... gostava de pedir, em primeiro lugar, que não se culpem. A culpa não tem de ser vossa. Não têm de sentir vergonha perante aquela amiga cujo filho tem tudo corrido a cincos (ou a vintes, conforme os casos). Não sintam que são menos do que ela, ou o vosso filho menos do que o dela. E mesmo que sintam, nem que seja por breves instantes, não o digam em voz alta. Não façam comparações... Não há pior do que ser comparado com alguém. Somos todos tão diferentes...
Não, a culpa não é vossa. Nem sequer tem de ser deles. O mais certo é que seja do sistema de ensino, que está de pernas para o ar, e galopa a uma velocidade vertiginosa, deixando para trás quem não tem essa rapidez toda. Que está focado nas notas de testes, nas metas curriculares, nos rankings, em vez de estar focado em premiar o desempenho, o esforço, até a cidadania e a inteligência emocional. Também pode acontecer que os vossos filhos não tenham ainda a maturidade para perceber a importânica de passar de ano, talvez não tenham feito o esforço que vocês achavam que eles deviam ter feito. Talvez então seja bom que percam este ano. Às vezes é importante dar um passo atrás, para a seguir dar dois para a frente.
A todas as mães com um filho que não vai passar de ano, gostava de dar um abraço. Ainda não passei por isso (e reforço o ainda, porque acho perfeitamente que pode vir a acontecer) mas não tenho crânios cá em casa, daqueles que só têm nota máxima a tudo e passam com distinção e vénias e salamaleques. Não. E sabem que mais: estou na maior! Eu quero que os meus filhos saibam o valor do esforço, sim, que tentem superar-se, que tentem ser sempre o melhor que conseguirem. Mas quero também que se saibam divertir. Que dêem valor ao prazer. Que saibam ser boas pessoas, que olhem para o outro com empatia, com tolerância (palavra que detesto porque implica uma certa superioridade mas agora não encontro outra), que tenham vontade de ajudar, de fazer o bem. Que saibam ter uma conversa, que saibam pensar, pôr em questão, duvidar, argumentar, que não tenham medo de enfrentar quem acham que não está certo, com educação mas com assertividade. Os meus filhos não têm grandes notas e eu consigo bem imaginar o sentimento que deve assolar uma mãe (e um pai, mas as mães têm uma tendência para se culpabilizar por tudo) quando um filho perde o ano. "Onde é que eu falhei? O que podia ter feito mais? Se pudesse voltar atrás, o que faria diferente?" Não adianta. O tempo não volta para trás e o mais certo é terem feito tudo o que era possível. O chumbo de um ano não tem absolutamente nenhuma relação com o sucesso profissional futuro dos vossos filhos. Juro. Conheci verdadeiros génios no secundário que hoje estão na merda. Pessoas com uma capacidade intelectual extraordinária mas a quem faltou esperteza, destreza, paixão, trabalho. Ou até a quem faltou a sorte, que é um factor muito subvalorizado mas que conta, e de que maneira. Mas isto para dizer que o vosso filho que agora reprova não tem de ser um adulto falhado. Está tudo em aberto. Se tudo correr bem, haverá tantos anos pela frente. Para que apanhem este comboio que virou TGV, e que para alguns é mesmo difícil apanhar.
Uma amiga perguntava ao filho que talvez vá perder o ano que castigo ele achava justo que ela lhe aplicasse. Ele respondeu de forma inteligentíssima, a provar que um chumbo não é sinónimo de burrice ou incapacidade: "Acho que ter de repetir o ano já é castigo suficiente." E é. É porque vai ver os amigos passar. Porque vai sentir nos ombros o peso do seu fracasso (que é apenas um fracasso nestes moldes de ensino, quem sabe não seria um vencedor se o sistema estivesse pensado de forma diferente?). Porque vai sentir a humilhação de ser apanhado pelos mais novos, vendo o seu grupo de amigos, da mesma idade, a jogar noutra liga. É castigo suficiente. Não é preciso mais. Ou talvez seja. Uma conversa franca. Aberta. Um abraço. A desculpabilização. Do filho e da mãe (e do pai, caso também se sinta culpado). Não é desresponsabilização. São coisas distintas.
A todas as mães com um filho que não vai passar de ano... paciência. É lixado. Dói. Porque é um carimbo, um rótulo, porque é uma marcação de passo, porque custa dinheiro, porque traz frustração, tristeza, porque é um desencontro entre o filho que se sonhou (quando os sonhamos nunca os sonhamos a chumbar) e o filho que se concretizou. Há - exagerando um pouco - um luto que é preciso fazer desse filho sonhado. Que se faça. E que seja rápido. Porque o filho real tem um milhão de coisas boas para dar. Só ainda não chegou lá. Para o ano será melhor.