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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Histórias da Quarentena #3

Estava tudo marcado. Casamento civil para dia 8 de Maio, festa de arromba numa quinta, dia 4 de Julho. Vinham muitos convidados de França, onde o noivo trabalha, vinham familiares, amigos, uma celebrante do Porto. O fotógrafo estava escolhido e pago, assim como o vestido de noiva, e a lua-de-mel. Quando o Presidente da República declarou o Estado de Emergência, Ana e Bruno começaram a ver a vida a andar para trás. 

Estão juntos há 13 anos e têm uma filha com 11, a Inês. Nunca casaram porque a vida foi andando e não lhes fazia falta um contrato. Mas, no dia 11 de Julho de 2019, dia do aniversário de Ana, Bruno pediu-a em casamento. Ela disse que sim, e marcaram tudo para 2020. Com 13 anos inteirinhos para escolher uma data, é preciso pontaria para acertar no pior de todos.

Logo no dia a seguir à declaração de Marcelo Rebelo de Sousa, Inês não foi mais à escola. Bruno voltou de França quatro ou cinco dias depois, num dos últimos voos para Lisboa. Foi ele quem introduziu o difícil tema: "É melhor adiarmos." Ana exclamou um "não!" que parecia convicto mas era mais uma negação da evidência que se tornava maior, de dia para dia. "Vamos esperar mais um bocadinho". 

Mas a Covid não mostrava jeitos de abrandar, muito pelo contrário. E havia a questão dos colegas e amigos de França, que tinham de organizar as suas vidas. No início de Abril, depois de respirarem fundo algumas vezes, adiaram a festa para 3 de Julho de 2021. Ainda pensaram arriscar Setembro deste ano, mas preferiram jogar pelo (mais) seguro. Todos os serviços envolvidos compreenderam e aceitaram (que remédio!). Ana e Bruno ainda tiveram receio que se perdessem os voos para Formentera, onde iam passar a lua-de-mel, mas tudo foi pacífico e o valor reembolsado. "Era a nossa primeira viagem a dois. Desde sempre que vamos para todo o lado com a nossa filha e, desta vez, íamos só nós." Lá está: é preciso pontaria.

Umas semanas antes da data marcada para o casamento civil, informaram-se sobre se seria possível mantê-lo. Era, mas teriam de ir sozinhos, e de máscara. E assim foi. No dia 8 de Maio, levaram as alianças, as máscaras, e assim casaram, sem testemunhas, nem aplausos, nem arroz, nem pétalas, nem beijos de parabéns, nem lágrimas de pais emocionados, nem fotógrafo para registar o momento.

Acontece que Ana e Bruno vivem num bairro de Oeiras que já aqui dei conta. Um bairro onde todos os dias do confinamento houve festa às janelas. Cantigas e danças e o hino, que aproximaram pessoas que viviam paredes-meias, mas não se conheciam pessoalmente e, muitas delas, nem de vista. Um bairro que se uniu de tal modo que foi criado um grupo de Whatsapp para que os vizinhos ficassem a par da "agenda" do dia à janela. E foi assim que Ana disse ao António, o DJ de serviço neste bairro tão particular, que ia casar naquele dia, e que contava com uma sessão musical à altura. O vizinho levou a missão muito a sério. Pediu aos noivos uma selecção de músicas que fosse relevante nas suas vidas, fez um convite de casamento que publicou no grupo e, às 20:30 de dia 8 de Maio, Ana e Bruno tiveram a boda mais estranha, divertida e emocionante que podiam imaginar. Dezenas de pessoas à janela bateram em tachos e panelas, a marcha nupcial soou aos berros pelo bairro, houve palmas, vivas aos noivos, houve canções que todos cantaram. Ana pôs uma bandelete com flores na cabeça, atou-lhe um lenço branco, para que fosse facilmente identificada como a noiva (já que o vestido está guardado para a festa, em 2021). 

O noivo tinha o irmão, que vive em França, ao telefone, em videochamada, para que assistisse à festa de casamento possível. "O irmão chorou baba e ranho, o tempo inteiro." Em casa, estava a filha do casal e a mãe de Ana, ambas a chorarem de emoção. "É verdade que nos custou muito adiar a nossa festa de casamento. É verdade que esta pandemia trouxe coisas terríveis a todos nós. Mas não posso negar que a festa à janela foi tão especial que acabou por tornar o adiamento uma coisa boa. Foi mesmo comovente assistir à festa que nos fizeram, e senti que as pessoas nos davam os parabéns de forma sincera e emotiva. Cantámos, dançámos, comemos um bolo que comprámos no Auchan e que, longe de ser um bolo de noiva, tinha chantily e morangos e serviu perfeitamente. Foi lindo e inesquecível."

