Reinventa-te mas é o… canário
Quando leio alguns comentários sobre os despedimentos na Controlinveste fico um bocadinho com a ideia de que há quem tenda a olhar os outros sob a sua própria lupa. E os outros não somos nós. Os outros são os outros, com os seus percursos, o seu olhar sobre o mundo, as suas idiossincrasias. Eu não acho que todas as pessoas consigam ser freelancers, por exemplo. E isso não quer dizer que eu ache que sou melhor do que os outros. É mesmo só porque ser freelancer requer uma disciplina quase doentia, uma vontade férrea quase alucinada, uma obstinação em propor ideias, sempre novas ideias (que nem todos têm a brotar em catadupa) mesmo depois de se levar com duzentas portas na cara, 2500 nãos, e mais um milhão de silêncios. É preciso ser quase parvo para se ser freelancer e vencer. É preciso gostar de estar em casa, sem colegas, sem barulho. É preciso gerir a solidão e ir à procura das pessoas, quando se começa a sentir falta de gente. É urgente não atacar a despensa (para não virar uma orca), evitar a todo o custo ficar de pijama todo o dia (para não deprimir), fugir às séries e ao sofá e à preguiça que pode muito bem atacar-nos dia sim dia não.
Da mesmíssima maneira, eu tenho dúvidas de que a maior parte dos jornalistas que agora ficaram sem emprego (e os outros) saibam criar o seu próprio emprego, tenham essa capacidade de reinvenção, sobretudo aqueles que estão há anos a fazer a mesma coisa, no mesmo sítio, nos mesmos moldes. Não é que sejam menos que os outros, os ditos empreendedores. São apenas diferentes. São apenas outros. Mais: é fácil falar quando se tem sorte. Quando se tem a sorte de se ter construído uma teia de contactos que nos permite galgar obstáculos, quando se tem a sorte de ter amigos que nos dão a mão, quando se tem a sorte de ter caído na boa graça das pessoas certas (e pode ser uma graça justíssima, pelo nosso valor, pelo nosso talento, mas ainda assim, uma graça), e até quando se tem a graça de ser empreendedor, furão, com ideias e com garra… fica mais fácil falar. O pior é que a maior parte das pessoas não tem nenhuma destas sortes. A maior parte das pessoas tinha o seu emprego, esforçava-se por fazer o melhor possível, cumpria, fazia a sua vidinha. E agora, de repente, a vidinha deu-lhes um chuto no traseiro.
É muito fácil dizer: "Agora reinventa-te! Se és bom vais conseguir de certeza!"
Eu não digo.
Porque a vidinha já me mostrou, por exemplos muito próximos e com muito valor, que isso é tudo muito bonito, mas é também uma realíssima treta.
Da mesmíssima maneira, eu tenho dúvidas de que a maior parte dos jornalistas que agora ficaram sem emprego (e os outros) saibam criar o seu próprio emprego, tenham essa capacidade de reinvenção, sobretudo aqueles que estão há anos a fazer a mesma coisa, no mesmo sítio, nos mesmos moldes. Não é que sejam menos que os outros, os ditos empreendedores. São apenas diferentes. São apenas outros. Mais: é fácil falar quando se tem sorte. Quando se tem a sorte de se ter construído uma teia de contactos que nos permite galgar obstáculos, quando se tem a sorte de ter amigos que nos dão a mão, quando se tem a sorte de ter caído na boa graça das pessoas certas (e pode ser uma graça justíssima, pelo nosso valor, pelo nosso talento, mas ainda assim, uma graça), e até quando se tem a graça de ser empreendedor, furão, com ideias e com garra… fica mais fácil falar. O pior é que a maior parte das pessoas não tem nenhuma destas sortes. A maior parte das pessoas tinha o seu emprego, esforçava-se por fazer o melhor possível, cumpria, fazia a sua vidinha. E agora, de repente, a vidinha deu-lhes um chuto no traseiro.
É muito fácil dizer: "Agora reinventa-te! Se és bom vais conseguir de certeza!"
Eu não digo.
Porque a vidinha já me mostrou, por exemplos muito próximos e com muito valor, que isso é tudo muito bonito, mas é também uma realíssima treta.