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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

E como é que vai o Prince in NY?

Feliz. Mesmo feliz. Encantado. O curso de inglês que está a fazer na EF (Education First) é exigente e intenso, tem várias horas de aulas por dia e está instalado no próprio Campus, que é um luxo. São 25 hectares que incluem jardins e floresta. Há quartos individuais, duplos e depois de 3 ou 4 pessoas. Ficou num desses, claro, não só porque é mais barato como porque também promove a relação com outras pessoas (enfim, foi mesmo por ser mais barato, mas faz de conta 😂). Ele diz que teve algum azar com os "roomies" porque são "mesmo muito desarrumados" (karma is a bitch) mas não se importa porque só vai ao quarto mesmo para dormir. 

Diz que as salas do campus são muitíssimo bem equipadas, "com todos os materiais possíveis e imaginários, tudo topo de gama", e que também as salas de convívio e os halls de passagem são incríveis. "O interior dos 13 enormes edifícios que compõem o campus é muito clássico, mas sempre decorados com um toque moderno, o que é super friendly para o seu propósito: conviver. Há ainda a sala do silêncio, com dois andares, onde os alunos podem estudar completamente concentrados. Um mini-hospital, para alguma urgência que possa ocorrer, 5 auditórios, um campo de futebol, uma piscina, um ginásio, uma sala de jogos (ténis de mesa, snooker, jogos de tabuleiro, etc.) e uma sala de computadores. Espero não me estar a esquecer de nada, porque é tudo tão grande e espantoso que fica difícil não ficar um bocadinho esmagado, sobretudo se compararmos com a nossa realidade."

No primeiro dia, fez testes de avaliação para saber em que nível estava. Existem 6 níveis diferentes (e mais uns quantos sub-níveis). "Os professores são todos espectaculares. Exigentes mas atenciosos. A minha primeira professora era impecável mas, uma semana depois subi de sub-nível e o professor seguinte não lhe ficava nada atrás. Temos nas aulas sempre computadores e iPads ao dispir e as aulas funcionam de forma a que os estudantes tenham de participar. Ninguém é obrigado mas, como todos o fazem, sentimo-nos à parte se não o fizermos, e isso puxa pela progressão do inglês."

Além de tudo isto... o campus está a cerca de 40 minutos de comboio de Manhattan. Podem imaginar que chatinha tem sido a vida desta alma, certo? 😎

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Ah! Este sábado, dia 29, vai haver uma Feira na EF de Lisboa sobre os cursos disponíveis. Como tenho recebido imensas perguntas sobre este e outros cursos, achei que vos podia interessar:

Dia 29 de Fevereiro, das 11h às 18h, na Escola EF em Lisboa e das 14:30 às 18h no escritório EF no Porto

Acho que é preciso inscrição. 21 317 34 70 (Lisboa) / 22 145 03 70 (Porto) ou em  www.ef.edu.pt/effair

 

 

Querem um livro para rir do princípio ao fim? Ei-lo

Os últimos tempos têm sido conturbados de várias formas e, por isso, por muito que me tenha genuinamente querido entregar à leitura do clássico de Victor Hugo, Os Miseráveis, tive mesmo de deixar a leitura para o mês que vem. 2020 arrancou com o meu filho mais velho a partir para São Tomé onde viveu um mês, a voltar uma semana e a tornar a partir para Nova Iorque (onde vai permanecer outro mês), mas também com sessões de quimioterapia de alguém muito próximo, e ainda com a minha própria cirurgia que, não sendo motivada por doença (se bem que aquela barriga pendurada a que chamava de medusa mais parecia uma doença), foi algo que andou a dominar grande parte dos meus pensamentos (para quem ainda não sabe, fiz uma abdominoplastia há uma semana).

Em Janeiro consegui ler dois livros do João Tordo mas entretanto cruzou-se no meu caminho um livro sobre parentalidade. Recebo pelo menos um por mês sobre este tema. Como tenho grande respeito pelos livros (e sou uma acumuladora em potencial), meto-os na prateleira, mas não os leio. Não é por mal. Mas, caraças, levo 18 anos de maternidade e vi multiplicarem-se livros sobre parentalidade como cogumelos. Alguns deles, cogumelos venenosos, com as suas teorias culpabilizantes para os pais, com as suas obsessões insuportáveis sobre "como criar o ser humano mais perfeito à face da terra", com as suas merdinhas para as quais não tenho a mínima paciência.

Vejamos: eu admiro o esforço que existiu no sentido de se compreender a criança e as suas necessidades. Antes, os miúdos eram uma espécie de coisa sem sentimentos que se deixava crescer sem levar em linha de conta o pensamento e as emoções, resultando daí muito adulto traumatizado com o que foi ouvindo, sentindo e experimentando. Não sou do Paleolítico e sei muito bem que houve estudiosos que fizeram um excelente trabalho para ajudar pais em apuros com essa mui nobre missão de criar um ser humano. Mas... (tinha de vir um "mas") é importante saber separar o trigo do joio e a verdade é que a maioria dos livros não passa de balelas, umas pertencentes ao puro senso-comum, outras verdadeiros atentados à educação de crianças (a menos que queiramos criar déspotas intragáveis que pegarão na metralhadora mais próxima sempre que alguém lhes atirar com um "não").

Bom, mas este livro de parentalidade que me chegou cá a casa chamou-me a atenção por ser diferente dos outros.  A começar pelo título: "Como Não Estragar Completamente Os Filhos -  Manuel para Pais que não acreditam em manuais para pais" (Editora ASA). Ok, James Breakwell... ganhaste a minha atenção.