Para o ano, se tudo correr bem, será a festa na quinta. Ana irá vestida de noiva, virão os convidados de França, os familiares e amigos de lá e de cá, haverá fotógrafo e arroz e pétalas e bolo de noiva e beijos e abraços e o pézinho de dança que nunca pode faltar. Este ano a Covid atrapalhou-lhes os planos, mas eles deram bem a volta. Em 2021, se tudo correr bem, será como eles sonharam.

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A importância de cortar o cordão

Há mães com uma imensa dificuldade em cortar o cordão que as liga aos filhos. Levo 18 anos de maternidade, quatro filhos, e tenho feito parte de muitas turmas, de várias escolas. Tenho, por isso, assistido de perto a muitas reuniões de pais, festas de filhos, encontros, grupos. E creio que, a cada ano que passa, encontro mais destes casos. De mães (e também pais) com ligações demasiado intensas com os seus filhos e, em alguns casos, perfeitamente doentias. Mães (e pais, mas são sobretudo as mães) que não permitem que os filhos façam uma série de coisas que seria normal que fizessem, com medo, com ansiedade, com um amor febril e pouco saudável. É óbvio que é normal querer proteger os filhos o mais que nos for possível, mas há algo que não podemos nunca perder de vista: eles não são nossos. E precisam aprender a andar, descobrir, arriscar, voar sem nós. E é essencial que os percamos um bocadinho, sempre que os deixamos ir. Mas, esta perda só o é de certo modo. Porque, na verdade, permitir a autonomia de um filho é um ganho. Para ele, para os pais, para todos. E é, acima de tudo, um acto de amor.

Este filme de animação é muito bonito e retrata isto tudo. Cortar o cordão custa. Mas começa assim que eles nascem. E não é por acaso.

Obrigada!

Já agradeci no Instagram, já agradeci no Facebook, faltava-me agradecer aqui.

Graças a vocês, a todos os que conheciam o Camp Abilities e a todos os que, mesmo não conhecendo, acreditaram na minha palavra (quando vos disse que era uma colónia de férias absolutamente incrível, onde crianças e jovens cegos convivem com crianças e jovens sem deficiência visual, aprendendo ambos que nem a visão é tudo, nem a cegueira é impeditiva de quase nada, e sobretudo que as pessoas valem pelo que são e não pelo que têm, seja este ter material ou físico), graças a vocês, dizia, o Camp Abilities ganhou a bolsa da Gulbenkian, e assegura assim 60% do financiamento para os próximos 2 anos. Sem o vosso empenho, sem o vosso esforço, sem os vossos votos não seria possível. Por muito que eles merecessem - e merecem. 

Muito, muito, muito obrigada!

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Histórias da Quarentena#2

NASCER EM TEMPOS DE COVID

Mariana esteve em perigo de pré-eclampsia e foi internada às 32 semanas de gravidez. Sem o pai, sem ninguém que lhe pudesse dar a mão e dizer que ia ficar tudo bem. Ninguém, nem mesmo o pai da Clarinha. Saiu do hospital 14 dias depois

 

Naquela noite de 27 de Agosto, agarrados um ao outro a chorar de alegria, Mariana e Pedro não podiam imaginar que aquela felicidade embrionária ainda os ia fazer chorar tanto de angústia, de solidão, de medo. Aquele positivo, que era tudo o que desejavam, havia ainda de passar por uma dura prova chamada Covid-19, e seus efeitos colaterais.

Mariana sempre quis ser mãe. Educadora de infância, conheceu o homem da sua vida tarde, aos 35 anos e, chegaram a pensar que talvez não fosse fácil conseguir uma gravidez, uma vez que ela já tinha sido operada ao útero duas vezes, e ele também tinha levado algum tempo a conseguir ser pai, numa relação anterior. Enganaram-se. Em julho de 2019, Mariana recebeu uma biópsia negativa ao útero, e decidiram começar a tentar. Em agosto, no regresso de uma viagem a Marrocos, Mariana sentiu-se malíssimo, agoniada e a vomitar. Quando, no dia seguinte, fizeram o teste, nem queriam acreditar: iam ser pais! 

