O que tenho lido no facebook sobre o caso da avioneta que aterrou na Praia de São João seria suficiente para nunca mais voltar ao facebook. Mas depois é uma óptima ferramenta de trabalho e não me dá jeito deixá-la. Sentei-me para escrever o que penso sobre o assunto mas antes fui dar uma volta pelos blogs do costume e a cabra da Pipoca antecipou-se e já tinha escrito exactamente o que me vai na alma. De maneira que é só ir lá ler e aí têm o que penso.
Ainda assim, uma pequena nota: Há muita coisa em mim de que não gosto. Mas há uma que aprecio verdadeiramente. É a de não fazer julgamentos sem estar na posse de todos os dados. Os julgamentos sumários do facebook revolvem-me as entranhas. E não é metáfora. Chego a ficar nauseada, à beira do vómito. Esta coisa de todos saberem tudo: "Se eu fosse o piloto tinha aterrado no mar!" Sabes lá se aterravas no mar, pá! Sabes lá! Para já nem sabes se conseguias sequer manobrar a coisa para isso mas, ainda que conseguisses, tens a certeza que o teu instinto não te ia trair? Tens a certeza que não começavas a pensar nos teus próprios filhos e não querias mais era preservar a tua existência? Tens mesmo a certeza que não tentavas pousar aquela merda, acreditando que as pessoas fugiriam e que não magoavas ninguém? Achas mesmo que o piloto é um assassino, que vai dormir tranquilamente depois de ter matado duas pessoas? Uma criança? Pensa lá melhor, vá.
E quanto ao testemunho do pai da criança, mais alarvidades. "Se eu fosse o pai da criança nem conseguia falar, quanto mais mostrar aquela frieza!" Sabes lá se conseguias falar, se ficavas petrificado, se largavas a rir do choque? O que é tu sabes? Porventura já te morreu uma filha na areia, atropelada por uma avioneta? Então faz um favor a ti próprio e à humanidade em geral: não digas mais nada.
Além da Pipoca, o Nuno Markl também escreveu um texto no facebook (lá está, há coisas boas na rede) que assino por baixo:
"Há dias em que a Internet é a pior invenção de sempre. Quando não havia Internet até podiam existir imbecis capazes de dizer cobras e lagartos de um homem que acabou de perder a filha de 8 anos num acidente com uma avioneta numa praia e que parece estranhamente calmo a falar para uma reportagem (não está; está numa coisa pela qual uns bons 99% dos imbecis que estão a dizer cobras e lagartos do homem nunca passaram, nem sabem que existe, chamada estado de choque); mas, quando não havia Internet, esses imbecis não nos entravam pelos olhos dentro. Estavam em casa ou no café a murmurar porcaria a um canto sem ninguém lhes dar atenção. Hoje em dia têm um fórum, e julgam, e metem uma carinha zangada, e sugerem que desconfiam que há ali coisa, porque, de acordo com a sua visão do mundo, provavelmente formada por lágrimas de novela e reality show, o homem não parecia triste.
Quero acreditar que as redes sociais e as zonas de comentários dos jornais não são o mundo lá fora. Quero ter esperança na humanidade e acreditar que esta corja ainda é uma mísera facção da espécie humana - só que parecem muitos porque dizem muita alarvidade. Quero acreditar que a estupidez é como a espuma do banho: parece imensa e vasta, mas é fininha, desfaz-se e acaba por desaparecer.
(Isto não é boa comparação, porque a espuma do banho cheira bem. Mas apanharam a ideia.)"