Seguiram-se dias de puro prazer e diversão. Cheguei a gargalhar alto numa sala de quimioterapia, o que, não sendo proibido nem sequer eticamente incorrecto, parece sempre despropositado e até desconfortável. Nessas alturas, optei por ler à pessoa que acompanho os excertos causadores do espalhafato, de forma bem audível, não só para justificar a minha boa disposição numa sala onde ela não abunda, mas também para levar um pouco de humor aos que, ali por perto, pudessem usufruir dele.

O autor, pai de quatro filhas, oferece-nos então esta espécie de guia para a parentalidade pelo menor esforço. Diz ele (e eu tendo - tanto! - a concordar) que o mundo dos pais se divide entre os que são super-esforçados por acreditarem estar em vias de formar criaturas praticamente aladas, de tão perfeitas, e os outros, os que rapidamente se apercebem que isto mais coisa menos coisa vai dar ao mesmo e, por isso, mais vale não nos cansarmos em demasia. Chorei a rir com tantas passagens e identifiquei-me tanto, que senti uma rara vontade de lhe escrever um email a agradecer: "Caro James, este livro podia ter sido escrito por mim. Pena não ter sido, que deve estar a vender como pãezinhos quentes e dava-me um jeitão receber o dinheiro dos direitos de autor."

Há partes hilariantes como aquela em que o autor explica que, enquanto os filhos são bebés, nada do que façamos pode fazer assim TAAAAAANTA diferença no adulto que eles venham a ser. Ok, a mama é melhor do que o biberão. Mas quando um bebé amamentado se transforma num adulto bem sucedido é muito pouco provável que traga esse assunto à baila: "O que é estranho é que nenhum cientista numa cerimónia de entrega de prémios jamais agradeceu à mãe por o ter amamentado. Ou por ter usado leite artificial. Ou pelo que quer que ela tenha feito antes de o cientista ter idade para se lembrar, porque, bom, porque não se lembra. Inúmeros fatores contribuíram para conduzir aquele cientista àquele palco, mas nenhum deles pode ser relacionado com as decisões aparentemente de vida ou de morte com que os pais de bebés se torturam todos os dias. Por maior que seja o seu erro, uma decisão de parentalidade errada não transforma um potencial académico num vagabundo que conversa com gatos." Tão isto, meus amigos. Tão isto!

Quando vejo os pais em transe sem saber se escolhem o carrinho A ou B, se optam pela papa X ou Z, atormentados com a cama, com a mama, com as fraldas, com a música para adormecer, com os brinquedos mais didáticos... tenho vontade de rir. É óbvio que também já terei feito figurinhas semelhantes aquando do primeiro filho (poucas, juro, sempre tendi para uma enorme descontracção), é certo que os pais só querem mesmo falhar o menos possível mas... calma, minha gente. Muita calma nessa hora.

James Breakwell continua a descrever todo o seu plano maquiavélico para lidar com a parentalidade pelo menor esforço, sem esquecer nenhum detalhe: das brincadeiras, aos "perigos" da televisão, dos vídeojogos e dos écrãs em geral (que ele desmonta de forma deliciosamente jocosa), ao excesso de actividades extra-curriculares ("Da próxima vez que não lhe apetecer ir a um recital, lembre-se de que nenhuma criança se inscreveu sozinha em aulas de piano. Foi você que causou a sua própria infelicidade. O karma faz-se sempe ouvir e, regra geral, é desafinado."), à paranóia (muito americana) do desporto ("Se a única forma que o seu filho tem de fazer amigos é o desporto, tem problemas maiores do que próximo jogo. A maioria das carreiras atléticas acaba quando termina o ensino secundário. O seu filho tem uma vida difícil pela frente se só consegue realcionar-se com outras pessoas a jogar à bola ou a correr. Do ponto de vista social, não está mais avançado do que um golden retriever. Ensine-o a sentar-se."), à escolha da escola, da universidade, aos amigos. 

Chorei a rir várias vezes e senti-me tão aliviada! Acho mesmo que este livro devia ser obrigatório. Entregue nas maternidades a cada puérpera e a cada recém-pai. Só saíam do hospital depois de o lerem, de o sublinharem e... de se rirem com ele. Se não se rissem e começassem a levantar o lábio enfurecido, prova provada de que estavam a ir pelo caminho dos pais super-esforçados... não tinham ordem de soltura para irem para casa.

Os miúdos de hoje são super-hiper-mega-ultra protegidos. Os pais dão em malucos para proporcionar a Suas Altezas todas as benesses que elas evidentemente merecem. Medo. Medo das gerações que estamos a criar. Medo do cansaço de tanta perfeição. Leiam. Leiam mesmo! Relaxem. Divirtam-se! Ser mãe e pai é a melhor das viagens. Escusa é de ser a travessia do Cabo das Tormentas.

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Fui (finalmente) à faca - Parte I

Os meus amigos e pessoas próximas sabem como há muito, muito tempo que não lido bem com o meu corpo. Ah, e tal, vivemos numa época em que proliferam os hashtags que prometem mulheres reais e libertadas das opressões sociais com o corpo e mais não sei o quê; é verdade que até já há manequins rechonchudas para combater a obsessão com os corpos magros; até há campanhas baseadas em "mulheres reais". Tudo certo. Mas isto é uma cena que vem de dentro. Que ou se sente ou não se sente. E se é verdade  que conheço muitas mulheres redondinhas que lidam perfeitamente com o seu corpo, vê-se que existe ali um match perfeito entre o corpo e a alma, e não anda para ali tudo à batatada, também não é menos verdade que conheço muita gente que tem verdadeiro ódio ao seu corpo. E depois há os que nada fazem para combater esse ódio e também há os que até fazem alguma coisa mas... nada parece ser suficiente.