A gravidez correu bem, com excepção da tensão arterial, que subiu logo no início e a médica, por precaução, juntando os valores ligeiramente elevados da tensão à idade e ao trabalho exigente, passou-lhe uma baixa logo nos inícios da gravidez. E Mariana aproveitou-a para descansar, para gozar da sua barriga com orgulho e vaidade, para desfrutar de uma gravidez há muito desejada. 

No início de Março, às 32 semanas de gravidez, a tensão arterial de Mariana escalou. Havia um sério risco de pré-eclampsia (uma complicação da gravidez que pode revelar-se muito grave e até mortal) e a bebé estava a crescer pouco: estava no percentil 7. "A médica mandou-me ficar em repouso e comer proteína a todas as refeições. E assim foi. Fiquei três semanas em repouso e a comer muito bem, e no dia 25 de Março fui de novo à consulta na Maternidade Alfredo da Costa. Foi então que a médica viu que a Clarinha só tinha aumentado 300 gramas. Estava no percentil 4. Explicou-me que a minha placenta tinha um defeito, que não estava a alimentar a minha filha, e que tinha de ser internada naquele momento, para se fazer uma cesariana ainda nesse dia."

Estávamos em pleno confinamento. Os acompanhantes já tinham sido barrados à porta dos hospitais e Mariana foi ao carro informar o futuro pai da decisão da médica. Choraram abraçados, com medo de que o desfecho pudesse não correr bem, e por saberem que, fosse qual fosse o desenlace, não poderiam passar por ele juntos. Ainda assim, havia a esperança de que, no máximo, daí a 4 dias seria o reencontro: "A médica tinha dito que a bebé ia nascer naquele dia, e que teria alta em 4 dias. E assim nos despedimos, a achar que não tarda estaríamos juntos, apesar de tudo."

Só que este parto não estava destinado a ser fácil, nem previsível, nem particularmente simpático para nenhum dos intervenientes. Mariana foi internada, os turnos mudaram, e os médicos que estavam no internamento não tiveram a mesma opinião da médica assistente: a bebé não ia nascer já. Controlaram a tensão de Mariana, monitorizaram os sinais vitais da bebé, e decidiram manter a gravidez pelo tempo que fosse possível. Passou dia 25, passou dia 26, dia 27, dia 28, 29, 30. Mariana num quarto de hospital, confinada, sem o pai da Clara ao seu lado. "Eu repetia vezes sem conta que já estávamos fechados desde o início de Março, que ele podia ficar sempre comigo, sem sair do hospital, mas a resposta foi sempre a mesma: não. Eram ordens da DGS. Nem uma janela podia abrir. O que me valeu foi o telemóvel, poder falar com ele, com a minha irmã, com os meus sobrinhos, com a família toda e os amigos... Um dia o Pedro apareceu lá em baixo, e eu pude vê-lo e à minha enteada pela janela. Foi uma choradeira que nem imagina! Mas sentia-me, ainda assim, tão sozinha. Devia estar feliz, mas tinha tanto medo, tanta apreensão, e ninguém dos meus por perto. Disse ao Pedro que, se houvesse dúvidas sobre quem salvar, queria que salvassem a minha filha. Ela seria para sempre dele. E eu queria muito que ela nascesse e vivesse. Enfim, foi um tempo muito duro, em que tudo nos passava pela cabeça. E passar por isto sozinha... foi mesmo difícil." Mariana emociona-se. Emociona-se incontáveis vezes, ao longo da nossa conversa. Há dores que levam tempo a passar.

No dia 31 de Março, a tensão arterial disparou para 20/12. Começaram a induzir o parto. As contracções começaram mas o processo foi lento. Tão lento que no dia 2 de Abril ainda estava em trabalho de parto. "Cada contracção que eu tinha fazia disparar a minha tensão e fazia diminuir o ritmo cardíaco da Clarinha. Foi então que fui para o bloco, para uma cesariana. Ela estava muito subida e, a certa altura, ouvi-os dizer ao anestesista para fazer força. Ele empoleirou-se no meu peito e fez tanta força que uma semana depois ainda me doía o peito. A Clarinha nasceu e não a ouvi chorar. Levaram-na para outra sala e eu só soluçava: a minha filha? A minha filha?"

