As leituras cá de casa
Muitos já não se recordarão mas a ideia de avançar com um Clube de Leitura do blogue (que já existe há um ano, e tem lugar todos os meses na Fnac do Colombo) nasceu cá em casa. Preocupada por perceber que os miúdos liam cada vez menos, que por iniciativa própria não se propunham pegar num livro, tive uma ideia: todos os meses cada membro da família lia um livro e, no final do mês, faríamos uma tertúlia para conversar sobre as nossas leituras. A ideia obrigava-os a ler a eles e a nós, que por vezes andávamos mais ocupados com as redes sociais e séries e outras distracções que nos arredavam do prazer de ler. Claro que rapidamente percebi que a coisa não ia lá sem um castigo para os que não cumprissem. E então ficou decidido: quem falhar fica um mês sem acesso a telefones, tablets e computadores. Na verdade, no início não foi um mês, foi uma semana, mas um dia destes percebi que um dos elementos já se prepava para abdicar dos aparelhos por uma semana para não se dar ao trabalho de terminar o seu livro e vai daí e estiquei para um mês (que já representa uma "impossibilidade técnica de existir").
A ideia deu um resultadão. Poderão dizer: ah, mas assim eles lêem forçados, como se ler fosse um castigo. Quero cá saber! Até podem começar forçados mas o facto é que têm acabado por se render a muitos dos livros que lêem. E vão acumulando conhecimento, vocabulário, vão varrendo os livros próprios para as suas idades (e que se não lerem agora, dificilmente vão ter oportunidade de ler). Perguntam-me quem escolhe os livros. Respondo: um mês eles, outro mês nós. A razão é simples: se fossem sempre eles a escolher, um leria só livros de aventura (não é necessariamente mau mas bastante redutor), o outro leria apenas livros de futebol (é só mau). De maneira que assim, intervalam entre um livro mais ligeiro e da sua preferência e alguma literatura de relevo. Neste momento, por exemplo, têm gostado tanto das sugestões que temos feito que já pedem para escolhermos sempre.
Este mês o Manel leu "Porque não sou cristão", de Bertrand Russell. Lembro-me que foi um livro que me marcou muito na adolescência, e como ele está na fase de levantar imensas questões (ter Filosofia na escola foi como que um interruptor que se ligou naquela cabeça), achei que podia ser interessante. O Martim leu o "Robinson Crusoé", De Daniel Defoe. A Mada tinha-se comprometido a ler "As Gémeas: mais aventuras no Colégio de Santa Clara", de Enid Blyton. O Ricardo leu "Fim", de Fernanda Torres e eu li "Os Despojos do Dia", de Kazuo Ishiguro e "O mundo de fora", de Jorge Franco.
O dia marcado para a tertúlia foi ontem e a Madalena não conseguiu ler o livro todo. Não foi por falta de aviso. Andou o mês todo a encolher os ombros, a adiar, a dizer "agora não me apetece", e lixou-se (e nós também, devo dizer). Vai ficar o mês de Abril todinho sem tocar em aparelhos de qualquer espécie. Vai ser duro mas vou cumprir. Ela ontem gravou um "mea culpa" no Instagram com imensa graça, a dizer que foi preguiçosa, e esperamos que Abril traga a leitura deste livro e de outro, mais "magrinho".
Quanto à nossa tertúlia, foi espectacular. Acho que eles estão a esforçar-se cada vez mais por fazer apresentações interessantes. O Martim, que é um gozão nato, conseguiu manter-se sério o tempo todo, e o Manel tinha apontamentos e citações assinaladas para ler em voz alta, e percebeu-se que aquilo tudo lhe fez imenso sentido e mexeu muito com ele.
Para os pais que se queixam de que os filhos não lêem... acho que esta solução pode ser muito boa. Têm é que cumprir o "castigo" para os faltosos! Por isso, antes de o definirem, certiiquem-se de que conseguem pô-lo em prática.