Emprestaram-me este livro e estou a gostar muito.
Elisabeth Badinter é uma filósofa francesa que «ousou» contestar o instinto maternal. Neste livro ela relata a forma muito pouco amororsa como as mães trataram os seus filhos, ao longo da História, com especial destaque nos séculos XVII e XVIII. O que aconteceu ao instinto dessas (tantas) mães? Se ele existe desde sempre, que raio se passou com tantas mulheres que simplesmente desprezaram os filhos, abandonando-os à sua sorte, sem dó nem piedade? Mães que entregavam os filhos a amas que não conheciam, vendo morrer um e outro e mais outro, sem sequer chorarem essas perdas consecutivas, e repetindo a entrega do novo rebento à mesma ama onde tinham morrido 4, 5, 9 filhos. Será que o instinto existe ou o amor maternal é o resultado de um comportamento, variável com os valores sociais e culturais?
A descrição do que acontecia à maioria dos bebés entregues pelos pais às amas, onde ficavam até terem 4 anos (sem que os pais se interessassem sequer em ter notícias), é arrepiante. Primeiro a descrição de Gilibert, médico, que explicava que as amas iam trabalhar para os campos, deixando os bebés todo o dia entregues a si próprios: «Durante esse tempo, a criança fica inteiramente abandonada a si própria, afogada nos próprios excrementos, amarrada como um criminoso, devorada pelos mosquitos... O leite que bebe é um leite sobreaquecido por um exercício violento, um leite acre, seroso, amarelado. E assim, os acidentes mais aterradores põem-na de um momento para o outro a dois dedos da cova.» (Dissertation sur la dépopulation, 1770).
Em seguida, a descrição da própria Elisabeth Badinter: «Estas pobres amas são por vezes doentes: debilitadas pela má alimentação, contagiadas de bexigas na cidade, algumas vezes com sarna ou cobertas de escrófulas e escorbuto. As suas doenças alteram o leite e contaminam o bebé. Como acusá-las disso neste quadro de indiferença generalizado? Como as censurar também por defenderem o seu próprio bebé e alimentarem o filho de estranhos com restos do leite que sobeja, completado por caldos perfeitamente indigestos? Misturas de água e pão que mastigam antes de as dar à criança. Por vezes dão-lhe também castanhas esmagadas, um pouco de trufa ou pão macerado num vinho fraco e ácido. Como nos surpreenderíamos, deste modo, com a verificação de Gilibert: "Em breve, o ventre incha, sobrevêm convulsões e os pequenos infelizes acabam por morrer."?»
E um pouco mais adiante, nova citação de Gilibert: «Quantas vezes, ao desembaraçarmos as crianças dos panos que as amarram, não as vimos cobertas de excrementos que anunciavam a sua prolongada permanência ali com exalações pestilentas: a pele das pobres crianças estava completamente inflamada. O corpo coberto de úlceras sórdidas. À nossa chegada, teriam trespassado o coração mais feroz com os seus gemidos; avaliai os seus tormentos pelo rápido alívio que experimentavam quando se viam livres e soltas... ficavam esfoladas, se se lhes tocava um pouco mais rudemente, lançavam gritos lancinantes. Nem todas as amas levam a negligência a este ponto assustador. Mas podemos garantir que muito poucas há que sejam suficientemente vigilantes para manterem as crianças a seu cargo num estado de limpeza satisfatório...»
Instinto maternal?
Quer-me parecer que não. E quem não quer ter filhos? Tem uma deficiência no instinto?
Nah... Amamos os nossos filhos porque socialmente crescemos com esse padrão, porque desejámos tê-los, porque aprendemos a amá-los. Porque temos uma educação, um equilíbrio e uma estrutura emocional e social que nos permite amá-los. Quem não tem tudo isto, pode muito bem não os amar. E não é porque não tenha instinto, que isso... acho que nenhuma de nós tem. E, se querem saber, acho que a teoria da inexistência do instinto é até mais elogiosa para as mães. Porque o afecto e a dedicação com que tratamos os nossos filhos não nos vem da natureza (logo, sem mérito próprio) mas de uma construção, de uma decisão, de uma opção. Ou seja, de algo que meritoriamente edificámos.