Parece que houve uma cidadã brasileira que se ofendeu porque eu falei num fruto da América do Sul, no post anterior. Na verdade, ela descobriu-me a careca: não passo de uma xenófoba nojenta, a insinuar que as brasileiras são umas prostitutas. Ah, espera. E as colombianas também. E as venezuelanas. Ah, caramba, e as equatorianas idem. Sou mesmo uma discriminadora porca. Porque no fundo, no fundo, o que eu quis dizer, na minha mente pérfida, foi que as peruanas também são umas mulheres da má vida. E as bolivianas. E as chilenas. E as argentinas. E... é pá, espera lá, são muitas... Na verdade, eu devia ser presa. Insultei 6% da população mundial, porque não foram só as mulheres as insultadas como também os seus pais, maridos e filhos. Shame on me. Shame on me.
Ah, e também houve quem acreditasse realmente na possibilidade de eu ir contar uma fantasia sobre um fruto picante ao meu filho, como designação de prostituta. Pois. É giro. Mas não. Era só uma piada, uma liberdade literária, uma ironia, um pedacinho de humor (falhado, está visto).
Olhem, e agora vou ali correr 10 km, a ver se me refresca a alma.
«Por trás liceu, pela frente museu», para designar aquelas mulheres que são todas jeitosas de costas, parecem umas menininhas, os magarefes até passam a mão pelo cabelo e ajeitam as costas quando as avistam, e depois quando elas se voltam... cruzes, credo, estão a cair do tripé. Gostava de ser uma quarentona e cinquentona (e até sessagenáriazona) assim. De preferência, a parte do museu podia estar também arranjadinha. Podia ser assim um museu moderno, de linhas direitas, e grandes janelas, hum? Dá muito trabalho, né? Correr todos os dias e fazer máquinas e massagens e agulhas e cenas, verdade? Pois. A ver vamos como é que isto de envelhecer corre.
A minha consulta com o Dr. Fernando estava, inicialmente, marcada para as 21.30. Mas, claro, avisaram logo que era para atrasar. A gente, quando marca, já sabe. Assim, à tarde recebi o primeiro telefonema: a consulta estava prevista para a meia-noite e meia. Ri-me eu, riu-se a assistente, riu-se o Ricardo. Rimo-nos sempre com a vida daquele homem que recebe cada mulher como se fosse a única da sua vida inteira. Eram dez da noite e recebi uma mensagem escrita no telemóvel. Dizia apenas: «1.30». Xinamén. Eu, que já estava meia a dormitar no sofá, decidi pôr o despertador para a uma da manhã. E adormeci. À uma, aquilo tocou e eu dei um salto, atordoada. Estava num sono profundo. Lá fui. Chovia. Raio de Julho este. Esperei um pouquinho pela minha vez, na sala de espera mergulhada em silêncio e noite. Depois, ele recebeu-me, de braços abertos e sorriso enorme, pedindo desculpa pela má hora como se fosse a primeira vez que tal sucedia, como se todas as suas pacientes não soubessem já como ele é, calmo e demorado com cada uma, como se cada uma fosse a única. E assim foi. Perguntou pelo Ricardo, pelo trabalho, pelos filhos. Não apressou, não apressa nunca, a conversa. Como se tivesse a noite toda, o dia todo. Um amor, realmente. E lá viu tudo o que havia para ver, com cuidados e calmarias de quem é médico e não talhante, de quem cuida e não despacha. Saí do consultório às 2.30 da manhã. Chovia mais ainda. Cheguei a casa perto das 3h. O Ricardo dormia no sofá. A Madalena dormia no chão. Eu ri-me ao olhar para as horas. Ele riu-se. E depois conversámos sobre o meu útero, casa onde já moraram três. E, assim, hoje tenho sono. Muito sono. O Dr. Fernando? A esta hora é bem capaz de já ter feito nascer um ou dois. Fora as vidas que o esperam, durante todo o dia. De maneira que deve estar, como sempre, bem acordado.