Vamos lá ver: eu tendo a oscilar entre ser uma boa menina, evitar as batatas fritas e encher o prato de salada, fazer desporto à bruta (esta é a boa menina), e depois esticar-me à grande para comezainas bem temperadas e ainda melhor regadas, sem mexer o rabo do sofá (esta é a má menina). Matem-me. Gosto de viver, gosto de comer, gosto de beber. A genética? Uma trampa: vai-me tudo para a barriga, de tal modo que costumo dizer que tenho corpo de aranha: pernas e braços magros e depois aquela maldita carcaça. 

As quatro cesarianas deram cabo do resto. Fiquei com uma espécie de medusa agarrada a mim, um bicho mole pendurado no meu baixo ventre, tão pendurado que é costume ser designado por "avental". Ora, este avental impedia-me, por exemplo, de usar calças com uma camisa por dentro. Tão simples como isto. Uma t-shirt por dentro, uma camisola fininha, nada. Já nem falo de vestidos justos (e mesmo os vestidos mais ou menos normais tinham sempre de levar uma cinta), já nem falo de biquíni, que abandonei há anos. 

Ora, claro que quando emagrecia muito, a medusa emagrecia comigo. Ficava mais pequena, sem dúvida. Mas... nunca por nunca me largava! No meu pico de forma, em que treinava uma média de três vezes por semana (cerca de 150km/200km por mês), quando me estava a preparar para a minha primeira maratona, a minha medusa reduziu. Porém... manteve-se sempre por perto. E eu continuei sem usar uma camisa por dentro das calças. E a embrulhar-me na toalha quando saía do mar. E a cruzar os braços em frente ao corpo quando era convidada para falar em público ou na televisão. E a vestir o roupeiro inteiro antes de sair de casa e - tantas vezes - sentir que nada, mas mesmo nada iria conseguir disfarçar aquilo que ali tinha e que, pertencendo-me, não me pertencia. Tudo isto apesar de comer e treinar como uma atleta de alta competição (acreditem, já fui uma, e aquilo que fiz para essa maratona aproximou-se muito desse tipo de preparação). E, sim, muitas vezes acho que desmotivei de treinar porque... se a medusa não me abandonava nem com aquele esforço todo, para quê continuar? Não sou uma Patrocínio, intrinsecamente apaixonada por exercício, e por isso, sim, acho que muito do abandono de uma vida mais activa teve que ver com esta coisa que nunca me largou.

Durante muito tempo, adiei a cirurgia por causa dos filhos. Queríamos ter um quarto filho, esperámos que ele viesse, demorou a vir, lá veio. E, como somos malucos, demos por nós a pensar como seria giro se viesse um quinto filho. O desejo não era o mesmo que tínhamos sentido para o quarto, é verdade. O Mateus parecia uma peça do puzzle que nos faltava e, quando chegou, sentimos que o puzzle estava pronto. Mas, passado algum tempo, achámos que podia ser giro fazer um upgrade ao puzzle, e deixámos passar o tempo, a ver se acontecia ou não. Não aconteceu. 

Trabalhar o tema "fim dos filhos" na minha cabeça, na nossa cabeça, não foi fácil. Se é um facto que nos sentimos preenchidos com esta família querida e numerosa que temos, também custava muito pensar "acabou-se, nunca mais vamos ter aquela explosão de felicidade ao sentir o nosso recém-nascido nos braços". Tudo isto careceu de tempo. De reflexão. De muita conversa. Interior e com o homem que escolhi e que me escolheu.

Trabalhar o medo de morrer foi o passo seguinte. Sou hipocondríaca e, além do mais, fui jornalista muitos anos e encontrei, pela minha profissão, casos terríveis. Fiz inclusivamente uma reportagem no Diário de Notícias sobre pequenas (e supostamente insignificantes) cirurgias que correram mal. Assim, não fica mais fácil. 

Bom, por ser hipocondríaca, por gostar muito de viver e da minha vida, e por ser talvez excessivamente informada foi essencial saber o máximo sobre o médico certo a escolher. E demorei. Li muito. Ouvi testemunhos. Pesquisei. Fui a uma consulta na Up Clinic, que já seguia via Instagram, e achava que tinha uma grande pinta. Acreditem: os olhos também comem. E entre entregarmo-nos a um médico que nos recebe num gabinete esconso e com humidade no tecto, e escolhermos um que nos recebe numa clínica linda de morrer, para onde podia perfeitamente mudar-me no dia seguinte, com marido, filhos e mobília (parece mesmo uma das Casas onde a Cocó Não Se Importava de Morar), é muito mais provável que optemos pela segunda opção.

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Tinha amigas que já tinham sido operadas pelo Dr. Tiago Baptista Fernandes e quis lá ir conhecê-lo. Interessava-me perceber se, além de bom médico (que tinha várias fontes a confirmar que era), também era um bom ser humano. Na consulta não deu propriamente para lhe tirar a ficha de personalidade e avaliar as ondas electromagnéticas da bondade, mas pelo menos era simpático e acessível e descomplicado (e giro, vá, não que isso interesse muito, até porque na maior parte do tempo da nossa relação, um de nós está a dormir). Falámos de preços e não é barato. Mas se fosse barato eu desconfiava. Afinal, estamos a falar de uma cirurgia de 6 horas e meia, em que há uma série de gente envolvida, e em que um médico especialista abre uma barriga, aspira gordices, cose abdominais que estão de costas voltadas há anos, distantes e zangados, remove pele em excesso, e ainda reduz maminhas... malta, não há milagres. O total ficava em cerca de 14 mil euros. Tive uma atenção porque estou a trabalhar com a clínica, como em breve poderão ver, mas paguei - eu sei que isto é uma coisa que causa muita comichão a muita gente, o facto de "nós" nunca pagarmos nada. Descansem, pois, neste caso.

