Sempre que há um homicídio daqueles mediáticos, uma das primeiras coisas em que penso é nos pais do homicida. Dói-me a vítima ou vítimas, claro. Mas logo de seguida os meus pensamentos vão para os pais de quem fez o acto tresloucado. Porque penso: "e se fosse eu? E se o filho fosse meu?"
Onde quero chegar é a este ponto (que por acaso foi hoje abordado numa conversa promovida pela Alexandra, da Nheko, para a qual fui convidada): será o amor pelos filhos real e verdadeiramente incondicional? Ou tem um limite? Ou pode ser abalado por coisas que eles façam e que nos mirrem o amor dentro do peito, transformando o coração, órgão vermelho-vivo, gordo, e pululante, numa espécie de passa engelhada e seca?
Se eu descobrir que um dos meus filhos é um agressor da pessoa com quem vive, como vai ficar o meu amor por ele? Se ele for um nacionalista, adepto do ódio racial, xenófobo, como poderei amá-lo do mesmo modo como amo hoje? Se ele dizimar uma família inteira (ou um único ser humano, ou um cão, ou gato) como poderei encontrar dentro de mim o afecto, a ternura, a imensidão do amor que tenho por ele?
Como farão os pais quando descobrem que os filhos que amam são, contra todas as expectativas, monstros?
Que sentimentos lhes crescerão dentro do peito, como ervas daninhas? Como não sentir culpa, sentir que se falhou, que se falhou tão redondamente? Como fica, pelo caminho, o amor próprio, depois de aquilo que devia ser o melhor deles se revelar, afinal, o pior?
Como conseguir a dignidade da árvore, que se mantém inteira mesmo quando um fruto apodrece?
Pergunto-me muitas vezes o mesmo.
E nunca encontro resposta.
E, na verdade, espero nunca encontrar.