Clarinha veio de seguida. Era muito pequenina. Nasceu às 36 semanas e 3 dias com 1,745 kg e 42 centímetros. Depois daquele primeiro olhar e cheiro (Mariana sempre de máscara), levaram a bebé para o Puerpério e Mariana para os Cuidados Intensivos. A tensão mantinha-se alta e tinha perdido muito sangue. Não se viram durante praticamente 26 horas. No dia 4 de Abril à meia-noite, uma enfermeira-anjo ("Susana, não me lembro do apelido"), levou a mãe a ver o seu bebé. Mariana pegou-lhe, enfim, pôde observar-lhe os detalhes, os dez dedos das mãos, os dez dedos dos pés, o nariz, a boca, cada pedacinho que não tinha podido ainda ver. Daí a um bocado, a enfermeira perguntou: "E agora?" Mariana agarrou-se à filha: "Agora já não a largo". A enfermeira sorriu e disse-lhe que ia então tratar de tudo para que pudesse ficar ao lado da filha. 

No dia 7, tiveram ambas alta da MAC. Catorze dias de internamento para Mariana, 5 dias de internamento para a Clarinha. O pai foi buscá-las e conheceu, ao vivo, a filha. Cinco dias depois de ter nascido. "Abraçou-me e foi outra choradeira à porta, claro. E depois olhou para a filha e disse: 'Tão pequenina... nas fotografias parecia maior, parece um ratinho.'"

Nesse dia, a irmã de Mariana foi conhecer a sobrinha à janela de casa, e sobrinhos vieram conhecer a prima nova. Alguns amigos vieram à janela, ver a bebé. O avô materno só conheceu a neta quando ela já tinha um mês e meio. A avó materna conheceu a neta na semana passada. Durante dois meses, Mariana esteve fechada em casa com a filha, impossibilitada de exibir ao mundo, ao vivo e a cores, a sua melhor obra. Muito melhor do que estar no hospital, sem dúvida, mas ainda assim foi uma provação continuada no tempo. É verdade que teve a sua filha, perfeita, saudável, é certo que o desfecho não foi uma tragédia (como podia ter sido), mas esta acabou por ser como que uma uma felicidade confinada, ela própria. Como uma felicidade a quem estivessem a tapar a boca, para não gritar aos sete ventos a sua existência. Clarinha não faz ideia, mas a pandemia faz parte da sua vida e fará, para sempre, parte da sua história.

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*Histórias da quarentena é uma nova rubrica do blogue, onde se vão contar histórias boas, más, incríveis, bonitas, feias sobre este período único que vivemos. Se tiverem histórias que creiam que valem a pena contar, enviem para sonia.morais.santos@gmail.com

Ainda agora voltei e já vos vou pedir ajuda... (sou uma abusadora, eu sei)

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Estive que tempos sem pôr os dedos aqui no blogue e hoje já venho pedir-vos coisas. É um bocado embaraçoso mas, como não é para mim, talvez a coisa soe levemente menos abusiva. Peço desde já desculpas, não só pela ausência bloguística (mas que já estou a tentar redimir com a criação de novas rubricas e tudo), mas também por este pedido que agora vos faço (mas que é por uma boa causa).

Alguns de vós poderão lembrar-se de uma reportagem que aqui fiz, no ano passado, sobre uma colónia de férias inclusiva, onde metade dos miúdos eram cegos e os outros viam. Chama-se Camp Abilities e, para quem não viu ou para quem gostaria de recordar, a reportagem está AQUI.

Ora bem, quando lá estive, a acompanhar a colónia durante uma semana, comovi-me por diversas vezes. Com a alegria de miúdos cegos (e muitos oriundos de meios sociais desfavorecidos) que experimentavam actividades pela primeira vez, como o surf, o tiro com arco, o mergulho, entre tantas outras. Com a desenvoltura de outros, a quem foi dada muita autonomia pelos pais (geralmente os que provinham de famílias mais esclarecidas), e que punham os miúdos sem deficiência basbaques: "Já fizeste a cama e eu ainda ando aqui às voltas a tentar esticar lençois?" ou "como raio é que ela consegue fazer surf tão bem e eu nem sequer me consigo pôr de pé na prancha?"