Marquei a data. Nem quis acreditar quando marquei a data. Passei o verão a falar disso, a pensar nisso. A temer, a querer, a pensar de novo. Decidi que, além da abdominoplastia iria fazer também uma redução mamária. Bem sei que anda meio mundo a pô-las e eu a querer tirar, que raio de vida que nunca ninguém está contente. Mas lembro-me de ser adolescente e enfaixar as mamas para disfarçar o tamanho, e nunca comprei outro soutien que não fosse redutor. Não tenho assim um exagero mas nunca gostei delas grandes.  E já que ia estar anestesiada... então que reparássemos também aqui algo que nunca apreciei em mim.

Só que a vida é assim mesmo, uma caixinha de surpresas, e entretanto veio um cancro em alguém muito próximo. E a primeira data que tinha ficado marcada, para 13 de Janeiro, teve de ser adiada porque essa pessoa tinha uma sessão de quimioterapia no dia 16 e eu queria lá estar. E, manifestamente, em três dias não iria estar em condições para acompanhar a minha pessoa na químio. Por isso, e porque avisei com a devida antecedência, adiámos para dia 18 de Fevereiro. Fiz imensos exames para que o médico tivesse a certeza de que estava tudo bem para ser operada: mamografia, ecografia mamária, análises, electrocardiograma, ecografia abdominal, raio x ao tórax, pulmões e coração, raio x à coluna. Ainda tive mais uma consulta com o Dr. Tiago, porque já tinha passado bastante tempo desde a primeira e basicamente queria ir lá dizer-lhe que tinha medo. Ele riu-se mas não desvalorizou. Quem é que não tem um bocadinho de medo de ir para um bloco operatório? Mas transmitiu segurança, explicou que faz disto com a mesma regularidade com que eu... limpo rabos a filhos, mais coisa menos coisa. Depois... depois foi preparar tudo para que os dias em que estivesse off fossem o menos difíceis possível. Combinei com a minha mãe que ela levaria os miúdos à escola no dia da cirurgia e nos dias seguintes e pronto. Estava mesmo a acontecer.

Na véspera... novo revés. Se fosse acreditar em sinais do universo, em calhando tinha desistido. A minha mãe adoeceu e fiquei ali num impasse, sem saber o que fazer. Liguei ao meu pai mas, de repente, a meio do telefonema, percebi o quão absurdo tudo aquilo era: ele teria de vestir o Mateus, teria de dar o pequeno-almoço ao Mateus e à Mada, teria de levar ambos a duas escolas diferentes. Não é que não desse para fazer, mas tudo combinado com apenas horas de antecedência ia ser o caos. Comecei a panicar e, quando desliguei, lavada em lágrimas (estava emocional, nervosíssima e sou naturalmente dada a chorar), disse ao Ricardo: "Prefiro que fiques com os miúdos e trates tu de tudo do que estar eu lá, à beira de entrar para o bloco, em transe com o que se estará a passar em casa". 

E assim foi. No dia 18, terça-feira, apanhei um Uber para o Hospital St Louis, no Bairro Alto. Ia eu, a minha mochila, e o meu enorme, enormíssimo pavor. Entrei para o quarto, deram-me a bata azul para vestir, umas meias de compressão, uma touca verde. Daí a pouco entrou o Dr. Tiago. Parecia que era dia de festa! Todo ele animação! Vinha fazer os desenhos no meu corpo, como se fosse um alfaiate a desenhar o tecido que iria cortar por medida, ou um escultor perante a matéria-prima a que vai dar forma. Os olhos, o sorriso, a felicidade em cada risco, em cada traço, é algo que não vou esquecer. É algo que só acontece quando realmente se ama o que se faz.

Ele saiu, despediu-se com um "até já!" e a seguir vieram buscar-me. Quando entrei no bloco, fiquei a ver aquela gente toda à minha volta e o pavor transformou-se em pânico. O que é que estou aqui a fazer? E se eu morro? E se eu ficar com a minha barriga em avental, porra, qual é o mal? Lágrimas, lágrimas, lágrimas. O anestesista, que era uma simpatia, olhou para mim e disse que já ia dar-me uma coisa que me ia acalmar. Acordei 6 horas e meia depois (ou sete, não sei bem). 

 

(to be continued...)

Um jantar de super estrelas

Se eu tivesse dinheiro assim a ponto de não precisar de fazer contas à vida, sempre que fizesse um jantar cá em casa (e faço bastantes) não pensava duas vezes: contratava SEMPRE a Supper Stars. Pela minha saudinha. Cá agora cozinhar, levantar a mesa, arrumar a cozinha?! Muito bonito, sim senhor, já fiz centenas de vezes, está bom. Agora passavam a ser sempre eles que tratavam do assunto - e tão bem que tratam!

É a terceira vez que os contratamos e é sempre tão espectacular que fica sempre aquela certeza de que outras virão. O que vem então a ser a Supper Stars? É uma empresa que leva as melhores experiências gastronómicas ao cenário mais exclusivo e intimista - a nossa casa! - tornando-o o melhor restaurante. Basta ir ao site, escolher o chef que se pretende (ou, se for indiferente, escolher o menu que agrada mais) e... já está. É facílimo de marcar. A Supper Stars, além de estar no país inteiro, já chegou a Espanha e ao Reino Unido, apresentando uma comunidade de 100 chefs profissionais. E não são uns chefs quaisquer: passaram por mais de 100 estrelas Michelin e em mais de 30 países! Ou seja: a marca oferece experiências gastronómicas únicas. Os menus oscilam de preço, sendo que o mais barato custa 35€ por pessoa (e acho que o mínimo são 6 pessoas).

