Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Delhi: primeiríssimas impressões

Chegámos a Delhi à tarde. Não tem nada a ver com Jaipur ou Agra. Aqui há prédios altos, grandes empresas, um cosmopolitismo que não existia (DE TODO) em qualquer uma das outras cidades.
Ainda posso dizer pouco desta imensa cidade (tem 18 milhões de habitantes - contra 5 milhões de Jaipur e 2 milhões de Agra). Apenas que já posso andar na rua sem sentir que olham para mim como se fosse um bicho raro. Que, apesar de moderna, continua a ser muito suja - eles atiram todo o lixo para o chão, mascam tabaco e cospem uma gosma castanha para o chão de cinco em cinco minutos (e para as paredes - hoje passeámos por uma zona de prédios brancos e os pilares estavam todos cuspidos de castanho), que o caos no trânsito permanece igual, que apesar de haver empresas e movimento e homens de negócios e grandes avenidas e jardins, não deixa de haver uma pobreza gritante. Estávamos a passear sozinhos (acabados de chegar a Delhi) quando uma menina se abeirou de nós. Não tinha mais de 5, 6 anos. Pediu esmola. O Ricardo disse que não tinha e ela atirou-se aos seus pés, a beijar-lhe os sapatos. Eu larguei imediatamente a chorar. Demos-lhe esmola, claro, e ficámos os dois parados, a vê-la afastar-se, imunda, com a nota na mão. Só queria trazê-la comigo, juro. Dar-lhe um banho, vestir-lhe um pijaminha, dar-lhe um jantar dencente, ler-lhe uma história e adormecê-la com festinhas. Hoje foi muito, muito duro. Não é que a gente não saiba que isto existe. Mas uma coisa é saber. Outra é ter uma criança aos pés, a implorar por algum dinheiro que lhe tire a fome. 

A história de amor que deu origem ao Taj Mahal

Ora vamos lá à história:
Shah Jahan, príncipe mogol, foi certo dia ao mercado (Meena Bazaar) e ficou extasiado com a beleza da jovem Arjumand. Perguntou-lhe então o preço de uma peça de vidro que ela tinha à venda. A rapariga, trocista, respondeu que não era um vidro mas sim um diamante e que custava 10 mil rupias. Evidentemente que ela não fazia ideia de que se tratava de um imperador. Shah Jahan pegou no vidro, pagou as 10 mil rupias e virou costas. Quando chegou ao palácio, disse ao pai que se queria casar com aquela divertida e linda rapariga. O pai disse que sim, mas eles precisaram de esperar 5 anos até poderem casar e, durante esse tempo, nem sequer se puderam ver. O dia do casamento, em 1612 foi uma festa memorável. Foi nesse dia que o imperador Jahangir (pai de Shah Jahan) deu o nome de Mumtaz Mahal (que significa: a escolhida do palácio) à noiva.
Os dois viveram muito felizes durante muitos anos. E tiveram 13 filhos. E foi no parto do 14º filho (por acaso uma filha) que Mumtaz Mahal acabou por morrer. Há quem diga que foi ela que lhe pediu que fizesse um monumento em sua homenagem, há quem diga que ela não disse nada e que a ideia foi do viúvo. Também se diz que Shah Jahan gritou muito alto quando a mulher morreu. E que ficou tão triste que, em três dias, a sua barba (que era preta) ficou completamente branca. O imperador não comia, não bebia, e só chorava. Depois do desespero veio a decisão de mandar construir o mais imponente mausoléu em homenagem ao grande amor da sua vida: o Taj Mahal. E ele aí está, para deslumbramento de todos, tantos séculos depois.
Shah Jahan acabou preso no Forte Vermelho, pelo próprio filho, a escassos quilómetros da sua obra grandiosa. A guerra entre os dois, pela sucessão, acabou na prisão do pai e na subida ao trono do filho. Diz-se também que o filho prendeu o pai porque ele queria fazer, do outro lado do rio Jamuna, em frente ao Taj Mahal, um outro Taj Mahal em mármore preto (e todo o tesouro do império já se tinha ido, com a construção do Taj Mahal). E até se diz que a sua megalomania de viúvo louco de amor e saudade o fazia pensar em edificar uma ponte sobre o rio Jamuna, que ligasse as duas construções. Aparentemente, o filho decidiu pôr um travão em tanta loucura. Diz-se ainda que Shah Jahan morreu olhando para o mausoléu que construiu em homenagem à sua amada, preso a escassos quilómetros e com vista para o Taj Mahal. Triste mais triste não há.

A última imagem que Shah Jahan terá tido do magnífico Taj Mahal, que mandou construir em homenagem ao grande amor da sua vida




Não sei se foi por causa da história, se pela beleza estonteante do Taj Mahal, o que sei é que, além da comoção da chegada, tive uma imensa comoção à saída. Custou-me horrores virar costas a este monumento de uma riqueza imensa (tem mármores de Jaipur, jade e cristal da China, turquesas do Tibete, Lápis Lazuli do Afeganistão, ágatas do Yemen, safiras do Sri Lanka, ametistas da Pérsia, corais da Arábia, malaquite da Rússia, quartz dos Himalaias, pérolas do Oceano Índico). Sabia que, em princípio, não o verei mais (há muito mundo para conhecer!) e primeiro que conseguisse virar-lhe costas foi um problema. Queria guardar aquela imagem bem dentro dos meus olhos, mas não apenas a imagem: a sensação impressionante de estar ali. Queria que me ficasse agarrado à pele, impresso na carne, queria ter a certeza que nunca mais me esquecia do que senti ao estar ali. O Ricardo sentiu exactamente o mesmo (com menos drama pelo facto de não ser gaja) e só disse "mas que raio de nó por me vir embora... nunca me aconteceu". Foi aí que percebi que talvez não fosse só mariquice minha e que o Taj Mahal deve ter mesmo um magnetismo especial, difícil de explicar por palavras.

Índia: Taj Mahal

Só me tinha acontecido isto uma vez, aos 15 anos, quando vi a Torre Eiffel ao vivo. Nessa altura, lembro-me de gaguejar, de ficar estarrecida, de pensar "caramba, eu estou mesmo aqui a vê-la!"
Hoje foi igualmente intenso, talvez mais porque a idade é outra e as sensações distintas.
O Taj Mahal é soberbo. Magnífico, deslumbrante, avassalador. Provavelmente a construção mais bela e grandiosa que já vi. Foi de tal forma arrebatador que agradeci o facto do Ricardo ter ficado a negociar o preço das fotos que um local insistiu em nos tirar, para poder afastar-me e comover-me à vontade. E com "comover-me" quero dizer chorar mesmo. Sim, chamem-me palhaça à vontade: eu chorei diante do Taj Mahal, muito disfarçadamente, a limpar depressa as lágrimas para ninguém ver, a sentir-me muito ridícula. Mas há ali uma energia qualquer que não sei explicar. Uma pessoa sente-se esmagada.
E depois há a história de amor por detrás, que também ajuda a sentir que aquele sítio é mágico e único e que é bom que seja eterno.






 A história de amor que deu origem ao Taj Mahal já de seguida.