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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Sorver

Os indianos (não todos, mas os que fui vendo) sorvem. O nosso guia, que almoçou todos os dias connosco, sorvia com um som tão alto que me fazia corar. Comecei a achar que por lá não devia ser falta de educação sorver e tive a certeza quando, no cinema, vi um anúncio ao chá Pataka. Eu sorvo, tu sorves, ela sorve.



Coisas que aprendemos (ou aprofundámos) com o nosso guia #4

Na Índia, quase todos os polícias são corruptos. Se, na estrada, um condutor é mandado parar por alguma que fez, basta uma notinha na mão e, em princípio, a coisa resolve-se. Haverá excepções mas, segundo o nosso guia, esta é a regra. Para tudo, e não apenas para o trânsito. A única polícia em que se pode confiar é a polícia do exército. "Essa não é minimamente corruptível". Segundo o Mahendra, os elementos do exército são tão bem tratados que não lhes interessam luvas que possam pôr-lhes em cheque a boa vida. E esta boa vida significa ter um bom ordenado, uma casa para a família viver, contas de electricidade, água e gás pagas, possibilidade de fazer compras sem pagar imposto, escola para os filhos.

Coisas que aprendemos (ou aprofundámos) com o nosso guia #3

Os deuses hindus têm muitos braços. Não sei se todos (são milhares) mas os principais têm.
O nosso guia contou-nos a história de uma menina, Lakshmi Tatama, que nasceu em 2005 com 4 braços e 4 pernas. Ela foi imediatamente considerada uma deusa e algumas pessoas começaram a ir ao seu encontro, em adoração. Os médicos quiseram operá-la mas o povo não queria: afinal, para a população ela não era deficiente. Ela era uma deusa!
Mas Lakshmi conseguiu ser operada e hoje tem uma vida normal.
Fiquei fascinada com a história e fui procurá-la na internet. Aqui vos deixo a foto da Lakshmi antes da cirurgia, quando ainda tinha uma deficiência (ou quando ainda era uma deusa - tudo depende das perspectivas).



Coisas que aprendemos (ou aprofundámos) com o nosso guia #2

O império Mogol começou em 1526, entrou em declínio a partir do início do século XVIII e foi extinto pelo poderio britânico em 1857. Começou com Babar, que teve muito que lutar para manter o seu poderio e morreu muito cedo. Diz a lenda que, ao ver o seu filho Humayun gravemente doente, Babar deu 9 voltas à sua cama e pediu para ficar doente, em vez do filho. Por coincidência, contágio ou destino, Babar adoeceu e morreu em 1530. Humayun sucedeu ao seu pai. Mas também não teve vida fácil, rodeado de inimigos que queriam o trono de Delhi. Entre eles, havia um afegão chamado Sher Shah Suri, que lhe deu muito trabalho. Para sorte de Humayun, o engenhoso Sher Shah morreu de um disparo acidental. E Humayun pôde sossegar mais um pouco. Mas… não muito. Quatro anos depois, o filho de Babar teve uma queda fatal das escadas da sua biblioteca (pareciam embruxados).
Subiu então ao trono, com apenas 13 anos, o neto de Babar e filho de Humayun, Akbar. É o meu preferido dos mogois pela imensa abertura a outras religiões que não a sua (muçulmana). Era um diplomata e um conciliador. A Índia mogol desenvolveu uma economia forte e estável. Akbar gostava de literatura e arte e criou uma biblioteca com mais de 24 mil volumes escritos em sânscrito, hindi, persa, grego, latim e árabe. Akbar criou verdadeiros centros de arte e discussão. Desiludido com o Islão ortodoxo e cheio de vontade de agradar a todos, Akbar criou inclusivamente um novo culto, uma mistura entre islamismo, hinduismo e cristianismo, que provocou a ira nos muçulmanos mais radicais.
Durante o seu tempo, o império mogol triplicou em tamanho e riqueza.
Seguiu-se o seu filho Jahangir (de quem sei pouco) e depois Shah Jahan (o apaixonado e responsável pela construção do Taj Mahal. Por fim, o império mogol terminou com o odioso Aurangzeb, um impiedoso e fervoroso muçulmano que não só prendeu o próprio pai como matou os irmãos, rivais na disputa pelo trono. O seu fanatismo levou-o, ao contrário do avô Akbar, a perseguir os hindus. E isso acabou por se revelar fatal para o império mogol.



