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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Deixei uma coisa ao lume, não vou poder ir, adeus

No domingo, se não houver nenhum revés, vou voar. Vou para a Lapónia.
É um dois em um e, no entanto, não estou feliz. Vou viajar, que é uma das coisas que mais gosto de fazer, e vou em reportagem, coisa que gosto tanto ou mais que a anterior. E, no entanto, tenho aqui na garganta um nó. Digam-me, por favor, que também vos passou a custar horrores andar de avião, deixando as crias para trás. Digam-me que pensam em deixar cartinhas escritas, para o caso daquela merda de empandeirar cá em baixo, fazendo manchetes de jornais e funerais tristes-tristes. Digam-me por favor que esta dor que tenho dentro do peito é normal e que também já tiveram vontade de não ir, de virar as costas e dizer: Ah, lembra-me agora que deixei uma coisa ao lume, que desagradável, não vou poder ir, adeus, adeus. Digam-me, descansem-me, façam-me sentir um pouco menos neurótica, por favor. É que suspiro o dia todo, e de noite acordo e não durmo, e olho para os meus meninos como se fossem os derradeiros olhares e estou a dar em maluca, olha que porra esta, eu a independente, a jornalista que vai aos sítios e propõe e tem a mania que é autónoma e voa e o caraças. Digam-me que não é só o meu signo, escorpião-nojento, que me faz ter esta tendência mórbida e fúnebre, digam-me que não são só as hormonas, que a verdade é que isto já me aconteceu antes, ter um ataque de pânico no aeroporto e o fotógrafo que ia comigo à rasca, Então pá? Ficas-te ou quê?, Queres um copo de água? Isso é um ataque de asma? Um ataque cardíaco? Queres que chame alguém? Quero!!! Quero que chames os meus filhos e lhes digas para se virem agarrar às minhas pernas a implorar para eu não ir, que eu assim não vou, e pronto, acaba-se esta merda desta ansiedade horrível, um avião é uma coisa demasiado grande e pesada para voar, e ainda há dois anos tinha uma colega do lado, no Diário de Notícias, que vi dizer "Adeus, pessoal! Roam-se de inveja, que eu já volto" e que afinal não voltou, porque o cabrão do avião decidiu afocinhar de encontro ao chão, e eu lembro-me bem do sofrimento que foi, e tenho o azar de o sítio para onde ela foi rimar com o sítio para onde eu vou, sim, merda, é verdade, Patagónia rima desgraçadamente com Lapónia, e eu estou à beira de um colapso cardíaco, e falta-me o ar, e choro, choro, choro a ouvir o Carlos Paião e a puta da cegonha, e é isto.