Estou há 11 anos nesta casa, neste bairro onde vivo. Gosto muito, muito da minha casa, e gosto muito de viver aqui. No início custou-me um bocadinho porque vinha do Príncipe Real e faltava-me aquele bairrismo, a velhota que passa os dias à janela a cumprimentar quem passa (e a escrutinar a vida de todos), a senhora da farmácia que leva que tempos a atender porque está a fazer de assistente social ao aturar o rol de maleitas da cliente com 82 anos, o senhor da mercearia que dá rebuçados aos meninos, o da papelaria que se auto-intitula "tio" dos nossos filhos. Aqui não havia nada disso. Mas agora até já há. O café de sempre, a farmácia, a mercearia. A loja do demo. As escolas. A vizinhança.
Tenho aqui tudo à mão. Escolas, actividades extra-curriculares. A minha mãe. Os amigos dos miúdos. O rio. Um longo caminho sem carros, junto ao rio, onde os miúdos vêm e vão de bicicleta de e para casa dos amigos.
A questão é que começo a sentir um certo desassossego. Uma inquietação. Não sei explicar. Primeiro foram as obras, a que nos lançámos por sentirmos que a casa já estava a cansar, que precisava de uma renovação. E precisava mesmo, que 11 anos de vivência intensa, com tanta criança, é dose para qualquer casa. Mas depois de terminarem as obras (e ainda não terminaram, que estamos em pleno afagamento do chão), continuo a sentir um certo "je ne sais quoi". Está tudo muito bonito e tal mas... não me perguntem o que é concretamente este "mas". É só esta sensação de inquietude, que não desapareceu.
Na verdade, somos muitos. Viemos para cá quatro, somos seis. E se o nosso coração esticou, o mesmo não aconteceu com a casa. Nem é tanto o sentirmo-nos apertados. É mais as coisas. As coisas de que falava num post anterior. Cada um tem as suas. Os seus brinquedos, as suas tralhas, as suas roupas, os seus sapatos. Os seus livros. As suas toalhas, os seus lençóis. Os seus papeis. É muito brinquedo, tralha, roupa, sapatos, livros, toalhas, lençóis, papeis. E nesse aspecto, sim, estamos a ficar sem ter onde guardar tudo. Precisava de mais assoalhadas com mais armários, para me espraiar. Para respirar melhor.
Esse é um ponto. Mas há outro que, na verdade, talvez seja o mais relevante. Acho que nos começa a apetecer recomeçar, noutro sítio. Com novas rotinas. Novos cafés, novas lojas de bairro, nova vizinhança. Sentir a excitação dos recomeços. O entusiasmo das novas paixões.
Um pouco como o texto do Arnado Jabor, que publiquei há tempos (AQUI). Dizia ele que, em vez de os casais se divorciarem, deviam antes alterar as rotinas antes que elas os devorassem. Não é que nos sintamos devorados, nem sequer em crise ou em risco. Mas há uma certa repetição dos movimentos e dos dias que é, por vezes, um pouco entediante.
Apetecia-me voltar àquela sensação de entrar numa casa nova e arrumar as nossas coisas nos sítios certos. Foi dos momentos mais bonitos da minha vida, quer quando casámos e montámos arraiais na Praça das Flores, quer quando viemos viver para aqui. A música muito alto, a casa vazia, as caixas a entrarem e nós a colocarmos as nossas coisas nos armários, nas paredes, nas assoalhadas. É um bocadinho como poder viver outra vida, sem ter de morrer pelo meio.
De maneira que estamos assim. Neste balanço. Entre o gostar do que há e o sonhar com o que pode haver. Entre o sentir conforto na rotina mas almejar uma mudança qualquer. Entre a repetição dos passos e a aprendizagem de uma nova dança.
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