id="BLOGGER_PHOTO_ID_5591821725646154290" />Há bocado ouvi o Martim a gritar:
- Mãeeeee, mãeeeee! A Margarida está a sangrar, a Margarida está a sangrar!!!
Dei um pulo e vi sangue por todo o lado, no terraço. Paniquei. Pensei que fosse da boca, que o bicho me estivesse a escarrapichar sangue de algum derrame interno, temi o pior. Naquelas fracções de segundo que antecederam o salto que dei para o terraço, pensei: um derrame interno, pego-lhe e esvai-se, ai f***-**, e os miúdos ali, a assistirem a isto, ai.
Logo depois percebi que o sangue era de uma pata. Fiquei mais calma. E depois foi andar atrás dela, para a conseguir apanhar. Eu, o Martim, o Manel, a D. Emília. Finalmente, apanhei-a. Meti-a numa cesta e fui a correr ao veterinário, em Telheiras.
Era uma unha partida, nada de especial, aproveitei para dar uma vacina em atraso, mais o desparasitante e, quando chegou a hora de pagar, não havia multibanco e tive de ir levantar.
Quando estou a caminho da caixa multibanco, oiço gritos:
- Ajudem-me! Ajudem-me por favor!
Escrutinei o sítio com o olhar e eis que bato a vista numa senhora, velhinha, num primeiro andar, aos gritos:
- Ajudem, por amor de Deus! Eu morro aqui!
Aproximei-me, o coração em sobressalto.
- Ai, senhora, o que é que foi?
- Ai que eu morro. Ajude-me! É o 1º A.
Preparava-me para tocar e subir quando o lado mais consciente pensou:
- Espera lá. E se é algum mânfio a usar a velhinha como isco e depois eu entro e levo uma porrada na cabeça e sacam-me tudo o que tenho e o que não tenho?
Vai daí e saquei um senhor que ia a passar (salvo seja).
- Olhe, o senhor pode ir ali comigo? Uma senhora do 1º andar estava ainda agora aos gritos, a pedir ajuda, e eu tenho algum medo de ir sozinha. Sei lá o que vou encontrar.
O homem, que parecia não entender o meu medo de uma velhinha indefesa e aflita, assentiu, com surpresa no olhar.
No elevador, expliquei-lhe:
- Sabe-se lá se não é um ardil.
- Um quê?
- Quero dizer: se não está para lá um gandulo que me queira fazer mal. Assim sempre somos dois - e, mirando o homem de alto a baixo, pensei na minha ridícula escolha. Afinal de contas, o que é que aquele homenzinho baixo, gordito e a tresandar a álcool e sovaco poderia fazer para me defender?
Tocámos à porta, ao 1º A, B e C. E ninguém respondeu. Assustada, desci, com o homem a reboque.
- Vou ligar para o 112 - disse eu.
- Pois, é capaz de ser o melhor - respondeu ele.
Estava eu a falar com o senhor do 112 quando apareceu uma senhora, de bata, com ar de conhecer toda a vizinhança. Vi-a a falar com o meu ajudante e foi então que ela se abeirou de mim:
- Não é preciso ligar o 112, menina! A dona C. não está boa da cabeça, coitada. Diz que não quer estar sozinha e põe-se nestes preparos.
Certifiquei-me que sabia o que dizia, veio outra vizinha que atestou, e fiquei a saber que a senhora está demente e que grita muito. Mas que afasta todos os que se aproximam para ajudar, porque depois inventa que a roubaram.
E saí dali a pensar em como pode ser terrível, a velhice. E em como são afortunados os velhos que são os protagonistas desta semana no Nós Vencedores. Homens e mulheres com saúde física e mental, com família e amigos, com vida para viver.
Saí de Telheiras com uma coelha boa da pata mas com o coração apertado, porque a velhice é muitas vezes triste, e porque depois de uma vida inteira merecíamos todos acabar de outra maneira.