No último dia, todos eram unânimes: aquela tinha sido uma semana modificadora. "Todos deviam passar por isto. Aqui aprendemos que é possível ver sem olhos". Alguns dos miúdos que vêem confessaram que não estavam assim tão entusiasmados quando os pais os inscreveram mas, depois de uma semana, sentiam que aquela tinha sido, sem dúvida, a melhor experiência das suas vidas. 

 

Ora bem. A equipa que faz o Camp Abilities faz autênticas omeletes sem ovos. E são omeletes de marisco! Porque eles pagam por tudo e mais alguma coisa, apesar de serem uma associação sem fins lucrativos. Pagam pelas actividades, pagam pelo espaço onde os miúdos fazem a colónia, pagam, pagam, pagam. E nem sempre o dinheiro que recebem, de doações, chega. Ou melhor, chegar chega mas é sempre à justa, é sempre na base do "ó tio, ó tio"... é sempre com o credo na boca. Lá se vão candidatando a apoios, ganham alguns, perdem outros, e assim vai a vida, com muita prece ao senhor dos aflitos.

Desta vez, o Camp Abilities está a concorrer a uma bolsa da Gulbenkian. Se ganhasse, ia conseguir respirar por uns tempos. E eles já mereciam ter um balão de oxigénio!

É por isso que peço a vossa ajuda. Porque só 5 projectos passam. E ganham os que tiverem mais votos do público. E eu gostava mesmo de contar convosco. Se concordarem que se trata de uma iniciativa interessante, válida, transformadora... se concordarem que eles merecem... vamos lá dar um empurrão valente! 

MUITO IMPORTANTE: HÁ DUAS PERGUNTAS CUJAS RESPOSTAS DÃO MAIS PONTOS. AS RESPOSTAS SÃO:

- 36.695

- RESILIÊNCIA

Para votarem... é AQUI.

Muito, muito obrigada. 

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Histórias da Quarentena#1

FRANCISCO, 13 ANOS: LUTOU COMO GENTE GRANDE CONTRA O "VÍRUS DOS IDOSOS"

Nem só pessoas com mais de 65 anos correm risco de vida com o Covid-19.

O caso de Francisco é raro, mas aconteceu

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Francisco nunca poderá dizer que a Covid não é para meninos. Aos 13 anos, o filho de Madalena e de Tiago aprendeu da pior maneira possível que o vírus de que toda a gente fala não ataca apenas os mais velhos. A ele, atacou-o e não foi pouco. Durante algumas semanas, lutaram ambos forte e feio. Francisco esteve quase a perder o confronto, mas fica já aqui o spoiler alert: esta história acaba bem (para o Francisco).

Tudo começou com a mãe. Sintomas de gripe, perda de olfato e de paladar, febre, dores de cabeça violentas, cansaço. Ligou para o SNS, começou a ser monitotizada à distância. Como não acharam necessário fazer teste, Madalena decidiu fazer, num laboratório privado. A 16 de Março recebeu o seu Positivo. Não estava propriamente assustada, talvez um pouco apreensiva ao início mas, com o passar dos dias, sentiu que a doença não evoluiu e relaxou. Ainda assim, isolou-se em casa. O marido, que trabalha no Luxemburgo, veio para tomar conta do Francisco e da irmã, Leonor, de 8 anos.

Um mês depois, precisamente a 16 de Abril, Madalena fez o segundo teste, que deu negativo. E a 18 de Abril, outro. Negativo também. E pronto. Assim teria terminado esta história, com uma passagem do vírus que parou o mundo pela casa desta família de forma fugaz. Mas não foi assim que aconteceu. A 21 de Abril, uma terça-feira, o Francisco começou com febre. "Não era muito alta, ficava ali nos 38,4ºC, mas demorava a baixar com o Benuron e voltava a subir pouco depois." No dia seguinte, a febre continuou a subir, mas baixava com os antipiréticos. Nessa noite, de quarta para quinta-feira, Francisco começou a bater o dente e a febre chegou aos 38,7ºC. Quinta-feira de manhã (23 Abril), foram com ele para o Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa. 

