Durante muito tempo (tempo demais) tive uma certa arrogância de que não me orgulho. Dizia muitas vezes que não precisava de mais amigos. Que já tinha muitos e bons. Dizia-o sem maldade, mas com alguma vaidade. Com soberba. Sentia-me feliz e preenchida com os meus amigos de sempre (ou de alguns e intensos anos) e achava que era suficiente. Que bastava, estava bom. Na verdade, os amigos que tinha ocupavam-me tanto tempo que sobrava pouco (ou nada) para possíveis novos amigos. E eu refugiava-me nisso para dizer e repetir: "Não preciso de mais amigos". Além do mais, acreditava que a partir de certa idade já não se fazem propriamente amigos-amigos. Achava eu que, a partir de certa altura, os amigos que uma pessoa tinha eram os que tinha e acabou-se. Como se a idade fosse um impeditivo de criar novas amizades (quando é justamente o contrário: a maturidade aproxima-nos naturalmente de pessoas que encaixam melhor connosco).
Hoje reconheço que fui uma idiota. É verdade que continuo com muitos amigos de há muito tempo, amigos que viveram comigo muitas coisas, amigos que eu sei que estão lá para o que der e vier, para sempre (espero) e para tudo. Eu, pelo menos, estou cá (para sempre e para tudo) para eles. Mas por razões que agora não importam, mas que são - como sempre - formas que a vida tem de nos dar belas lições, comecei a abrir o coração a outras pessoas. A deixá-las entrar. A aceitar a ideia de ter novos amigos. A achar que não têm de ser só os que estão, que a antiguidade e a força do que vivemos é importante, sim, mas não tem de ser tudo (muitas vezes não é mesmo nada). A não desconfiar do que é novo (sempre tive tendência para ter um pé atrás para tudo o que é desconhecido), a ter vontade de estar com pessoas que acabei de conhecer, a reconhecer nelas, em pouco tempo, todas as características que é suposto que um amigo tenha, e a gostar delas com a intensidade com que se gosta de um amigo verdadeiro.
Uma dessas pessoas é a
Raquel Brinca. Eu tenho muita dificuldade em acreditar em cenas místicas, kármicas… esquisitas, no fundo. Sou demasiado pragmática para crer naquilo que não vejo. Mas, desta vez, confesso que estou tentada a acreditar que eu e a Raquel temos uma cena qualquer que não se explica. Assim que nos conhecemos, foi empatia imediata. Era como se aquela pessoa fosse uma amiga de longa data. E de cada vez que estamos juntas é sempre a mesma felicidade estranha. Mais: nunca nos coibimos de dizer uma à outra vários "gosto de ti" despudorados (e eu não sou propriamente uma mãos largas no que toca a declarações de amor). Se eu fosse dada ao misticismo, tenho a certeza de que acreditaria que éramos para aí irmãs ou coisa assim, numa vida passada. Almas separadas por uma encarnação, e reencontradas nesta. Era certinho. Tão certinho que, céptica como sou, estou quase a crer nisto, ainda assim.
A Raquel é fotógrafa, tem a
HUG, um projecto maravilhoso de que já aqui falei, e acaba de entrar na minha vida também de uma outra forma: foi ela quem me fotografou para o meu novo livro. A sessão fotográfica meteu vários looks, muitas gargalhadas e parvoíces, e resultou em muitas fotos de que gosto muito. Nos últimos tempos, e por culpa de algum (muito) desleixo da minha parte, não estou no formato que desejava. De maneira que é raro gostar de me ver nas fotografias. Acho sempre que pareço uma lua cheia depositada em cima de um pequeno bidão. Mas ela, que é óptima fotógrafa e que tem comigo esta cena kármica (ou energética ou lá o que é), captou o meu eu, para lá do invólucro (ou apesar do invólucro). E, assim, estamos agora juntas neste livro que me deu tanto trabalhinho e que espero que vos dê (daqui a um mês e pouco) muito prazer.
Obrigada, Raquel, pelas fotos e por teres entrado na minha vida.
Obrigada vida, por me continuares sempre a ensinar a ser um bocadinho menos idiota (mas não muito, que alguma estupidez natural faz muita falta para levar isto com alegria).
Uma das fotos - que, em princípio, não será a do livro.