqueca. Uma das maiores especialistas nesta doença, fala sobre sintomas, causas e consequências. 

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Começo por uma pergunta mais genérica, mas que pode ajudar muita gente a compreender melhor esta patologia: o que é, afinal, a enxaqueca?

- A enxaqueca é uma doença e é preciso reconhecê-la como uma doença. Um dos principais motivos pelos quais ainda hoje é, por vezes, incompreendida prende-se com o facto de, durante séculos, ter sido considerada um distúrbio mais psicológico mesmo pela comunidade médica. Nos anos 50-60, com uma série de experiências, começou a compreender-se que havia, de facto, uma série de disfunções e alterações confirmando que, afinal, se tratava de uma doença. Uma doença do cérebro.

 

O facto de se ter demorado tanto tempo a diagnosticar-se a enxaqueca como uma doença prende-se, imagino, com o facto de ela não poder ser detetada em exames ao cérebro. Ou seja: não há nada de visivelmente diferente nos cérebros das pessoas com enxaqueca?

- O facto de não haver um “marcador” que defina o diagnóstico pode contribuir para dificuldade de diagnóstico ou definição do problema. Não há nada de estruturalmente diferente, mas, ao longo do tempo, foram-se descobrindo várias diferenças no cérebro, nas crises e fora das crises (ou seja, o cérebro das pessoas que sofrem de enxaqueca funciona de forma diferente, mesmo fora das crises). É um pouco como um computador: o hardware de dois computadores pode ser igual, mas o software é diferente. E sim, isso dificultou bastante a valorização da doença, mas há outras razões... e uma das razões, infelizmente, é ser uma doença mais prevalente nas mulheres. E, como a enxaqueca está muito associada às fases menstruais, criou-se um estereótipo: de que seria uma condição hormonal, histérica... enfim. O curioso é que há descrições da enxaqueca desde os Egípcios. Só que, entretanto, a evolução da Medicina centrou-se mais na sobrevivência das pessoas e a enxaqueca não mata. Sabemos hoje que mói e muito, e felizmente os médicos começaram também a preocupar-se com a qualidade de vida.

 

Então, e em termos clínicos, como se manifesta esta doença?

- O cérebro espontaneamente desencadeia uma crise, com vários sintomas, o mais importante dos quais é a dor, mas não é o único. Essa crise é autolimitada, isto é, tem uma programação para ela própria acabar. As crises, por definição, duram de 4 a 72 horas, sem tratamento. Começam devagarinho e, às vezes, não é a dor o primeiro sintoma: as pessoas sentem-se mais cansadas, mais paradas, sonolentas, desconcentradas, com uma moinha que vai aumentando, podem sentir um enjoo... e depois vai em crescendo: a moinha passa a dor, tipicamente em metade da cabeça (é por isso que se chama enxaqueca, do árabe as-saqiqa, metade da cabeça), mas também pode doer toda a cabeça. Há uma intolerância à luz, ao ruído, ao movimento. A pessoa fica incapaz de se mexer, de pensar, pode ter visão turva, o pescoço dorido, e a dor torna-se mais pulsátil quando se agrava. As náuseas podem aumentar e o doente pode vomitar. Algumas pessoas (15%) podem ainda ter aura, que é um fenómeno neurológico transitório que consiste numa perturbação visual. As pessoas passam a ver metade do mundo distorcido, desfocado. Também há quem sinta os dedos dormentes, depois a mão, o braço, a cara de um lado, a língua e algumas pessoas ficam mesmo com dificuldade em falar.

 

Isso pode ser assustador porque facilmente confundível com outras doenças agudas.

- Sim, muitas pessoas julgam estar perante um AVC. Mas se for uma enxaqueca típica percebemos facilmente a diferença, porque há uma sequência de sintomas, enquanto no AVC é tudo abrupto.

 

É uma doença hereditária?

- É uma doença familiar. Ou seja: há maior propensão de passar para membros da mesma família, e não tem de ser para um filho ou neto. Agora, se uma mulher com enxaqueca tiver uma filha, há 2/3 de probabilidade de a filha ter. Entre mãe e filha a carga hereditária é muito pesada. Porque existe a parte genética e a hormonal.