Coisas que aprendemos (ou aprofundámos) com o nosso guia #1

Nunca viajamos com guia. E, sobretudo, nunca viajamos em grupo. Odiamos excursões, detestamos manadas, rebanhos, todos juntos para todo o lado e, principalmente, para os lados mais turísticos e menos genuínos dos lugares.
Mas… desta vez não deu para prescindir do guia. Não fomos em grupo (isso é que não), mas as notícias das violações e o catatau deixaram a semente da insegurança e não nos sentimos suficientemente aventureiros para fazer a primeira abordagem à Índia por nossa conta e risco. Assim, fomos com um motorista e um guia e não arriscámos quase nada. De vez em quando estivemos sozinhos - tivemos algumas tardes livres (e todas as noites livres) - e aí fizemos as nossas próprias explorações, mas sem nunca metermos o nariz em ruelas muito estreitas e esquisitas e assustadoras (como fizemos em Marraquexe, por exemplo, ou em alguns lugarejos perdidos no nordeste do Brasil).

Ter um guia teve um lado muito bom: aprendemos imensas coisas. Nem tanto sobre os monumentos que visitámos, porque para isso há os livros e a internet, mas sobre a vida propriamente dita, a cultura e as tradições. Claro que há que ter em atenção que nem todas as coisas que o guia diz são a verdade absoluta. Não nos podemos esquecer que ele tem a sua própria noção da realidade que seria totalmente diferente se fosse um guia diferente. E, por isso, ter guia não dispensa continuar a aprofundar as informações, para que não se fique com uma ideia errada do país. Por isso… se houver aqui imprecisões, peço desde já desculpa. Vou continuar a ler sobre a Índia, para saber mais, mas para já o que aqui fica é um pouco do que ele nos foi dizendo.
O nosso guia era de uma pequena cidade do Rajastão e ainda vive segundo as tradições mais ortodoxas e fechadas, coisa que já não acontece em Delhi, por exemplo. De resto, ele fala de Delhi sempre com algum desconforto, dizendo que é "muito moderna" como se ser moderno fosse uma coisa má.

O que o Mahendra nos contou foi que, tirando em Delhi (e talvez numa ou outra cidade, não sei), em 90% dos casos, na Índia os casamentos ainda são arranjados. Os pais dele andam a tentar casá-lo há que tempos mas ele já recusou algumas vezes (tem 28 anos). Agora têm uma nova pretendente mas ele acha-a muito feia e anda a tentar livrar-se. Os pais estão zangados e dizem que, quando morrerem, Deus (ou seja Brahma ou Shiva ou Vishnu - ou outro qualquer dos milhares de deuses que existem na religião hindu) vai perguntar-lhes o que andaram a fazer para terem um filho solteiro. O Mahendra, apesar de ser todo muito certinho, não concorda com esta tradição e gostava de poder casar com que lhe desse na gana. Quando lhe perguntei pelo amor, ele respondeu, entre a tristeza e a resignação: «Aqui não há disso».
Claro que, quando chegámos a Delhi, percebemos que é toda uma outra realidade. As mulheres vestem coisas justas e saem à noite e namoram com quem querem. O problema é que a maior parte do país não tem nada que ver com Delhi. E o peso da família, da vizinhança e da perpetuação das tradições é brutal.
Esses casamentos arranjados têm, além do mais, de ser feitos dentro da mesma casta. Há 4 castas principais e não se lhes pode escapar (pelo apelido sabe-se a casta a que a pessoa pertence). Nasce-se numa casta e morre-se nessa casta (o Mahendra diz que é como se fizesse parte do ADN de cada um). Hoje, isso não é tão mau como já foi. Antigamente, quem nascesse na 4ª casta estava basicamente feito ao bife. Não podia estudar, não podia ter outro trabalho que não fosse o de varredor de ruas, não podia viver numa casa numa aldeia, não podia beber da água do poço da aldeia (só para dar um exemplo), e estava condenado a viver assim, sem hipótese de melhorar a existência. As coisas mudaram com Bhimrao Ramji Ambedkar (1891-1956). Ambedkar nasceu na 4ª casta e, por isso, estava impedido de estudar. Mas era muito inteligente e, certo dia, quando estava à porta de uma sala de aula (talvez a varrer, não consegui aprofundar), ouviu o professor fazer uma pergunta e nenhum dos alunos soube responder. Então, ele respondeu. Em vez de ficar irado, o professor ficou encantado com a sabedoria daquele menino, da 4ª casta. E fez um pedido especial para que ele pudesse estudar. Era o princípio do fim das castas tal como elas existiam na Índia.
Ambedkar estudou e tornou-se jurista, filósofo, antropólogo, historiador e economista (estudou muito, como se pode ver). Mas, sobretudo, tornou-se um lutador incansável contra a discriminação social que o sistema de castas da Índia promovia. Hoje, essa discriminação é proibida por lei e qualquer pessoa de qualquer casta pode estudar, trabalhar e ter altos cargos políticos.