Desta vez convidámos 5 amigos para virem jantar. Pedimos para tentarem vir sem crianças, mandámos os nossos três para casa da avó (juntamente com pizzas, para não dar trabalho), e quando os convivas chegaram tiveram a surpresa de constatar que, na cozinha, a chef Rita Lourenço e a sua ajudante preparavam o jantar. Começa logo por aí: pelo efeito surpresa. Mas é muito mais do que uma graçola a armar ao rico. É toda a experiência que está por detrás de se ter alguém a cozinhar por nós: permite estar apenas concentrado no convívio com os amigos, em vez de se andar a fazer piscinas entre a cozinha e a sala, correndo para os tachos para evitar que tudo se queime ou seque ou engrosse ou talhe ou engrosse ou verta ou qualquer outra catástrofe que arruine o repasto. É o contrário: estamos na sala, na amena cavaqueira, e alguém está a tratar de tudo por nós. 

Depois, é como num restaurante: a chef chega com os pratos, explica o que vamos comer, no final recolhe, e volta com o prato seguinte, e nós ali sentadinhos, sem nos levantarmos para levar a loiça para a máquina, ralhando com os convidados se tentam levantar-se para ajudar, ou permitindo que todos se levantem para levar pratos para a cozinha, numa filinha indiana transportadora de baixela emporcalhada. 

A chef Rita (que trabalhou mais de sete anos na Fortaleza do Guincho) veio duas horas antes (vêm sempre duas horas antes, talvez até haja menus ou número de convidados que obriguem a maior antecedência), trouxe os ingredientes, cozinhou, empratou, serviu, levantou, pôs na máquina, deixou a cozinha num brinco e saiu. Trouxe uma ajudante (pode acontecer) e foi simpática, querida, e preparou uma refeição extraordinária. Divertimo-nos muito, conversámos ainda mais (sem interrupções), degustámos e... é o que escrevia no início: por mim era sempre assim. Obrigada, chef Rita!

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Confusões linguísticas

Estava a passear com o Ricardo e a dizer-lhe o quão feliz e orgulhosa me sentia por estarmos a proporcionar estas experiências ao Manel: um mês na ilha do Príncipe, a fazer voluntariado, e um mês em Nova Iorque, a estudar inglês. Disse-lhe que adoraria poder proporcionar o mesmo aos outros, quando chegar a sua vez, bem como viagens em família, que é o melhor que se pode ter e oferecer. E, em jeito de conclusão, afirmei:

- O melhor que lhes podemos dar é isto: mundo. Amor e mundo.

Responde o Ricardo:

- Amor imundo?

(ah!, a língua portuguesa e a sua homofonia, por vezes hilariante...)

E lá foi ele outra vez

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Ora então, como expliquei há coisa de um mês, a ideia era transformar este ano em que o Manel não entrou na universidade num ano ganho, mais do que num ano perdido. Ok, foi pena não ter entrado, foi chato, houve ali momentos de grande tensão familiar mas... a verdade é que não vale de muito chorar sobre o leite derramado. E a verdade é que, se tudo correr bem, o rapaz é novo e tem a vida toda pela frente (olha, também se não tiver a vida toda pela frente, que se lixe a universidade 😂). Enfim, não quisemos nada enveredar pelo caminho auto-destrutivo (não é nada a nossa cena) ou de o enfiar numa faculdade privada qualquer (ele não queria nada essa cena), em vez de tentar que neste ano pudesse então acumular o maior número de experiências enriquecedoras possível e, simultaneamente, estudar para fazer melhorias de notas e voltar a tentar entrar este ano. Se não conseguir... bom, batatas. Gap Year é, como se pode constatar, uma expressão no singular e, como tal, é este e acabou-se. Poderá ter outro eventualmente depois de concluído o curso, sim senhor, até acho catita antes de malhar com os ossos no mercado de trabalho. Mas antes de entrar para a universidade... é um. Um aninho de tolerância. Chegados aos exames é bom que o rapaz tenha enfiado as matérias no cérebro, que isto não é a Santa Casa.

Adiante.

A experiência de um mês na ilha do Príncipe foi muito marcante. Fazer voluntariado é sempre uma revolução interior, fazer voluntariado num lugar onde falta tanta coisa é ainda mais avassalador. O Manel dormiu numa casa onde havia baratas a passarem-lhe por cima à noite, onde os ratos se passeavam no quarto, onde não havia sempre água (e nunca havia água quente), onde não havia sempre luz, conheceu crianças com vidas muito diferentes da sua, com muitas falhas de bens básicos, mas com uma alegria que, muitas vezes, lhe pareceu quase um enigma. O que cresceu emocionalmente, o que aprendeu em termos de realidade distinta da sua, o que se descentrou, olhando em redor, não está escrito, sobretudo não está escrito nos manuais da escola. Isso e todo o desenrascanço que teve de ter, não só no que diz respeito à viagem propriamente dita, como a gerir o dinheiro para o mês, como a lidar com outras pessoas, ou a definir o programa de voluntariado que foi, com outras colegas, alinhavar (porque foi a primeira vez que a associação Para Onde trabalhou no Príncipe).

