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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

A culpa é do rissol


Estou doente. Ontem depois do almoço comecei a inchar. Os pés deixaram de caber nos lindos sapatos verdes de saltos vertiginosos. Por sorte tinha no trabalho a mochila da ginástica com os ténis, que calcei, a custo. A barriga deixou de caber nas calças. Inchei, inchei, inchei. Quando cheguei a casa e me vi ao espelho apavorei-me. Parecia um monstro. Na cintura, duas bossas vermelho-vivo, uma espécie de laçarote pousado na pança. Os pés fizeram-me lembrar o morto do filme Se7en, o que morreu por gula: os dedos estavam tão gordos que nem tocavam uns nos outros.
Mas, como sou louca e estou devidamente aterrorizada com o curso de Patrão Local, fui. Demorei muito tempo a lá chegar porque mal conseguia pôr os pés no chão. Mas fui. Sentei-me com os pés numa cadeira, tentei concentrar-me nos problemas, falhei todos. E continuei a inchar.
Depois da aula, fui para o hospital. O médico olhou-me, arqueou as sobrancelhas: "Isso é uma alergia das grandes! O que é que comeu?" Um rissol de camarão tornou-se o culpado. "Mas eu nunca fiz alergia ao marisco!", retorqui. "Pois, mas sabe... A partir de uma certa idade, podemos começar a ter alergias que nunca tivemos". Sim senhor. Já cheguei à idade em que nos dizem "A partir de uma certa idade".
Picaram-me o braço, deram-me cortisona, mais um anti-histamínico, caí para o lado uma primeira vez, depois outra.
Hoje dormi toda a manhã. E nem sei como consegui ir trabalhar à tarde, mas era dia de fecho da revista, tinha mesmo de ir. Tenho a barriga a parecer cortiça, sinto-me mal para caraças. E ainda por cima parece que não vou poder voltar a tocar em marisco. Porque cheguei a uma certa idade. Uma certa idade em que estas coisas (e outras) acontecem. É lixado. Mas, pensando melhor, é pior quando se quina antes de lá chegar. Por isso, que se f**** os rissóis de camarão. Que se lixem as estrias e os refegos. Parece que tudo isto é normal quando se chega... a uma certa idade.

Pelos cabelos

Na quarta-feira foi mágico. O cabeleireiro parisiense Sam esteve em Lisboa, mais concretamente no Palácio Foz, para cortar o cabelo a algumas amigas da Anabela Mota Ribeiro, entre elas eu (a maior amiga de todas, peço desculpa às outras, mas é assim mesmo). A ideia, além de dar tesouradas aos cabelos do gajedo, era fazer um filme, realizado pela excelente Rita Nunes. Estavam dois operadores de câmara, um técnico de som, uma maquilhadora, uma produtora, a própria Anabela, encarregue de perguntar às meninas, antes da aventura, então que tal, o que vais fazer, como é a tua relação com o cabelo, e depois do corte, então e agora, que tal te sentes, como foi?
Foi uma experiência única. Uma sala a fazer lembrar Versailles, uma cadeira no meio, o Sam a cortar. Tudo sem um único espelho. Só uma câmara e um microfone comprido apontados na minha direcção. E a porta fechada e a Anabela do outro lado. Ao fim de uma hora e meia, comecei a ficar ansiosa. Cabelos compridos no chão, eu a tactear a minha cabeça, ele numa obstinação perfeccionista sem fim. Eu a morder o lábio, ele felicíssimo com o resultado, a dizer que eu tinha cara de bebé, que era "la jolie Sónia", que lhe fazia lembrar a Bjork, exageros de artista deslumbrado com a obra.
Por fim, saí da sala e foi como aqueles programas em que gajas horríveis se transformam em princesas. Tudo aos gritos, que eu estava linda, maravilhosa, que era outra pessoa. A Anabela a entrevistar-me outra vez, eu outra, a contar tudo, a tocar no cabelo, a descomprimir.
Uma experiência de filme que vai ser mesmo um filme. Obrigada minha mana (já sei que a minha mana verdadeira vai ficar roída de ciúmes por chamar mana à outra. Podes parar já com isso, mana-de-verdade, que se há nesta vida quem te ame sou eu, ok? Pronto.).

Ninguém chumba? Não? Vai uma apostinha?

