Andar de mota e fazer surf eram as únicas coisas que queria da vida. Tinha 17 anos e os dias corriam leves e felizes. Para Ricardo Teixeira a praia só fazia sentido se fosse para aquele confronto com o mar, aquela dança solitária que o fazia sentir-se livre, temerário, vivo. Nunca o viam deitado na toalha ou em convívio com os amigos. Praia era surf, ponto final parágrafo. Para lá chegar, claro, ia de mota. E não devia andar devagar porque todos vaticinavam que ainda ia morrer num acidente. Ricardo ria-se, não ligava. Queria adrenalina, queria desafiar-se, tinha 17 anos e aos 17 anos não se pensa cá em morte.
Um dia, quando ia experimentar uma prancha nova, encontrou os amigos das motas e decidiram ir todos juntos para a praia. Na brincadeira, um atirou-lhe areia. Ele foi a correr atrás. O outro atirou-se à água. Ele seguiu-o. Estava longe de imaginar o que aconteceria depois. "Dei o chamado 'golpe de coelho' na cervical. Senti logo que tinha sido grave. Não deixa de ser irónico. Sempre tive medo de mergulhos porque o meu pai tinha-me contado, uns dez anos antes, que um amigo tinha dado um mergulho que tinha corrido mal. Fiquei de tal modo impressionado com aquilo que deixei de andar na ginástica onde já fazia mortais e piruetas. Ganhei medo. E depois - ironia das ironias - num mergulho absolutamente banal para o mar, aconteceu aquilo."
Aquilo foi uma tetraplagia. Ricardo recebeu a notícia da pior forma possível. "Estava no hospital e apareceu uma psicóloga que me acordou a dizer que precisava de falar comigo. Depois perguntou-me se os meus pais tinham possibilidades financeiras. Quando quis saber porquê respondeu: 'Porque o Ricardo nunca mais vai andar e vai precisar de uma cadeira eléctrica porque nem força nos braços vai ter para fazer a cadeira andar.' Foi uma forma simpática de dar a notícia a alguém que tinha 17 anos e só pensava em motas, surf e skate."
Mas Ricardo é feito de uma fibra diferente. Talvez seja da fibra das pranchas, que resistem à violência da ondulação. E nunca precisou de cadeira eléctrica. Durante estes 20 anos (que já passaram desde o acidente) andou sempre de cadeira manual. Só há três anos passou para a cadeira eléctrica porque comprou uma carrinha adaptada onde a cadeira entra (e serve de lugar para o condutor) e sai, tornando-o completamente autónomo. Mas voltemos atrás, para continuar a demonstrar por que razão a fibra deste homem é especial.
Desde os 13 anos que Ricardo tinha uma skate/surf shop em Alverca. Bom, não era propriamente uma loja, que nem seria legalmente possível por se tratar de um menor, mas era um canto na loja da mãe que ele geria, sozinho. Os pais não interferiam e ele fazia negócio. Ia fazer compras a grandes marcas sozinho e levava o cheque assinado pelos pais que tinham nele toda a confiança. Não se enganaram. Sempre soube fazer dinheiro do dinheiro, como no milagre da multiplicação (só que nunca foi milagre, mas sim jeito para o negócio e muito trabalho).
Depois do acidente, largou a loja e dedicou-se à compra e venda de acções. Não sabia nada sobre a Bolsa ou sobre mercados mas rapidamente aprendeu e garante que ganhou muito dinheiro. Quando apareceu a internet, meteu-se por aí com a facilidade com que sempre se meteu em tudo. Começou a desenvolver páginas para empresas (na altura os sites chamavam-se assim) e voltou a ter sucesso. "Aos 20 anos tinha a minha casa e vivia sozinho. O acidente não me impediu de nada. Era na minha casa que desenvolvia os sites."
Fez o 12º ano e entrou no ISCTE. Mas, ao mesmo tempo, foi a uma entrevista na Microsoft e ficou logo lá a dar assistência técnica a clientes. Como tinha um emprego durante o dia na Microsoft e tinha a sua empresa a carborar nas horas que sobravam, não chegou a ir para a faculdade. Na Microsoft fez um projecto sobre novas formas de teletrabalho, que deu nas vistas: New ways of Working. O Bill Gates teve conhecimento do projecto e ganhou um prémio a nível europeu e vários prémios nos Estados Unidos.