Voltou há uma semana, matou saudades de família, amigos, água quente e outras "mordomias", e agora tornou a partir. Para... o extremo oposto, que isto cá em casa é assim: ah, não entraste na universidade? Então vais ser mergulhado em realidades antagónicas como se levasses chuveiradas de água quente e água fria, intercaladamente, que é para ver se abres a pestana. 😂

Mentira. A ideia foi dele, paga com o dinheiro que ganhou em aniversários e trabalhos temporários. Queria aproveitar a paragem para aperfeiçoar o inglês. Podia tê-lo feito por cá mas a ideia era, uma vez mais, juntar o útil ao agradável. Aprender e estar imerso num país onde se falasse a língua, que é, como se sabe, a melhor forma de aprender uma língua. Apresentou-me a EF - Education First (que eu já conhecia, mas só por alto) e falou-me dos vários amigos que tinham feito cursos em vários pontos do globo e tinham adorado. Vai daí e começou a organizar tudo, a fazer os contactos, a pensar nos destinos possíveis. E escolheu... Nova Iorque (chamem-lhe parvo). Fui com ele a uma reunião na EF (ok, tem 18 anos e vai pagar e tudo e tudo mas sou mãe dele e queria certificar-me de alguns pontos) e claro, como o mundo é pequeno, estava na reunião uma amiga de uma amiga e o rapaz acabou a beneficiar de uma espécie de parceria (sortes que advêm de ser filho de uma blogger, ainda que se chame Cocó). Seguiu-se a marcação dos voos com a TAP, a escolha da altura certa para ir (tinha de ser logo a seguir a regressar do Príncipe porque a seguir, lá está, tem de estudar para as melhorias de nota) e... lá foi. Como acabou de regressar da ilha do Príncipe temo-nos referido a ele como "Um Príncipe em Nova Iorque", uma alusão galhofeira ao filme com o mesmo nome. Vai ficar um mês inteirinho. A namorada foi com ele (faz o curso de duas semanas e depois regressa; ele faz o curso de 1 mês). Na EF podem estudar-se vários idiomas e há 54 locais à escolha no mundo. Não sabia nada disto mas informei-me no dia da reunião e no site, até porque ajudei na altura de escolher o destino. Um mês a viver em Nova Iorque pareceu-me lindamente. Pudesse eu recuar no tempo e fazia o mesmo. A ideia é, quando voltar, inscrever-se para fazer os exames de inglês que fazem a diferença em algumas universidades, sobretudo para aqueles cursos que são leccionados integralmente em inglês, que também estão na mira do rapaz.

E pronto. É isto. Depois de um mês a fazer actividades com idosos e crianças num ambiente completamente distinto daquele que é o seu, lá foi de novo para algo que é o extremo oposto. Acho que este ano vai mesmo valer por muitos. 

Conta-me #16

Estava com as minhas amigas. Tínhamos bebido e feito brindes e dito as parvoíces que dizemos quando estávamos juntas. Tínhamos rido muito. Lembro-me de ter comentado que me doía a barriga de tanto rir. E doía mesmo, não era uma daquelas coisas que se dizem. Elas faziam-me bem, as minhas amigas. Incomoda-me o facto de não ter sentido nada. Devia ter sentido, não é? Quer dizer, já li e vi documentários e filmes em que as mães sentem sempre alguma coisa. Naquele momento, como se houvesse alguma coisa dentro de nós que se apagasse, que se desfizesse, que implodisse para sempre. Mas não. Não senti nada, absolutamente nada, e estava feliz, estava mesmo tão feliz. Às vezes os encontros com estas minhas amigas corriam menos bem, fosse porque uma de nós desabafava sobre um tema mais sensível, fosse porque duas começavam a discutir e ficava um clima mais tenso no ar... sabe como são as mulheres. Sempre poderosamente intrincadas, como os manguezais. Penso sempre nos manguezais quando penso nas mulheres juntas - árvores fortes e com raízes complexas, que se embrulham umas nas outras para o melhor e para o pior. Pois, mas isto para dizer que nem sempre corriam bem, os nossos encontros, mas naquele dia foi mesmo bom, foi divertido, foi louco, foi puro. E não senti nada, só alegria e leveza. E durante muito tempo senti-me culpada por isso - como podia estar alegre e leve e a rir agarrada à barriga ao mesmo tempo que a minha vida estava a terminar? Será que foi no preciso instante em que bati com o meu copo no copo delas? Será que foi quando atirei a cabeça para trás com uma gargalhada mais forte? Como é que eu não senti, como? Como é que não tive uma dor, um calafrio, um pressentimento? Fartei-me de vasculhar a memória, depois, à procura desse momento que me pudesse ter passado despercebido. Mas não. Simplesmente não aconteceu. E durante muito tempo senti que era menos boa mãe por causa disso.

Quando o telefone tocou, atendi a rir. O meu "tô" ainda meio gargalhante, sem fazer ideia do que me aguardava do outro lado. E foi então que ouvi o meu nome, ou melhor, o nome pelo qual nós, as mães, respondemos também, muitas vezes ainda com mais alegria do que quando nos tratam mesmo pelo nosso nome. "É a mãe do Pedro?" Sou, balbuciei. Era. E depois não me recordo bem da frase, nem sequer das palavras, mas disseram "acidente", e disseram "hospital", e foi a passagem mais abrupta que possa imaginar de um estado para outro estado. Levantei-me, perdida, peguei nas coisas, nem sei o que disse às minhas amigas, sei que nos levantámos todas, nem sei quem pagou a conta, nem sei em que carro fui, não me lembro. Por acaso sei, porque entretanto já me contaram, porque entretanto já pus estas mesmas questões a quem lá estava comigo, e foi-me descrito passo por passo como tudo se passou, mas na altura não sei como fui, não sei o que disse, não sei o que fiz. Estava cega, estava surda, estava louca. Entrei pelo hospital como um animal, sabe? Parecia uma fera ferida. Muito mais tarde havia de me olhar no espelho da casa de banho  e... a minha figura, meu Deus! O rímel desenhado pela cara, o cabelo desgrenhado, os olhos inchados, o nariz. Toda eu deformada de dor. Desfeita por dentro e por fora. Não fazia ideia de que o sofrimento podia fazer-nos isto, não fazia ideia. Mas, claro, faz sentido. Quando nos desfazemos por dentro não é possível ficarmos intactos por fora. Não lavei a cara, não tentei apagar nada. Saí igual da casa de banho. Queria lá saber. 