 

Além do tal “software” diferente no cérebro das pessoas que têm enxaqueca, que provoca as crises per se, há também fatores externos, do quotidiano, que podem desencadear crises. Quais são?

- São vários: as menstruações no caso das mulheres (é o fator desencadeante mais frequente e consistente), alterações do padrão do sono, isto é, dormir pior numa noite ou dormir mais ao sábado, por exemplo. O stress é outro desencadeante, ou então até pode acontecer que a pessoa passe por um período de grande stress e não tenha nada e, de repente, relaxa e tem uma crise. Depois, há o fator alimentação: ficar muito tempo sem comer (a hipoglicémia associada ao jejum), desidratação. E há quem seja sensível a alguns alimentos ou bebidas em particular. O álcool é o mais frequente, o chocolate, para algumas pessoas também o queijo, os citrinos, alguns aditivos da comida chinesa ou indiana. E depois há quem tenha sensibilidade a coisas muito particulares. É muito variável. O exercício por vezes pode igualmente desencadear uma crise, o calor (as pessoas melhoram geralmente no inverno).

 

Quais são as consequências da enxaqueca na vida das pessoas?

- Ui... é toda uma panóplia. Claro que o impacto depende da intensidade das crises e da sua frequência. Obviamente que as pessoas que têm crises mais intensas e frequentes têm um maior impacto – alguém que tenha 15 ou mais dias de dores por mês, ou seja, alguém que esteja mais tempo com dor do que sem dor, tem um impacto enorme. Estes são os doentes com enxaqueca crónica, e representam 2 a 3% da população europeia. Felizmente, a maior parte não tem muitas crises. O típico são duas ou três crises por mês. As consequências são muitas: faltar ao trabalho porque não se consegue sair da cama, ter problemas familiares, sociais, ansiedade, oscilações de humor, depressão. A ansiedade de ter uma nova crise é típica, o que pode provocar por si só uma crise. As pessoas têm medo de assumir maiores responsabilidades no trabalho, têm medo de ir de férias com amigos (imagine alguém que vai uma semana de férias e fica 3 dias na cama com enxaqueca, estragando a semana a toda a gente). Começa a haver uma incapacidade “intercrítica”: não vão jantar fora, não vão de férias, não aceitam cargos de maior responsabilidade... e com isso aumenta a frustração, a sensação de fracasso. Os crónicos (os tais 2% que têm mais dias com dores do que sem dores) têm mais divórcios, mais desemprego, tomam mais analgésicos, sendo que a utilização continuada de analgésicos faz com que o cérebro, quando não está sob o efeito deles, comece a desencadear uma moinha permanente, ou seja, há uma cronificação da dor. É muito difícil.

 

Tem aumentado o número de pessoas com enxaqueca?

- É difícil dizer se a prevalência está a aumentar porque a verdade é que há muito mais estudos sobre o assunto. Há uma charity inglesa chamada “Lifting The Burden” que tem feito um estudo muito completo sobre a incidência mundial e, assim, hoje temos dados que antes não tínhamos.

 

As crianças também podem ter enxaqueca?

- Podem, podem! O problema é que há sempre uma via sacra que esses miúdos têm de percorrer até serem diagnosticados com enxaqueca. O processo é mais ou menos este: os miúdos começam a queixar-se de dores de cabeça e vão ao oftalmologista, para ver se será dos olhos. A seguir, vão ao otorrino, para descartar a sinusite. Ainda consultam o dentista, não vá ser algum desvio mandibular. E, por fim, vão ao neurologista. Mas, sim, os miúdos têm enxaqueca, é verdade. Aliás, podem ter manifestações desde bebés, através de equivalentes como a vertigem paroxística, o torcicolo paroxístico que, mais tarde, passam a ser enxaqueca. A partir dos 2, 3 anos os miúdos já conseguem explicar e dizer que têm dores de cabeça. Por vezes podem ter enxaqueca abdominal – estão enjoados, dizem que lhes dói a barriga, ficam olheirentos, quietos... é outra das formas equivalentes de enxaqueca que, mais tarde, se convertem nela propriamente dita. De qualquer forma, quando incide em crianças, é mais frequente aparecer pelos 6 anos de idade. Na puberdade, as raparigas têm um pico de incidência associado às alterações hormonais. Aos 15 anos, há 3 vezes mais raparigas do que rapazes com enxaqueca. Mas, em geral, o mais frequente é que a enxaqueca comece entre os 20 e os 30 anos. Normalmente, diminui com o avançar da idade e, 2/3 das mulheres tem um decréscimo significativo da frequência e da intensidade, depois da menopausa.