Desde o primeiro dia que nos dizem o mesmo: Aqui, nesta escola, nunca ninguém chumbou. Nunca! Esta escola tem sempre as melhores notas, nunca é menos que 17, 18, 19. Para aqui costumam vir os examinadores mais exigentes, fartos dos chumbos e das notinhas medíocres das outras escolas. Vêm para aqui, fazem os exames mais difíceis e, tufas!, os alunos surpreendem sempre. Nunca chumbam, nunca-nunca-nunca.
Vê-se que o comandante diz isto com orgulho, com vaidade, com satisfação. Tem razões para isso, claro, com certeza, porreiro pá. Mas a mim dá-me pavor. E o pavor cresce à medida que o tempo que falta para o exame se esgota. Eu estou em pânico, alminhas! EM PÂNICO! PAREM DE ME ESPETAR COM A EXCELÊNCIA DOS OUTROS! PAREM DE ME DIZER QUE NUNCA NINGUÉM CHUMBOU! Sobretudo numa aula em que há perguntas assim:

"A altura da baixa-mar é de 0,75 metros. A amplitude da maré é de 3,15 metros. O calado do navio é de 2,7 metros. A sonda reduzida (Sr) é de 14 metros. Qual a altura de água que terá debaixo da quilha na preia-mar?"

Eu leio isto e, automaticamente, milhares de células morrem no meu cérebro. Desfalecem e volatilizam-se. E fico obtusa a uma velocidade ainda maior que a da subida do preço dos combustíveis. E vejo-me, com 8 anos, na escola primária, de boca aberta em frente a um problema do tipo: O João tinha 9 laranjas...
Eu tenho um defeito cerebral. E tudo o que sejam problemas e números (e pior ainda se estiverem os dois juntos) dizimam-me células importantes na cabeça. Por isso, POR FAVOR! PAREM DE DIZER QUE NINGUÉM CHUMBA! SEMPRE QUE O FAZEM ESTÃO A PRATICAR VÁRIOS HOMICÍDIOS DENTRO DA MINHA MONA. Não tarda nem vou saber dizer o meu nome.

O Pedro


O Pedro nasceu há pouco mais de uma semana e nós fomos conhecê-lo ontem. E eu, tal como a mãe dele, fiquei abismada, não sei se com aquele tamanho, tão pequenino, se com o tamanho dos meus magarefes, por comparação tão grandes, tão rapazolas já, tão pouco bebés.
O Pedro nasceu e o Martim ficou boquiaberto a olhar para ele. Nunca tinha visto um bebé tão minúsculo, de modo que o apanhei várias vezes ao lado do berço, numa solenidade que nunca lhe conhecera, muito quieto, muito sério, sem se aproximar. Só a mirar aquela pessoa em miniatura. Foi o caminho todo de regresso a casa a dizer "O Matim não é bebé, o Matim não é bebé", como se constatasse, pela primeira vez, que há gente mais pequena que ele, gente do tamanho de bonecos, gente que se limita a dormir e a chorar um choro que não é bem um choro, é mais um gemido a aprender a ser choro.
E à noite, o Martim voltou a falar no Pedro e a perguntar:
- O Matim não é bebé, pois não?
E a gente sorriu e assegurou-lhe que não. E ele adormeceu, muito mais satisfeito.
(Parabéns, amiga. Bem-vindo, Pedro).

Um morto, apenas

Hoje comecei o dia com um morto. Já tínhamos deixado os miúdos no colégio, íamos no carro a ouvir o Tubo de Ensaio, do Bruno Nogueira, na TSF. E, de repente, lá estava. Um carro da polícia de intervenção, muita gente, umas fitas a isolar um espaço e, nesse espaço, estendido no chão, um morto. E, em redor, muitas pessoas. Umas com sobrolho carregado, outras rindo alegremente, como se assistissem apenas a mais um episódio do C.S.I.
Mas o que mais me perturbou foi o modo displicente como a polícia cobriu o morto. Um daqueles lençóis azuis tapava-lhe a cara, mas uma poça de sangue que lhe saía da cabeça estava ali, à vista de todos. E os fulanos conversavam alegremente, ao lado do falecido, sem notar nos olhos grandes de um miúdo, fixos no corpo pousado no chão, imóveis no vermelho que manchava a calçada portuguesa.
Entre o espanto do menino e os sorrisos de polícias e transeuntes pode medir-se a distância entre a ingenuidade da infância e a indiferença do mundo adulto. Ali estava um homem sem vida. O menino viu isso. Os outros não.

