Nunca desilude. O Clube de Leitura está tão entranhado no meu coração que era preciso arrancarem-mo (ao coração) para me conseguirem extrair este gosto que tenho nesta grupeta boa que todos os meses se junta, na Fnac do Colombo, para conversar sobre livros. No WhatsApp somos cada vez mais (por acaso esqueci-me de pedir o contacto às pessoas novas que foram a este encontro, para também elas ficarem a par das nossas divações várias, não só sobre os livros como sobre a vida em geral, mas fica para a próxima) e sonho com o dia em que todas as pessoas inscritas e que já participaram consigam estar num encontro, ao mesmo tempo. Nestas coisas já se sabe: no dia marcado para cada encontro há sempre qualquer coisa que condiciona um ou outro, e nunca consegui essa proeza, de ter os mais de 40 participantes neste clube juntos simultaneamente. Pode ser que um dia.
Desta vez tínhamos um livro comum. Ou melhor, dois. Como alguns já tinham lido o escolhido, decidimos arranjar um segundo livro. Quem quisesse ler O Estrangeiro, de Albert Camus lia. Quem quisesse ler As Memórias de Adriano, de Marguertite Yourcenar, lia. Quem quisesse ler ambos... estava à vontade também.
Eu li O Estrangeiro, bem como a maioria. Comecei As Memórias de Adriano mas foi mais uma luta do que uma leitura, de maneira que não cheguei a terminá-lo.
Foi interessante discutir O Estrangeiro e perceber como só pode ser genial um autor que consegue perturbar os leitores com a total ausência de empatia para com a personagem principal. É fácil gostarmos da figura central de um livro. É fácil não gostarmos. Muito mais complexo é conseguir-se esta apatia, esta indiferença, esta estranheza para com uma personagem que mais do que levar a vida, deixa-se levar por ela, de uma forma absolutamente inquietante. Houve muita gente que não gostou do livro, justamente por esta incompreensão, por esta bizarria de uma personagem para quem tudo parece ser rigorosamente alheio, distante, uma espécie de linha recta, sem sobressaltos, sem amor, sem ódio, sem vibração. Eu gostei muito. Por tudo isto, justamente.
Uma das opiniões de que mais gostei foi a da Ana Monteiro que, curiosamente, não foi ao nosso encontro por estar de férias, mas enviou as considerações sobre o livro para o nosso grupo de WhatsApp: "Aquilo que à primeira impressão parecia uma leitura simples, tornou-se cheia de reflexões e pausas. Mersault, um homem vazio de vontades, despojado de sentimentos ou apenas convicto do que não deseja? Pareceu-me que era o próprio espectador da sua vida e de tudo o que o rodeava, e ainda assim com a sua (aparente) indiferença causava uma (boa/má) impressão. Depois, toda a parte do julgamento/destino, o porquê da existência, levou-me ao quão ténue e absurda pode ser a linha que nos separa da convicção do controlo da nossa vida."
A Isabel Sobrinho destacou-se, não apenas por ter levado vinho e copos de vidro (é a maior!) mas por ter falado do livro As Memórias de Adriano, que está a adorar. Todas as outras pessoas que estavam a lê-lo revelaram as suas dificuldades, um livro denso, um livro carregado de referências gregas e romanas, quase um livro de História, mas Isabel conseguiu apaixonar-se pelas ligações - várias - aos nossos dias, a temas que se mantêm tão actuais. Para Isabel, é um livro bonito que relata a passagem de testemunho, o relato de um imperador que compreende que a sorte é crucial nas nossas vidas e que não há nenhum manual para reconhecer a sorte. A velhice, a reflexão sobre o que se fez bem e o que se fez mal, a humildade de um imperador, foram alguns dos pontos altos que Isabel destacou (e ainda não o tinha terminado). Ficámos todas com vontade de insistir na obra, apesar de nos estar a ser difícil. Mas... todos sabemos que rcom frequência o mais difícil é o que nos traz mais prazer.
No final, falaram as duas crianças que foram ao encontro, o que, como sabem, me deixa sempre encantada. O Miguel leu, da colecção Os Indomáveis, "O Mundo é uma Bola", de Álvaro Magalhães, e da colecção 7 Irmãos, "Miguel contra-ataca". Não quis falar muito mas disse que gostou porque gosta muito de futebol e identificou-se com as personagens. O Francisco leu a Avozinha Gangster, de David Walliams, que é, até onde ele já leu, a história de "um menino que não gosta de ir para casa da avó porque ela tem barba mas um dia descobre diamantes na caixa das bolachas, e descobre que foi a avó que os roubou." Claro que é impossível não gostar de uma avó tão aventureira, se bem que não sabemos ainda como termina a história (esperemos que com alguma moral, não vá o herói infantil ser efectivamente um larápio sem escrúpulos, o que não seria muito edificante).
Agora paramos para férias mas voltamos a encontrar-nos no dia 21 de Setembro. Em breve deixo o formulário para quem quiser poder inscrever-se.