Cheguei ao hospital, dizia, - nem me lembro de sair do carro, de fechar a porta, de entrar - e perguntei por ele, perguntei onde estaria, levaram-me, um médico apareceu e bastou o olhar dele para eu saber. Falou comigo mas não o ouvi, ou se o ouvi não sei, senti que as paredes se estreitavam, que o teto não parava de encolher, que as luzes rodopiavam, que tudo girava a alta velocidade, e eu encolhi-me no chão, fiz-me um novelo, fiquei do tamanho de uma criança pequena. Gritei, chamei-o pelo nome, Pedro, Pedro, Pedro. Senti que as entranhas se rasgavam, ou pelo menos desejava que se rasgassem, quis morrer ali, ali mesmo no chão frio daquele corredor com cheiro a éter. Em atropelo, pensamentos: como? Como é que vou viver depois disto, como? O meu Pedro, o meu filho, o meu único filho, como? Depois, como se tivesse despertado de um pesadelo terrífico, levantei-me e quis vê-lo, Quero vê-lo, Onde é que ele está? Onde? Pedro! Levaram-me ou cheguei sozinha ou não sei. O meu Pedro. Abracei aquele corpo que era meu, que saiu de mim, que era do mundo, beijei-lhe os cabelos, deitei-me ao seu lado, e odiei-me, a culpa era minha, eu não devia ter deixado, nunca devia tê-lo deixado comprar a mota, mesmo com o dinheiro dele, eu era a mãe, eu era a mãe e as mães não deixam, não podem deixar que os filhos morram, é obrigação das mães proteger os filhos do mal e eu não o fiz, eu deixei o meu filho correr perigo, eu deixei o meu filho morrer, eu deixei o meu filho ir. 

A minha vida terminou naquele dia. Não é exagero, não é recurso expressivo. Eu morri com ele, eu morri com o Pedro, apesar de estar aqui, apesar de me estar a ver, apesar de estar a falar consigo. Estou aqui mas não estou, é só o meu corpo que está, o meu corpo inútil porque me dói tanto que não me permite mais do que acordar, sobreviver, e dormir à razão de comprimidos. O resto, aquilo que tinha cá dentro, isso já não está. Acabou. Não há mãe que não morra quando um filho morre. Haverá talvez as que conseguem continuar a existir, mas o buraco dentro do peito é incomensurável, e toda a gente sabe que não é possível viver com um buraco imenso no peito. Sinto-me só mas não procuro companhia. Sinto saudades da minha vida mas não me esforço para a retomar. Sei que as pessoas se afastaram de mim mas não tento aproximar-me. Quero que me esqueçam, apesar de lastimar que me tenham esquecido. Compreendo-as. Eu represento aquilo que não querem ver, aquilo que não podem imaginar, aquilo que não suportam sequer supor. Eu sou a triste, a vazia, a morta. Ninguém quer conviver com uma morta. Nem eu quero conviver com esta morta que eu sou. Nem sequer eu. 

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(Conta-me é uma rubrica do blogue com contos inéditos escritos pela autora)

Um mês no Príncipe: o relato

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Pedi ao Manel para escrever sobre o mês que viveu na ilha do Príncipe (São Tomé) e aqui fica o seu testemunho:

"2020 não podia ter começado melhor. Passou exatamente 1 semana desde a minha experiência na Ilha do Príncipe e não há um único dia em que não pense naquelas pessoas e em tudo o que vivi. Ir foi a melhor coisa que fiz na vida. Não é verdade que sempre tenha sido um sonho fazer voluntariado internacional ou mesmo visitar países sub-desenvolvidos, mas de facto, depois de passar 1 mês naquela realidade, posso dizer com toda a tranquilidade que já sonho em voltar. Tudo aquilo que aqui vou descrever parece não passar de chavões e clichês, como em todos os testemunhos que li antes de viajar, mas é sem dúvida a mais pura verdade.

Adormecer debaixo de um teto de chapa, a ouvir cada gota de chuva a cair, cada barulho de cada rato e de cada barata dentro de cada pacote de bolachas não foi fácil. Não foi fácil acordar sem luz e sem água, ligar a lanterna do meu telémovel e sentir que tinha acabado de pisar um pequeno e estaladiço bicho. Lavar os dentes sem água ou tomar banho sem luz também foi complicado. Não foi fácil encontrar uma barata nos meus calções de pijama, já a chegar às minhas partes íntimas. Ter de fazer as necessidades básicas no meio da selva e limpar-me a uma folha de uma planta também não foi particularmente interessante. Acampar na praia foi facílimo, tirando a parte em que de certeza que ingeri, no mínimo, 10 insetos de diferente espécie.

Tudo isto foi o contrário de simples ou banal. Chorei nos primeiros momentos, na primeira semana, a mais apertada. As saudades eram muitas. Saudades da família, dos mais próximos e da zona de conforto. Nunca tinha saído tanto da minha bolha de segurança, nunca tinha aberto tanto os meus horizontes, e isso claro que mexeu comigo. Foram todos os episódios acima referidos que fizeram que no final gostasse tanto desta experiência. No momento foi super difícil, mas hoje consigo perceber que foram esses pequenos detalhes que fizeram a essência desta inesquecivel viagem.