Fez raio X, fizeram o teste à Covid, tiraram sangue para análise. Tiveram de esperar muito tempo pelo resultado das análises e, ao final do dia, o Francisco estava claramente a piorar. Vomitou no chão da urgência, a febre a escalar. Os valores das análises estavam completamente alterados e, apesar de o Raio-X não apontar nada de especial (nem a TAC que fez depois disso), decidiram interná-lo na Infecciologia. "Eles estavam muito bem equipados. Havia uma antecâmara com baixa pressão, o protocolo estava muito bem pensado, de modo a minimizar a entrada dos profissionais de saúde no quarto. Borrifavam o espaço todo com desinfectante que ficava a actuar por várias horas... achei mesmo que havia medidas de segurança muito bem definidas e estruturadas."

As manchas que Francisco tinha desenvolvido nos pulsos, que se achava poderem ser uma espécie de alergia às luvas de latex que ele tinha quando chegou ao hospital, espalharam-se pelo corpo e já não eram bem manchas. Eram como picadas de agulhas e estavam sobretudo nas pernas. Madalena reparou que a equipa andava à volta dele sem saber muito bem o que fazer, mas ela ainda não sentia medo. "Ainda estava bem longe de imaginar o cenário que estava para vir."

No dia 24 de Abril, fizeram mais análises, um electrocardiograma. Não disseram muito sobre as análises mas o exame ao coração estava bem. Francisco parecia estável. Mas no dia 25 de Abril (sábado) tudo desmoronou. "Achei-o murcho quando acordou. Fizeram novas análises, mais um electrocardiograma, e foi aí que algo virou. A médica pôs o resultado do electrocardiograma no vidro para a cardiologista ver, e a cardiologista pediu para falar com ela, pelo intercomunicador. A médica saiu e vi-as agitadas do outro lado. A tensão arterial do Francisco estava a baixar, as picadas estavam a alastrar para as costas e já eram manchas. E à tarde foi o descalabro. Fizeram uma Angio-TAC, algaliaram-no, e a médica anunciou que iam pô-lo nos cuidados intensivos. Só via a médica da Infecciologia e a dos Cuidados Intensivos a apressarem as coisas, tudo numa grande correria, e foi aí que eu 'paniquei'. Fui para a casa de banho chorar, para ele não me ver assim. Ele estava consciente, apesar de hoje dizer que não se lembra de nada. Acho que já estava num limbo, mais para lá do que para cá."

A certa altura, o estado geral do Francisco era tão grave que a médica foi ter com a mãe e disse: "Vamos ter de o entubar e ventilar. Está a entrar em choque". Madalena só via médicos a correrem de um lado para o outro, desconcertados. "Estavam em contacto com Londres, ligaram para meio mundo, não estavam a conseguir estabilizá-lo, nem a perceber o que fazer. Depois percebi que todos os órgãos estavam a ser afectados: pulmões, coração, rins, pâncreas... A certa altura gritaram-me que tinha de sair, que tinha mesmo de sair. Fiquei uma hora e tal à espera, sozinha, no corredor. Sem fazer ideia se ele se ia salvar. Foi um pesadelo."

Por fim, vieram dizer-lhe que o filho estava a estabilizar, que as próximas 24, 48 horas seriam decisivas, e puseram Madalena à vontade para dormir no hospital ou ir para casa. "Ele estava sedado, entubado, e eu precisava muito de abraçar o meu marido e de chorar. Fui para casa, rezar muito, chorar mais ainda. Sempre em contacto com a directora de Infecciologia, Drª Maria João Brito, que me ia dando todas as notícias."

Quando a equipa decidiu tentar a Hidroxicloroquina, foi preciso que os pais dessem consentimento. Havia riscos mas era uma hipótese a explorar. Os pais aceitaram. Francisco levou o cocktail completo: três tipos diferentes de antibiótico, corticóides, hidroxicloroquina, e possivelmente outros que a mãe desconheça. "A alta dele tem 8 páginas. Ele desenvolveu uma pancreatite, uma miocardite, uma pneumonia bilateral, uma falência renal... esteve mesmo com todos os órgãos em risco. O dia 25 de Abril, que é um dia de Liberdade, para mim passou a ser um dia negro na minha história, na minha vida."

