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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

So long, Maddie


Minha querida Maddie,

Por tua causa, estive quase-quase a meter-me no carro e a ir desbravar terreno à tua procura.
Por tua causa, fui para o Algarve uns meses depois cheia de medo que me levassem os putos por uma janela.
Por tua causa, chorei a ver noticiários e não dormi e comentei com taxistas, floristas, empregados de mesa, cabeleireiras, porteiras e gente em geral, conhecida e desconhecida, o que raio te teria acontecido.
Por tua causa, li e reli notícias e teses, umas que davam os teus pais como culpados até aos dentes, outras que indicavam um homem com um aspecto tenebroso.
E agora, um ano e tal depois, arquivaram-te. Não querem mais saber.
Não vão mais desbravar terreno à tua procura.
As pessoas vão deixar de ter medo que lhes levem os putos por uma janela.
E ninguém mais vai chorar nem perder o sono e muito menos comentar com taxistas, floristas, empregados de mesa, cabeleireiras, porteiras e gente em geral, conhecida e desconhecida, sobre o teu paradeiro.
Tal como não vai haver quem leia ou escreva teses e notícias, sobre a culpa dos teus pais ou do tal homem com mau aspecto.
Acabou-se, "pequena Maddie".
Não sei o que te aconteceu. Sei que já acabou. Passaste à História. Como o Rui Pedro, a Cláudia Sousa, o Alexandre Gabriel, a Sofia Oliveira. Nós, os abutres, esperamos uma nova tragédia sobre a qual comentar, chorar, lastimar e temer.

Serviço público

A gente passa a vida a dizer mal do sistema, que não funciona, que é terceiro mundista, que se espera anos por uma cirurgia e tal. Tudo verdades. Mas quando as coisas correm bem também é preciso prestar-lhes homenagem. Aqui vai a minha.

A minha médica de família, Drª Ascensão Albuquerque, é um anjo. Muito disponível e preocupada, ouve as pessoas horas a fio (o que faz com que esperar pela sua consulta seja de dar um tiro nos cornos, mas pronto), e não descansa enquanto não manda fazer todos os exames e mais alguns, para descartar hipóteses terríveis.
Os meus inchaços perturbam-na. E já me deu análises e análises para fazer e ecografias e o diabo a sete. Até ver, tudo cá dentro parece funcionar bem, os órgãozitos lá cumprem o seu papel. Por isso, avisou-me na consulta de quinta-feira passada que iria enviar o meu processo para o Curry Cabral, para eles pesquisarem coisas mais complexas que ela, ali, não podia pedir.

E eis que, na sexta-feira, ou seja, NO DIA SEGUINTE, recebi um telefonema do Curry Cabral, a perguntar se queria aproveitar uma desistência e ir a uma consulta de Medicina Interna na segunda-feira, ou seja, hoje. Disse logo que sim, com certeza, se fizer o favor, muito obrigada pela atenção, bem haja, Deus o proteja, saúdinha, cumprimentos à família, e etc.

Hoje, à hora marcada, lá estava eu. Esperei meia hora para me inscrever, mais 15 minutos para ser chamada. Subi uns degraus e entrei. A médica estendeu-me a mão e eu, esperando um trato espartano (para não dizer severo) confesso que fiquei uns segundos a olhar para a mão dela, sem perceber o que pretendia. Quando entendi, devo ter soltado um esgar e lá a cumprimentei, para depois me sentar e contei a triste história de dedos que aumentam de tamanho, uma barriga distendida, pés imensos, tudo de um momento para o outro, sem aviso prévio.

A médica perguntou tudo e mais umas coisas. E disse:
- Só tenho vaga para fazer análises para meados de Agosto. Mas vou pôr aqui que é muito urgente e vem amanhã. As funcionárias vão olhá-la com má cara. Não ligue. Se houver algum problema e disserem que não pode, vá ter comigo à urgência, que eu vou lá.
A esta altura eu já tinha o queixo caído. Mas ela continuou:
- Além das análises, quero que venha ter comigo da próxima vez que tenha um inchaço para tentarmos fazer uma biópsia.
E lá me deu todo o seu horário, às segundas está num serviço, às terças nas urgências, às quartas só está de manhã, às quintas vai para as consultas externas até às 14...
E eu saí dali com a sensação de que nem um hospital privado teria tão bom atendimento. Obrigada, Drª Ana Grilo, por me ter feito acreditar outra vez nos serviços de saúde públicos. Amanhã lá estarei, de bracinho estendido, a ver o meu sangue seguir para novas buscas.

Vou tomar banho ou não vou?

O Martim acaba de se despir, entrar na banheira e fazer chichi lá dentro. Eu ainda não tinha visto a poça de mijo quando o ouvi dizer:
- O Matim vai tomar banho.
E respondi-lhe:
- Não vai, não. São nove e meia da noite, agora vai mas é dormir.
Ele não pareceu convencido.
- O Matim vai tomar banhinho.
Foi quando me aproximei da banheira para o tirar que vi aquele lindo lago amarelo. Ele olhou-me de lado e sorriu.
- O Matim vai tomar banho.
Abri o chuveiro e resumi-me à minha insignificância.
Não. Não lhe bati. Já tinha a mão a escaldar da palmada que lhe dei, minutos antes, quando baixou as calças na garagem e exibiu o pirilau. Não se aflijam os pais mais acesos contra a brutalidade de pais que sovam as criancinhas. A minha palmada deixou-me a mão a escaldar. Mas ele nem gemeu.