Esses pormenores enriqueceram a minha pessoa, claro, mas foi também o voluntariado que me deu uma felicidade enorme. Na tal primeira semana mais apertada, eram as crianças que me faziam sorrir. Chegar à Santa Casa (o espaço onde estavámos a trabalhar) e ser recebido com um sorriso no rosto e um abraço forte, fez-me perceber o quão importante eu e as outras voluntárias estavámos a ser para eles e elas. Nunca pensei que só por jogarmos à bola, dominó, cartas, Mikado e lhes tentássemos passar alguns dos nossos (poucos) conhecimentos, pudéssemos ser tão significativos na vida daquelas crianças. Essa importância que nos foi atribuída obviamente que foi (e é) recíproca. Como disse no início deste testemunho, não existe um único dia em que não pense na Esmeralda, na Jassy, no Tiago ou na Páscoa. A naturalidade, bondade e ingenuidade como eles vêm as coisas foi marcante para todos nós.
Saímos com a promessa e o desejo de voltar a encontrar-nos com os pequenos São-Tomenses, mas também com os grandes. Os mais velhos, embora não tenham aderido tanto às atividades por nós propostas, conquistaram igualmente um lugar no coração de cada voluntário, sobretudo pelo interesse e abertura que mostraram em aprender. Achámos que íamos ouvir histórias dos 'velhotes' (ouvimos e foi maravilhosa essa partilha de experiências), mas eles queriam saber como era ser Português, viver nesta realidade tão oposta, e conhecer o mundo através de quem tem essa possibilidade. A maior parte (para não dizer todos) nunca saiu da Ilha, nunca viu mais nada. A vontade de os trazer connosco era e ainda é gigante.
Como devem calcular, tudo aqui descrito faz-me concluir que ir foi das melhores coisas que fiz na vida. Ainda está muito fresco este sentimento de felicidade e realização que trago comigo, e também ainda só tenho 18 anos, vivi pouco, mas tenho a certeza de que me vou recordar deste mês para toda a vida. Janeiro valeu todo o ano sábatico que estou a fazer. Claro que gostava de ter entrado o ano passado na faculdade, mas agora que olho para trás só penso que valeu mesmo a pena. Aconselho a toda a gente a visistar aquele pedaço mágico da Terra e a conhecer os Príncipes que eu tive a oportunidade de conhecer."

 

The Cave

Amanhã, sábado, às 22:30, passa no National Geographic "The Cave", um dos filmes nomeados para Óscar de Melhor Documentário.

"The Cave" mostra a luta de médicos e enfermeiros num hospital subterrâneo, durante o cerco de Goutha, na Síria.

Só para terem uma ideia do que há-de ser este documentário, dizer-vos que a equipa de produção continua a receber terapia (e o filme foi feito em 2016). 

Imperdível.

 

Óculos com lentes progressivas: que tal essa adaptação?

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Tem sido uma pergunta recorrente e é perfeitamente legítimo. Afinal, pedi conselho no Instagram sobre qual dos dois pares de óculos devia trazer para casa, contei a história de ter sido convencida pela optometrista da MultiOpticas a verificar se não estaria a ver mal ao perto (e eu em negação), descrevi o choque que foi quando constatei que, não só tinha piorado muito a minha miopia como se confirmava que parecia uma toupeira para ler coisas perto do nariz... e agora não dizia nada sobre a adaptação a esta nova condição de idosa ocular? Está mal.

A verdade é que foi canja. Juro. Na maior! Depois de me terem assustado com relatos de tonturas, enjoos, vómitos, confusão... já estava a ver a minha vida a andar para trás. Pensei que ia buscar os óculos e, passada uma semana, lá estaria eu batida a devolvê-los e a pedir lentes normais, mais um par de óculos para as lentes de pessoa que não vê um caracol ao perto. Mas afinal, nada disso. Foi como se sempre os tivesse usado. Não me fez qualquer confusão. Pronto, claro que se fizer aquele movimento brusco de estar a olhar em frente (para o longe) e olhar para o chão de repente, claro que há alguma estranheza. É assim um bocadinho como estar com os copos. Mas talvez por levar algum hábito nessa sensação, não me senti particularmente estranha nesta (Ah ah ah). Além de que é mais barato. Sempre que tiver saudades daquele grãozinho na asa, aquela tonturazinha de quem já bebeu mais do que a conta... é só olhar para a frente e depois para baixo, com os óculos postos e já está. Perfeito!

Agora a sério: não sei como será convosco, é óbvio que para haver relatos de mal-estar é porque nem toda a gente se dá bem com lentes progressivas. Mas também acho importante haver bons relatos, porque senão ninguém se mete nisto, e a verdade é que dá muito jeito ter o melhor de dois mundos no mesmo par de óculos.

Ah! E também fiquei a saber que existem lentes de contacto progressivas. Não fazia ideia. Deram-me um par para experimentar mas os meus olhos não gramaram lá muito. Quer dizer, adorei porque via tudo (até saí da loja a dizer que parecia que tinham lavado o mundo) mas ao fim de uns dias sentia uma espécie de areia nos olhos, sinal de que terei feito uma espécie de alergia. Agora terei de experimentar outra marca de progressivas, e vou mesmo experimentar até encontrar umas que não me incomodem as vistas, porque adorei o facto de, também nas lentes de contacto, ser possível ver ao longe e ao perto, tudo sem complicações.

Não é segredo nenhum que tenho uma parceria com a MultiOpticas, que os tenho no coração por apoiarem o meu projecto mais querido, que é o Clube de Leitura, mas isso não vos impede de acreditarem que sou fã da marca desde sempre, e ainda menos vos impede de experimentarem os serviços e constatarem que são mesmo bons: consultas grátis de optometria, descontos que valem mesmo a pena, imensas marcas à escolha, lojas por todo o país. Era, sou e serei cliente, haja ou não haja parcerias. 

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