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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Resumindo...

Eu sempre quis ir à Índia. Quando estava no DNA (suplemento do Diário de Notícias), trabalhei com um fotógrafo extraordinário (Marcelo Buainain) que ficou outro, quando foi à Índia. Como que ensandeceu. Passou a ir para lá imensas vezes, as suas fotos eram um arraso, e cheguei a escrever textos para reportagens fotográficas sobre a Índia, lendo livros que ele tinha e ouvindo os seus relatos. De certo modo, eu que já queria ir à Índia, fiquei contagiada com aquela sua doença. Queria ir também. Queria ficar, também eu, embriagada com todas aquelas sensações.
Quando o Ricardo me ofereceu esta viagem, pelo meu 40º aniversário, senti que finalmente ia realizar um sonho. Mas também sabia - sabíamos ambos - que esta seria apenas a primeira abordagem. Uma semana na Índia é muito pouco. Afinal, este é um país que é quase um continente. E, como se não bastasse o tamanho, tem toda uma brutalidade de informação, riqueza cultural e religiosa, fervilhar de gentes, tradições e costumes, que o tornam um verdadeiro caldo imenso que necessita de uma longa, longuíssima digestão. Estive uma semana e sinto-me atordoada. A explosão diária para os sentidos chega a magoar o corpo.
Assim, não tenho qualquer pretensão absurda de achar que já sei alguma coisa sobre aquele lugar mágico. Se a Índia fosse uma refeição, diria que não passei do amuse bouche. Mas já percebi que quero continuar a comê-la, até à última migalha da sobremesa.
A Índia não se explica. Eu, pelo menos, não consigo. Não consigo explicar-vos porque é que é avassalador caminhar em ruas imundas, com homens que empurram carros de mão carregados de frutas, vacas que atravessam ruas onde milhares de carros, motas, carroças, riquexós, camelos e macacos se atravessam uns na frente dos outros, uma poluição que entra nos pulmões e atordoa, um ruído das buzinas que nunca cessa, de dia ou noite. Não se explica a beleza disto, sobretudo quando se vê tanta miséria, crianças que se ajoelham aos nossos pés a pedir dinheiro, que nos fazem ter vontade de as trazer connosco. Não se explica como é que, a par disto, a Índia tem evoluído tanto em termos tecnológicos, por exemplo, havendo como que um país a dois tempos. E, ainda assim, a Índia (esta pequeníssima parte da Índia que conheci mas, pelo que oiço dizer, leio e percebo, toda ela) é magnética e encantadora. A religião hindu é fascinante, com histórias elaboradíssimas e fantásticas e deixa-nos uma imensa vontade de saber mais e mais. Os monumentos de uma beleza… monumental (passe a redundância).
Creio que a melhor forma de explicar aquilo que vi é dizer isto: é como entrar numa máquina do tempo e, em alguns momentos e lugares, regressar à Idade Média. E isso é mais do que qualquer viagem pode oferecer. Nós podemos viajar para muito longe, mas sempre para o nosso tempo. Ali, é possível recuar no tempo. E isso é uma experiência inolvidável. Claro que quem não tem abertura para a diferença, quem não prepara a cabeça para outra realidade, quem só gosta de praias ou cidades cintilantes jamais poderá apreciar a Índia.
Nós por cá… já estamos a olhar para o mapa e a sonhar com a próxima viagem. Há tantos lugares que queremos conhecer: Goa, Bombaim, Kerala, Varanasi… Para a próxima, sem guias ou motorista. E vamos tentar ir por mais tempo, se conseguirmos convencer a malta por cá.

Um agradecimento do tamanho da Índia à minha mãe, que ficou com os nossos três filhos. Desta vez, numa gestão ainda mais difícil do que das outras vezes, com futebol 3 vezes por semana, natação duas vezes por semana, guitarra uma vez por semana, e mais uma festa de aniversário, e dois jogos no sábado. Grande mulher, caraças. Muito, muito, muito obrigada.


