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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Mãe

De cada vez que estou estafada com os miúdos, ou sempre que não me apetece lavar-lhes os dentes e deixo que vá o Ricardo, sem sequer me mexer do sofá, ou de todas as vezes que tive dúvidas sobre o que lhes dizer ou o que fazer com eles, penso na minha mãe. A minha mãe bem podia estar farta de mim que não tinha outra hipótese que não fosse aturar-me. A minha mãe tinha de me lavar os dentes todos os dias, que não havia lá outra pessoa para o fazer. A minha mãe até pode ter tido um milhão de dúvidas sobre o que me dizer ou o que fazer comigo, mas não havia mais ninguém com quem partilhar as dúvidas, os medos, as incertezas. Sempre que decidiu, teve de viver com isso. Nem sempre decidiu bem? E quem é que consegue ser sempre perfeito? E é por isso que só hoje, que tenho dois filhos, é que vejo com olhos de ver, e sinto com os sentidos inteiros como foi uma heroína, a minha mãe.

A minha mãe foi mãe e pai, porque o meu pai estava muito mais ocupado com a vida dele do que com a dela, com a minha ou com a de qualquer outra criatura que já tivesse nascido ou que tenha nascido entretanto, nomeadamente a minha irmã, pouco afortunada também nesta coisa da parentalidade. A minha mãe teve que ter rédea curta, cheia de medo que a genética vencesse a educação. E dizia-me sempre: “Tens de ser muito boa, tens de te portar muito bem, senão as pessoas vão dizer que fui eu a culpada, fui eu que não soube tratar de ti”. E eu ouvia tudo com os olhos grandes e cheia de medo de a desiludir. Não queria nada, mas mesmo nada, que viessem apontar-lhe o dedo a ela.

A minha mãe teve de me levar uma vez em coma para o hospital com uma bebedeira das grandes. A minha mãe teve de aturar as minhas birras, fitas, dramas, depressões, má-criações. As minhas mentiras na primária, as minhas negativas, um namorado que parecia um índio, e outras coisas um bom bocado mais sérias que estas.

A minha mãe ouve hoje os psicólogos a falar na televisão e culpa-se de muitas coisas, diz e repete que fez “o melhor que sabia”. E fez mesmo. Não se saiu nada mal, digo eu que aprendi a gostar de mim. Eu, sozinha, tenho as maiores dúvidas de que fosse capaz de fazer tudo tão bem feito.

E é por tudo isto, mãe, que te dedico mais este prémio que acabei de ganhar. Como dedico todos os que já recebi (e sempre também um bocadinho ao PRD, que não sendo meu pai é meu padrinho, e apostou em mim quando nem eu apostava, e se pudesse continuava a apostar, aposto). Obrigada, mãe-pai. E vai lá buscar um lenço, vá.