Um adulto com um brinquedo novo


Hoje tive de ir à Amadora à procura de uma loja de noivas (coisas do meu trabalho, que não importa agora esmiuçar). Meti-me num táxi, um Mercedes novo, brilhante e reluzente, conduzido por um rapaz de aspecto cuidado, com orgulho visível e indisfarçável no seu bólide. Disse-lhe o nome da rua-destino, o senhor confessou não saber onde ficava e eu, que tinha calculado isso mesmo, expliquei que ficava no cruzamento a seguir ao Centro Comercial Babilónia (repetindo o que me haviam dito a mim). O taxista assentiu mas, ainda assim, começou a digitar no seu GPS. Via-se que também o GPS era a estrear, limpo, impecável, e o homem brioso do seu aparelho, salvo seja.
Bom, seguimos viagem.
De vez em quando, a senhora que vive dentro do GPS dizia as coisas que estas senhoras dizem: A 800 metros voltar à direita; a 700 metros deixar a rotunda na segunda à esquerda, e por aí fora. Ele sorria, confiante na máquina, feliz.
Andámos, andámos, andámos. Eu falei ao telefone, deixei de falar ao telefone, falei novamente, desliguei outra vez. Até que ele me diz:
- Bem, é aqui na próxima à esquerda. Mas olhe que isto não tem nada a ver com o Babilónia! Já estamos na Venda Nova!!!
- Não? E eu com isso? Eu disse-lhe que a rua ficava ao pé do Babilónia.
- Mas aqui o GPS...
- Oiça. O que o seu brinquedo lhe diz, o que o senhor diz ao seu brinquedo, são lá coisas vossas, nada contra, cada um brinca com o que quer e ninguém tem nada com isso. Agora, eu quero ir para a Avenida D. Nuno Álvares Pereira, ao pé do centro comercial Babilónia. Vocês os dois entendam-se.
Contrariado, o homem lá percebeu que a máquina o tinha mandado para outro sítio qualquer e eu, por sorte, não fui malhar com os ossos a Vila Real de Santo António.
Ainda assim, deixou passar dois semáforos de verde para encarnado, só para tornar a escrever a morada, a ver o que a senhora que vive dentro do GPS o aconselharia a fazer. E bufava, danado com ela. Adultos com brinquedos novos dá nisto.

O desnorte de quem quer medir o norte

PV= PA + V
ZV= ZA + V
PA= PV - V
ZA= ZV - V
V= D + delta

Tenho um caderno cheio de fórmulas. E contas. E + com + dá +. E - com - dá +. E graus e minutos à mistura.
Se me dissessem que à conta de querer aprender a navegar ia voltar à matemática não acreditava. A ver se não naufrago, como sempre me aconteceu com os números no tempo do liceu.

Cá dentro inquietação, inquietação

E se vendêssemos tudo e montássemos um turismo rural no alentejo?
E se eu largasse o meu trabalho e abrisse um espaço de festas de crianças?
E se criasse um café alternativo, com livros, revistas e camas?
E se fôssemos viver para o Brasil?
E se me despedisse e ficasse como free-lancer?
E se ficasse a vender casas? Comprava, recuperava e vendia?

Todas as semanas isto. Todas as semanas. Semana ante semana ante semana. Será que vou viver de "e ses" até à reforma?

Mortos, feridos e outras calamidades que podem acontecer a quem se mete num barco


Ontem o comandante Martins da Cruz decidiu aterrorizar-nos com algumas das coisas que podem acontecer quando se levanta ferro e se sai com uma embarcação para o mar. Uma espécie de apresentação do "lado lunar" do lindo e glamoroso mundo dos barcos. Sinceramente, preferia que não o tivesse feito. Agora, sim, estou absolutamente segura de que jamais me meterei em semelhante aventura.
1 - Nevoeiro - "Imaginem que vêm do Algarve para Lisboa. Saem à meia-noite, para não apanharem uma nortada, o tempo está bom. Mas, ao chegarem ao Cabo de S. Vicente... eis que são apanhados num nevoeiro denso. Nem conseguem ver a proa. Se não tiverem um radar, vão estar numa das situações mais angustiantes que podem existir".
(Obrigadinho. Imaginar-me ao leme de uma casca de noz, sempre à espera do momento em que vem de lá o Queen Mary fazer-me em picado era mesmo o que eu estava a precisar na minha vida).
2 - "É muito fácil cometer um crime por negligência a bordo de uma embarcação". Esta frase já teria bastado para me acagaçar. Mas o detalhe foi ainda mais longe: "Se baterem no fundo porque não estudaram as cartas ou porque estavam desatentos e se, com o embate, alguém cair e morrer... a culpa é vossa. Já aconteceu uma criança cair, bater com a cabeça e morrer numa situação dessas." Sim senhor. Era mesmo isto que eu queria imaginar: um dos meus filhos morto porque eu dei com o barco num banco de areia. Porreiro, pá.
3 - Nunca largar uma embarcação fundeada.
Ora aqui está uma das imagens mais idílicas de ter um barco feita em pedaços. A gente quando sonha ter um barco sonha com o quê? Chegar a um sítio bonito, perto de uma praia deserta, largar ferro (ou, para leigos, mandar a âncora) e saltar para as águas verdes, nadando até às areias quentes, ó meu deus, que bom. Pois bem: NUNCA se deve fazer. Porquê? Simples: porque quase nunca o ferro fica fundeado. Quase nunca enterra na areia. E se a nossa linda embarcação ficar solta e embater noutra provocando estragos ou "se a afundar, matando quem lá estiver dentro a dormir" (meiguinho, isto), a responsabilidade é... nossa.
No final da aula de ontem só conseguia pensar: O que é que eu estou aqui a fazer??
Hoje estou mais calma. Mas continuo a ter muitas dúvidas de que ter a carta vá servir para mais do que para isso: ter a carta, ao lado dos outros vários cartões que travam amizade dentro da minha carteira.

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