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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Cruzes canhoto


Estava à espera dos rapazes, perto do Centro Comercial Vasco da Gama. Eles tinham ido buscar o almoço, eu guardavas bicicletas. Nisto, aproxima-se uma cigana. Eu, que gosto do diálogo intercultural e adoro velhotas e as suas histórias, disse-lhe boa tarde assim que ela se abeirou e até achei graça quando a vi sentar-se junto a mim, começando a frase com: "Ai menina, sabe..."
Pensei: ora aí está, vamos lá escutar uma boa converseta.
"Sabe... Tenho uma filha muito doente no hospital e preciso de a ir visitar. Não me arranja 50 cêntimos para eu apanhar um transporte para a ir ver?"
Foi a primeira desilusão. "Claro, tinha de ser dinheiro... Que ingénua que eu sou." E lá lhe expliquei que não tinha um tostão (verdade-verdadinha), que estava só à espera do meu marido e dos meus filhos, e até lhe mostrei os bolsos, puxando os forros para fora, exibindo a minha pobreza temporária. Nisto, a doce e velha senhora transformou-se na bruxa da casinha de chocolate, da história Hansel e Gretel. "Então está aqui a fazer o quê? Veio para aqui ver os homens, foi?" Para má educação, má educação e meia: "Sim, foi isso mesmo. Vim aqui só para ver homens. Nem mais."
Ela levantou-se a praguejar e eu fiz aquilo que faço sempre: cruzei os dedos. Não sei quem me ensinou isto, é capaz de ter sido a minha querida avó, mas faço-o sempre que não dou uma esmola. Como acho sempre que me vão rogar pragas, faço sempre figas. Eu nem sou pessoa de acreditar em fantasmagorias. Mas é instintivo, imediato e não consigo deixar de o fazer.
Às tantas olhei para o lado, e a cigana estava novamente aos gritos. A senhora ao lado também lhe gritava: "Mas o que é que quer que lhe faça? O meu marido levou a carteira!" A velha afastou-se a praguejar. Olhei de soslaio para a incrédula senhora. E ri-me. Ela estava com os dedos cruzados.

Campainhas e alarmes e o raio que os parta




Digamos que o dia não começou bem. Eram 8 da matina quando tocaram à porta. Aquele "triiiiiii" prolongado aqueceu-me o sangue nas veias. Dormíamos profundamente, o que, aos fins-de-semana e feriados, nem sempre acontece (Os miúdos têm esta coisa de acordar às 7 em dias de descanso e, se pudessem, só se levantavam às 11 em dia de escola). De modo que ouvi aquilo e nem me mexi, a ver se ninguém despertava. Só que, passado 1 minuto, já eu estava a ferrar no sono outra vez, "triiiiiiii". Passou-me uma coisa pelos olhos. Levantei-me à bruta, disse cerca de vários palavrões, e caminhei batendo com os pés com tanta força que parecia uma manada furiosa de efefantes. Rodei a chave na fechadura as vezes necessárias para abrir a porta com estrépito, impusionei o corpo para a frente e vi a porta da frente aberta. Percebi imediatamente. Eram os homens das obras que, desprezando quem descansa, decidiram tocar à maluca para várias campainhas. Ainda assim, fiz-me de parva e comecei: "Quem é? Quem é? Quem é?"
E eis que, vindo da porta da frente, surgiu um homem, visivelmente assustado pelo ar de louca que eu certamente apresentava (o cabelo desgrenhado, os olhos a chisparem ódio, as sobrancelhas frisadas de raiva): "Não é ninguém, foi engano".
Engano? Engano? Eu estou a dormir, porra. O meu homem está a dormir! Os miúdos, veja bem, até os miúdos dormem. E pumba. Mandei com a porta e fiz todo o caminho inverso, dois corredores percorridos em passo bélico, um salto para a cama e mais uma chusma de impropérios.
Eram 9.30 da manhã. Dormíamos ainda (meu deus, meu deus! muito e muito obrigada). E é então que começa a tocar o alarme do prédio: tinóni-tinóni-TINÓNI-TINÓNI-T-I-N-Ó-N-I-T-I-N-Ó-N-I! Pensei que ia ter uma síncope. Os putos acordaram aflitos. Não, não era um incêndio. Eram os homens das obras, gente sem amor pela vida (agora percebo a quantidade de acidentes de trabalho na construção civil) e a abusarem da sorte. E assim começou o meu feriado.