Francisco esteve 5 dias entubado e ventilado. Ao quarto dia, acordaram-no e mantiveram uma semi-ventilação para perceber se, no dia seguinte, seria possível retirar-lhe a ventilação (e foi possível). Esteve 8 dias nos cuidados intensivos. "E, no domingo, 3 de Maio, Dia da Mãe, saiu dos Cuidados Intensivos. Foi o melhor presente que podia ter tido!" Ainda ficou até dia 12 de Maio internado, na enfermaria, onde fez incontáveis exames. Perdeu 10 quilos e ainda tem algumas sequelas no coração, mas espera-se que sejam reversíveis. Cansa-se muito e está a fazer reabilitação física, na Estefânia e no privado, para recuperar a massa muscular perdida. Continua a ser seguido de perto pela Drª Maria João Brito, da Estefânia, e enviado para diferentes especialidades, no sentido de verificar se todos os órgãos afectados recuperam bem e sem mais sustos. 

O que aconteceu ao Francisco é raro. Muito raro. Há, no mundo inteiro, cerca de 230 registos de casos semelhantes. Ele é o único caso em Portugal. No fundo, é como se o corpo começasse a agredir-se a si próprio, na tentativa de eliminar o vírus. Ou seja, não foi a Covid-19 que fez todos estes estragos (de resto, deu sempre negativo nas análises que fez ao vírus enquanto esteve na Estefânia, muito provavelmente porque já não o teria, nessa altura), mas o organismo a tentar combatê-lo. Ainda assim, o Francisco nunca poderá dizer que a Covid não é para meninos. Ele tem 13 anos e viu-se grego com o vírus que, supostamente, tem os idosos como alvo. 

 

*Histórias da quarentena é uma nova rubrica do blogue, onde se vão contar histórias boas, más, incríveis, bonitas, feias sobre este período único que vivemos. Se tiverem histórias que creiam que valem a pena contar, enviem para sonia.morais.santos@gmail.com

Este é um post sobre vaidade. Mas também é sobre esforço e recompensa (e assim fica mais perdoável)

No Instagram, que é lugar mais de fotos do que de palavras, tenho feito alguns (pequenos) exercícios de vaidade. Não é coisa de que me orgulhe lá muito, esta vaidadezinha de me sentir bem comigo e de partilhar fotografias que fazem com que as pessoas, simpaticamente, teçam elogios que me fazem sentir ainda melhor. Mas sou humana. E se antes me escondia muitas vezes atrás das palavras, ou de outras fotografias, ou de imagens só de rosto (nunca me senti mal com a minha cara), agora que o meu corpo já não é um estorvo, também compreendo (e perdoo) que me sinta com vontade de o mostrar (com conta, peso e medida, vá).

Tal como disse no Instagram, continuo a achar que o recheio conta mais do que o invólucro (e por isso cuidei do recheio antes de cuidar do invólucro), mas a verdade é que se a embalagem não tivesse importância, as marcas de bons produtos não gastavam balúrdios a torná-las bonitas (bastava-lhes terem bons produtos). 

Tenho de agradecer - de novo (e sempre) - à Up Clinic e ao Dr. Tiago Baptista Fernandes pelo excelente trabalhinho que aqui fizeram (e que paguei, mas não há nada na lei que nos impeça de elogiar aquilo por que pagamos 😅). Para quem chegou agora e não sabe de que trabalho estou a falar, trata-se de uma abdominoplastia. Sempre lutei contra quilos a mais mas, mesmo quando estava mais magra e a treinar como uma doida para maratonas, sempre tive uma barriga que não me largava. Às vezes nem me apetecia cuidar de mim porque por mais que fizesse, aquela bola dependurada não saía nem por nada. Quatro cesarianas não ajudaram e havia ali um excesso de pele que só podia ser corrigido com corte e costura. Os músculos estavam afastados e voltaram a estar juntos (foram reposicionados na cirurgia) e, de repente, tudo fez sentido. Depois, foi preciso comer com juízo (vai ser preciso fazê-lo a vida toda) e fazer exercício (idem) para que tudo ficasse a condizer. 

