Garrafas de água pelo ar
Quando vi o meu filho Martim a atirar insistentemente uma garrafa de água pelo ar, tentando que ela caísse direita, vezes sem conta, achei que se tinha passado. "Do que te foste lembrar, sinceramente. Tanto brinquedo, tanta tralha e andas aí a rodopiar uma garrafa de água pelo ar. Só tu!". Ele sorriu e continuou, concentradíssimo. Dias depois, percebi que trocava vídeos com os amigos e que também eles faziam o malabarismo da garrafa. Achei, na minha inocência, que era uma cena lá deles, os miúdos pegam uns aos outros as suas manias, e agora era isto o que estava a dar lá na escola, com toda a certeza.
Até que ontem vi no facebook de uma amiga um vídeo que ela pôs com os dois filhos a fazer a mesmíssima coisa. E eles não andam na escola do meu.
Vai daí e fiz uma pesquisa. E o fenómeno tem vídeos na internet e alguns, americanos, já têm data de Maio, pelo que isto terá começado por lá tendo chegado agora até cá. Afinal, o meu "só tu" não podia estar mais errado. É uma autêntica febre (e no caso dos EUA até há adultos histéricos de felicidade de cada vez que a garrafa aterra direita, depois de a girarem no ar).
Suspeito que isto seja uma espécie de crise da abundância. Numa sociedade encharcada de brinquedos, jogos e gadgets de toda a espécie, parece haver aqui um certo regresso ao nada. Como se, de tão saturados de terem tudo, os miúdos precisassem de voltar a um minimalismo que lhes resgatasse o prazer de brincar. De inventar. De criar. Talvez isto diga muito sobre o estado de consumismo desenfreado a que chegámos. Ou então sou só eu a disparatar.