 

Imagino que, além dessa via sacra, ainda terão outra, a de terem os pais a acharem que é mentira, que é manha, que é para não irem para a escola... isso e os próprios professores, a pensar o mesmo.

- Isso é muito importante. Muitas vezes os pais pensam: “Ah, se calhar está a imitar-me, está a chamar a atenção”. Tenho a dizer o seguinte: normalmente quando os miúdos se queixam, é porque sentem. É muito raro, acho que nunca vi, um miúdo inventar uma coisa destas. Se diz que dói, é porque dói. Até pode não ser enxaqueca, mas também pode ser. E até pode ser enxaqueca agravado por um motivo psicológico – imagine, um miúdo que não está adaptado à escola. Como sabemos, o stress pode desencadear a enxaqueca. Há crises que são muito visíveis: as crianças ficam brancas, olheirentas, não querem comer, ficam prostradas no sofá. Depois também há as crianças que têm crises fraquinhas, que duram 1 ou 2 horas. Às vezes encostam-se um bocadinho, distraem-se e aquilo passa. Além disso, os miúdos têm uma facilidade que os adultos não têm: se um adulto se deitar com uma enxaqueca no seu início, sem tomar medicação, quando acordar estará a explodir de dor de cabeça. Os miúdos não. Por vezes basta mesmo que durmam uma meia hora e acordam ótimos. Tenho escrito bastantes recados para as escolas de crianças diagnosticadas com enxaqueca a pedir para que, quando eles se queixarem, arranjarem um espaço onde eles possam dormir um bocado. Mas, claro, por vezes é preciso mesmo medicar, porque pode não ser suficiente apenas o sono.

 

Porque é que se interessou por uma área que foi, durante tanto tempo, mal-amada pela Medicina?

-  Na verdade, começou com um episódio particular, ainda na faculdade. Estava em Medicina, no 5º ano, e numa aula de Neurologia, o professor Castro Caldas disse que havia o mito de as pessoas terem dores de cabeça quando precisavam de trocar de óculos. Dizia ele que não era verdade, que não passava de um mito. E eu, que sempre que aumentava de graduação tinha dores de cabeça (e era por isso que ia ao oftalmologista, comprovando-se a alteração na visão), discordei, ao que ele respondeu: “Então se não concorda, prove!” E eu fui ter com a professora Isabel Pavão Martins, professora associada da Faculdade de Medicina, propus o estudo, fizemo-lo em conjunto, ainda eu era aluna, e acabou por ser publicado numa revista internacional.

 

Em suma, não a provoquem!

- Não me provoquem. (risos) Mas pronto, podia ter feito o estudo e ter-me dedicado a outra coisa. Mas depois fui percebendo que as pessoas com enxaqueca eram muito pouco compreendidas (ainda são, mas na altura eram ainda mais) e têm um sofrimento profundo, desvalorizado até pela comunidade médica. Acho que foi também por isso que me interessei por esta área: temos as armas, temos os doentes, vamos lá diminuir o seu sofrimento e melhorar a sua qualidade de vida.

 

E acha que vamos um dia ter uma cura para esta doença?

- Daquilo que sabemos, acho que é difícil haver uma cura, um tratamento único que resolva o problema de uma vez. Não é impossível, mas é difícil. Agora, vamos é ter medicamentos cada vez mais eficazes e com menos efeitos secundários – já estamos, de resto e felizmente, a entrar nessa geração. Para o bem destas pessoas que, de facto, passam por muito.

 

*Post em Colaboração com Dá Voz à Tua Enxaqueca, para mais informações, consultem o Facebook e Instagram.