O regresso

Já se sabe que os regressos custam, sobretudo quando são viagens que nos entram pela alma adentro e pelo corpo e por todos os poros de nós, viagens que nos mudam, ainda que tenham sido apenas um toca-e-foge, viagens que - sabemos - vão fazer-nos voltar mais vezes, vão continuar a mudar-nos por mais tempo, quem sabe por anos, quem sabe pela vida toda. Por isso, saímos para o aeroporto com aquela tristeza do fim das férias que era, na verdade, mais do que isso - era uma tristeza do fim abrupto de um novo caminho que ainda agora se principiava a trilhar.
No aeroporto, o inferno. A fila para passar nos balcões de imigração não era grande - era absolutamente gigantesca. Eram vários balcões, cada um com as respectivas baias a formarem serpentes de gente à frente, um ar quente e irrespirável. Era meia-noite e meia, estávamos cansados, tínhamos sono, e ali ficámos 1 hora e meia. Depois dessa bonita fila interminável, outra para o check-in. Mais meia hora. Por essa altura, já estávamos esgotados.
Entrámos no avião e… azar. Ficámos na fila do meio e, pior ainda, nos dois lugares do meio da fila do meio. Ou seja, o Ricardo tinha um passageiro do lado esquerdo e eu tinha um passageiro do lado direito. Estávamos encurralados, não apenas dentro do avião, como também nos nossos lugares. Qualquer intenção de esticar as pernas ou ir à casa de banho teria sempre de passar por obrigar aquelas alminhas a levantarem-se.
Mas isso não era nada, comparado com o que ainda estava para vir.
Os passageiros foram entrando, entrando, entrando. A conta gotas. E traziam imensas bagagens de mão. Tantas que, às tantas, enfiar tudo dentro da cabine mais parecia um puzzle. Havia gente que tinha a mala quatro lugares atrás de si, porque não tinha arranjado espaço mais perto. Foi um verdadeiro filme encaixar tudo dentro do avião. Demorou 1 hora. Ou seja: o nosso voo já ia partir com 1 hora de atraso e nós ainda tínhamos de apanhar outro avião, em Bruxelas, sendo que, se bem se lembram (nós lembrávamo-nos bastante bem), tínhamos perdido o avião de ligação para Delhi, uma semana antes.
Ao nosso lado, dois belgas começavam a inquietar-se nos lugares. Não iam fazer voos de ligação mas um deles já estava há 15 horas à espera no aeroporto e o outro protestava (com razão) pela quantidade (e dimensão) absurda de bagagem de cabine que todos traziam.
Bom, uma hora depois já estava tudo arrumado, o avião dirigiu-se para a pista, a tripulação verificou se todo o pessoal tinha os cintos de segurança, se as cadeiras estavam direitas e as mesas recolhidas. Os motores principiaram a fazer um barulho diferente, aquele que antecede o ronco forte que acompanha o arranque. Nisto, uma mulher levanta-se e dirige-se à casa de banho. A tripulação agita-se. Quando ela sai, há movimentação, agitação e nervosismo. A casa de banho começa a ser alvo de entradas e saídas e é selada. O som do avião tornou a baixar e ninguém percebia nada. Às tantas, um membro da tripulação pergunta se há algum médico a bordo. Parece que sim. Todos se dirigem para a traseira do avião. O co-piloto aparece. Uns 10 minutos depois, aparece o piloto himself.
Por essa altura, nós os 4 (eu, o Ricardo e os dois belgas) estávamos claramente a ter um ataque de histeria, mas ao contrário. Começámos em teorias delirantes sobre um possível vírus mortal que agora ia obrigar-nos a uma quarentena, sairíamos do avião escoltados por uma equipa de cientistas equipados com fatos parecidos com os dos astronautas, ligariam para a nossa família e empregos lastimando o tempo que ficaríamos internados. E ríamos que nem uns idiotas (eu tinha alguma desculpa porque tinha tomado um ansiolítico) mas na verdade estávamos era em pânico.
Um dos belgas olhou para trás e viu a doente estendida no avião, deixámos de rir, o tempo passava e nós os dois estávamos quase certos que íamos perder, de novo, o próximo voo (uma vez que aquele não parava de atrasar e ainda tínhamos 9 horas de viagem pela frente).
A páginas tantas, o comissário de bordo veio comunicar que a passageira teria de ser evacuada e que, por isso, teríamos de esperar mais um pouco para começarmos o nosso voo. Nessa altura, já não pensávamos na chatice de irmos perder outro avião mas na desgraçada que estava ali em tão mau estado. Pronto, o avião voltou ao hangar, veio uma cadeira de rodas, levaram a senhora e nós começámos a achar que a coisa se ia finalmente dar. Mas… não. Faltava uma parte, que a nenhum de nós tinha ocorrido: foi preciso verificar - UMA A UMA - todas as bagagens de mão dentro das bagageiras da cabine. Claro. Por razões de segurança, a tripulação tinha de se certificar que todas as bagagens tinham dono, não fosse aquele mal-estar ser um embuste para a senhora sair e deixar para trás uma pequena bomba que nos levasse a todos desta para melhor. Ora… recordam-se de vos ter dito que havia passageiros sentados num lugar e a respectiva malita 4 lugares mais atrás? Agora imaginem lá o que não foi ter os comissários de bordo todos a perguntar: "De quem é esta? É sua? Não? É sua?"
Vimos passar pelo menos duas malas para a frente do avião, que devem ter sido postas na rua. Não sabemos (e creio que nunca saberemos) se eram de algum passageiro distraído que se esqueceu de dizer que era sua, ou se a doente era, afinal, uma perigosa bombista. O que sabemos é que o nosso voo saiu com 2 horas e meia de atraso. DUAS HORAS E MEIA DE ATRASO! Ou seja, em vez de 9 horas ali dentro, ficámos 11 horas e meia - o que significou que, lá pelo meio, tive de enfiar outro ansiolítico para o bucho porque tive um pequeno ataque de claustrofobia com direito a repetidos "quero sair daqui, quero sair daqui, quero sair daqui!!!!"
Felizmente, chegados a Bruxelas, conseguimos o voo para Lisboa. Mas, definitivamente, estava escrito que esta viagem havia de ser intensíssima do princípio até ao fim.