Pequena Mada já tirou as fraldas, excepto para dormir. Tínhamos acabado de lhe pôr a fralda para a noite quando ela... fez um cocó. O pai estava a mudar a fralda fedorenta e eu fiz um esgar de incómodo. O Ricardo perguntou: - Cheira mal, não cheira? - Cheira mesmo muito mal! - respondi eu. Diz a Madazinha, muito pronta, de rabo sujo ao léu: - Não fui eu!
Eu já vos disse que adoro ver casas. Já vos disse que estou quase certa de que, assim como há pessoas que têm uma criança dentro de si, eu devo possuir um agente imobiliário no meu interior, apaixonado por tectos trabalhados, soalhos de carvalho, janelas de sacada, closets, piscinas e afins. Eu já vos disse isto tudo mas julgo ainda não vos ter dito que a minha panca por casas é tão grande que chego a sentir um apelo quase irreprimível para tocar à porta dos proprietários de grandes mansões, para lhes pedir, nem que seja de joelhos, que me deixem só entrar e ver, rapidinho e em silêncio, como é viver naquelas casas de sonho. Nunca o fiz, por pudor e lucidez de que ainda disponho, mas já estive muito tentada. Ora bem. Na minha vida de jornalista, já tive oportunidade de ir a muitas casas. Muitos dos meus entrevistados combinam a conversa no recato dos seus lares e, nessas ocasiões, a jornalista e o agente imobiliário que co-habitam em mim sentem-se felizes e em harmonia, como um casal de apaixonados em êxtase. Nestes 15 anos, já entrei por isso em muitas casas, umas muito humildes, outras modestas, outras normais, outras ricas, outras muito ricas. Algumas já me impressionaram. Mas nunca como a de hoje. Hoje fui entrevistar uma pessoa e fiquei incrédula com o que os meus olhos tiveram o privilégio de ver. Assim que estaquei no portão da casa, olhei para o palácio como... boi para palácio. Abri a boca e assim fiquei. Senti o coração acelerar - não era possível! Ia entrar numa daquelas casas que sempre desejei saber como seriam por dentro. Uma casa que era um verdadeiro palácio real. Com frescos no tecto e talha dourada, um pé direito de uns 4 metros (seria mais?), uma escadaria monumental em madeira. Salas e salões. Porcelanas e pratas. Janelas rasgadas para um terraço gigantesco sobre o mar, com vista para Cascais e para Lisboa. E o mar, todo o mar ali, à mercê da contemplação, a qualquer hora do dia. Uma casa-castelo sem, no entanto, ser fria. Uma casa-castelo, provavelmente na mesma família há muitas gerações, uma família de nome a condizer com todo aquele esplendor. Queria ter tido coragem para ser saloia, parola, inconveniente, mal-educada. Queria ter pedido, por favor, para ver mais um bocadinho. Uma casa-de-banho, a cozinha, talvez um quarto. O agente imobiliário que vive em mim estava louco, eufórico, histérico. Foi preciso dar-lhe dois estalos, para poder sair dali com dignidade. A proprietária, que já tinha entrevistado noutra ocasião (e noutro local), é muito nobre, não só de condição social como de gestos e coração. E, por isso, a jornalista também saiu contente com o trabalho. Ainda para mais, quando a jornalista elogiou o terraço dizendo «eu aqui escrevia muito melhor do que escrevo!», a querida proprietária, sobre quem a jornalista já escreveu, retorquiu: «Ah, não escrevia não. Melhor do que escreve era impossível!». Um elogio gostoso, sem sombra de dúvida. Mas tenho de confessar que o agente imobiliário está, até agora, com um sorriso nos lábios. E acho que vai ter sonhos lindos.
Morreu Carlo Peroni, o autor do Calimereo. O pintainho preto deve estar mais triste que nunca. E não se deve cansar de repetir: «Que injustiça, que injustiça!»