Agora vem o mais difícil: manter. Uma pessoa que gosta de comer e que tem um metabolismo lerdo sabe que isto é um full-time job. Todos nós já vimos (no meu caso bastou mesmo ver-me a mim própria) casos de emagrecimentos espectaculares que desembocaram em engordas igualmente impressionantes. Para muitas pessoas pode não ter importância nenhuma, pode até ter-se revelado libertador deixar de lado a pressão do corpo. Para mim não. Nunca foi e sei que nunca será, mesmo quando for velhota hei-de querer ser mais magra que gorda, aposto. Ainda que isso signifique não enfardar tudo o que me apeteça. Porque, já se sabe, temos sempre de fazer escolhas: se gastar a massa toda em roupa, não vou poder viajar. Se comprar uma casa nova, não vou poder ir jantar fora tantas vezes. O mesmo com a comida: se comer tudo o que me apetece, não vou poder sentir-me bem com o meu corpo. São opções. Infelizmente, não podemos ter tudo (excepto aquelas mulas que podem aspirar tudo o que lhes passa pela cabeça e mantêm o corpinho impecável - odeio-vos). A verdade é que seria agora uma tristeza se escangalhasse tudo. 

Bom, prometo não vos aborrecer muito com esta vaidadezinha que até vos pode parecer fútil mas que, por vir de um problema tão mais denso, acaba por ser mais profunda do que parece. Tenham lá alguma paciência que isto ainda é tudo muito novo para mim (e requereu - e requer - uma boa dose de esforço e sacrifício).

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Movimentos bonitos mas que... (sobre o blackouttuesday)

De quando em vez surgem uns movimentos no Instagram (e não só) e eu tendo a oscilar naquilo que sinto. De resto, é uma cena bastante comum em mim: raramente tenho uma posição extremada sobre as coisas (tirando naquilo que é, obviamente, tão claro que no toca a valores que não têm qualquer oscilação possível), e consigo ver vantagens num e noutro lado, bem como desvantagens. Repito: tirando em princípios básicos de Humanidade, como é evidente.

Bom, hoje instituiu-se que seria a Blacktuesday, e todo o mundo postou no Instagram uma imagem negra, em homenagem a George Floyd e contra o racismo. Eu própria não escapei à febre, porque - lá está - considero de louvar tudo o que possa chamar a atenção para algo tão hediondo (e inacreditável) como odiar alguém pela cor da sua pele. Mas, e nos outros dias? Quantas daquelas pessoas que hoje publicam imagens e entram neste movimento colectivo quase como que levadas pela onda são efectivamente anti-racismo? Espero que sejam muitas, espero que todas, mas infelizmente sei que não. Algumas colapsariam se o seu filho ou filha namorasse com uma pessoa negra. Se viesse de um bairro pouco instagramável então... seria uma tragédia grega. Daí que fique sempre neste limbo. Por um lado acho o movimento bonito, comovente até, toda uma cor preta a dominar o Instagram, geralmente tão dado à cor (ou aos tons pastel e pêssego, muito in). Mas será só uma febre de terça? E na quarta? E na sexta? E quando no futebol se ouve "filho da puta do preto!" ou no trânsito ou... em todo o lado, todos os dias, nos mais pequenos gestos? Espero que esta solidariedade e este sentido de missão se prolongue para os outros dias, meses, anos. Só com essa esperança entrei na onda. Que ela se torne um enorme e infinito tsunami de união, é só o que desejo.

Voltei

Não tenho cá vindo, nestes tempos estranhos. 

Podia ter acontecido ao contrário: ler mais, escrever mais, ter outro tempo, outra disponibilidade. Mas não. Com seis pessoas em casa o tempo tem sido gerido de outra forma. Por vezes com caos, outras vezes com vagar, num desequilíbrio que, para ser franca, tem sido melhor que pior. 

Hoje o Ricardo voltou ao trabalho no próprio trabalho (uma vez que nunca deixou de estar ligado, em teletrabalho). Podia estar contente, podia estar com ele pelos cabelos, podia estar aqui agarrada a uma garrafa de qualquer coisa, a festejar. Mas não. Damo-nos mesmo bem quando estamos juntos. Algumas vezes embirramos, claro, mas agora sinto que me falta um bocado. Há dois meses e meio que estamos juntos 24 horas por dia e agora é como se me faltasse um braço, ou coisa assim. Já há muitos anos que sonhamos criar uma empresa em que pudéssemos trabalhar juntos, e esta foi a ocasião para comprovarmos aquilo que já calculávamos: não nos daríamos mal. Agora só falta inventar um negócio. Ou isso ou a empresa dele concluir que bom mesmo é o teletrabalho. 

De todo o modo, estou de volta. À escrita, às entrevistas, às histórias. Em breve trarei novidades.

Até já.