Delhi: último dia

No último dia fomos conhecer a Jama Masjid, a maior mesquita da Índia, situada em Old Delhi. No seu pátio cabem 25 mil devotos. Foi outra das construções extravagantes do imperador Mogol Shah Jahan (o mesmo que mandou construir o Taj Mahal ou o Forte Vermelho). Esta mesquita tem 4 torre e 2 minaretes com 40 metros de altura. Para entrar, tivemos de nos descalçar (passei esta viagem a tirar os sapatos e, em alguns casos, também as meias) e eu, por ser mulher, tive de vestir uma espécie de robe largueirão.

 Ridículaaaa


Quando me preparava para fotografar o homem com a mesquita por detrás apareceu, como que por magia, uma menina que se pôs ao lado dele. E ali ficou, com o sorriso paralisado para a foto. Percebi imediatamente que ela ia pedir dinheiro pela foto mas não lhe resisti. 


Visão que se tem da mesquita, para Old Delhi


Se New Delhi tem prédios altos, centros de escritório, mulheres de calças ou saias curtas, avenidas largas e imensos jardins… Old Delhi volta a parecer-se com Jaipur ou Agra - uma espécie de Idade Média com carros e motas. Paupérrima, caótica, suja. Mas magnética e delirante. 




Joalheiros VIP IN (nunca a palavra VIP teve um significado tão… diferente, vá)

Uma banca de comida colada a… um urinol. Mas atenção! Não é um urinol qualquer! 
É um urinol "waterless & odourless". Ah! Assim está bem.


As ruas de Old Delhi têm intrincadas teias de cabos eléctricos - é como se cada prédio tivesse o seu próprio polvo gigantesco na fachada.  

De Old Delhi fomos ver o monumento a Mahatma Gandhi, a Porta da Índia e o palácio do Presidente.


Depois… fomos a dois templos. Um deles, Gurdwara Bangla Sahib, é o principal templo sikh de Delhi. Tem uma cúpula dourada e começou por ser um palácio, conhecido como Jaisinghpura, que era propriedade do marajá Jai Singh (séc. XVII). Nesse século, houve uma grande epidemia de cólera na cidade e o gurú Har Krishan ajudou os doentes, oferecendo ajuda e água fresca do lago da casa. A água desse lago é hoje considerada curativa e sagrada. Siks de todo o mundo vêm de todo o mundo para beberem e se molharem com esta água e até para a levarem para casa. O Gurdwara converteu-se num centro de peregrinação, não só para os sikhs como também para os hindus.



Para não variar, tivemos de nos descalçar. Meias incluídas. E tivemos que pôr um lenço cor de laranja na cabeça.
Bom… eu que até acho que sou descontraída e pouco enojadinha, tenho de confessar que foi um pequeno tormento ir até ao interior do templo descalça. Havia centenas de pessoas, todas descalças, e tínhamos de passar por um pequeno lava-pés aí com um dedo de uma água… turva. Se me tivessem filmado, estaria com uma careta de horror. Fui em bicos de pés e arrepios na espinha. 
Lá dentro, um sikh estava a fazer a oração. Todos de sentados nos tapetes, alguns completamente deitados e com a cara no chão, e o homem naquela ladainha que mais parecia uma zanga. O Ricardo, sentado ao meu lado, só disse "queres que te faça tradução simultânea?" e eu arregalei-lhe os olhos, respondi um categórico "não" e tive mesmo de me controlar para não rir - a graça destas "traduções simultâneas" que ele faz é encontrar palavras em português com terminações parecidas à língua original. A ladainha do homem - disse-nos o nosso guia - pode durar horas. Quando ele para, vem logo outro substituí-lo e assim ficam, todo um dia se for preciso.
No interior do templo não se podia fotografar mas ninguém disse nada sobre gravar a oração. Eis um pedacinho.



Seguiu-se a visita ao templo hindu Birla Mandir. Carregadinho de deuses hindus, a quem os devotos levam oferendas.


Ainda o casório



O realizador não é grande coisa e faz uns travellings um bocado rápidos mas devia ser da excitação do momento. A noiva vai ali ao fundo, com uns homens a segurarem-lhe numa renda por cima da cabeça, e o noivo espera-a na pérgola.