Passado um ano, despediu-se da Microsoft, arranjou um escritório em Lisboa e chegou a ter 15 funcionários a trabalharem consigo, na construção de sites. Foi abrindo várias empresas dentro do mesmo ramo, vendeu uma delas ficando accionista e, em 2010, achou que as agências de publicidade precisavam de um grande apoio a nível digital e criou uma produtora chamada Digital Works (que abriu também um polo no Reino Unido).
Em 2007 Ricardo abriu também a Jump Master, uma empresa de investimentos imobiliários. "Aproveitei a crise e comprei apartamentos, prédios, escritórios. Uns vendia, outros ficavam." Continua a ter essa empresa e no ano passado vendeu a Digital Works (que teve durante 7 anos). "Estava farto de estar na mesma área. Vendi e pensei: e agora? Não quero ficar a viver dos rendimentos... Fui ler o meu ficheiro das ideias. Tenho um sócio noutra empresa de investimentos imobiliários e fomos almoçar. Considero-o como um filho mais velho. Estávamos a bater bolas e, às tantas, contei-lhe a minha ideia. Ele deu um pulo na cadeira: 'Vamos avançar! Sou teu sócio nessa!'"
A ideia era totalmente diferente de tudo o que já tinha feito: uma casa de... frangos assados. Mas uma casa de frangos diferente: bonita, moderna, com pinta. E com preocupações ambientais. Onde se pudesse comer mas que também tivesse serviço de entregas. Era preciso reinventar o mercado. Ricardo pôs-se em campo. Montou o Business Case e percebeu que podia ser rentável. "Fiz um documento extensíssimo. Queria acabar com os plásticos e com os alumínios... Não queria ter carvão, que é nocivo para a saúde. Era preciso reinventar as caixas, era preciso reinventar as grelhas. Comecei a definir que só me metia nisto se conseguisse dar a volta a tudo o que me parecia desactualizado e mau neste segmento. Fui ter com vários chefs para saber como ter um frango bom sem carvão e sem fumo, como ter bons molhos, e o Joe Best disse que queria entrar no projecto e ficou como consultor."
E assim nasceu o Bairrista. A 9 de Agosto do ano passado, porque acharam que ia estar pouca gente e que, assim, podiam ir-se preparando para maior fluxo de clientes. Nesse dia tiveram a visita de mais de cem pessoas e, no segundo dia, receberam duzentas.
O que distingue o Bairrista das outras casas de frango? Bom, tudo. Para começar, o espaço é tão acolhedor que apetece comer lá dentro e, como não há fumos, não se corre o risco de sair de lá com... um perfume novo. A segunda diferença é mesmo essa, o facto de não haver fumo. "Conseguimo-lo com grelhadores ao contrário. Ou seja: em vez de estarem em baixo, com carvão e brasas, estão em cima. Em baixo temos água. Assim não há fumo e muito menos carvão, que só nos faz mal." Quanto aos frangos, são criteriosamente escolhidos. "Nunca tive um frango congelado. Recebemos frangos todos os dias frescos. São abatidos 24 horas antes." As batatas fritas também são diferentes. São fritas em gordura vegetal e, para ficarem secas e não ensopadas em gordura, passam por um secador mal acabam de fazer. Depois, a outra grande diferença tem a ver com o ambiente. Todas as caixas são em papel. Tão giras que as pessoas têm pena de as deitar fora.
Ricardo é casado e tem um filho que vai fazer 5 anos. Ao filho tem muito para ensinar, não apenas a mexer-se no mundo dos negócios, como também a viver a vida sem se deixar vencer pelas adversidades. Quando conversamos com o Ricardo rapidamente esquecemos que está sentado numa cadeira diferente da nossa. E quando estamos de pé ao lado dele nem nos lembramos que ele segue o caminho num plano mais abaixo. É como se estivesse exactamente ao mesmo nível do olhar. Porque ele é muito mais do que aquele mergulho e do que o mergulho lhe fez. Porque ele é tão grande como o tamanho dos seus sonhos. E se este homem sonha!
*Mudar de Vida é uma rubrica que nasceu aqui no blogue em 2016 e que pretende contar histórias de pessoas que deram um rumo completamente diferente à sua vida profissional, com tudo o que isso implica em termos pessoais