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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Vampira?


Sempre gostei de reportagens pesadas. Gente a sofrer, gente que sofreu, sofre e sofrerá. Nunca soube explicar muito bem porquê. Quem me conhece sabe que não é por qualquer gosto mórbido de exibir as misérias dos outros, não é prazer por qualquer choradinho bacoco, violinos a tocar em fundo, lágrima fácil ao canto do olho. Não é isso. Justifiquei-me sempre o melhor que soube: gosto de pessoas que já viveram, que já têm no corpo e na alma cicatrizes fundas. Porque, para mim, é na ruptura, é no limite que a gente se revela. Um divórcio inesperado. A morte. A dor. Uma doença súbita. Um sexo errado, um homem que devia ter nascido mulher, uma mulher que devia ter nascido homem. A fome. A guerra. O abandono. A demência. Só quem vive um dilema, só quem fica ou ficou encurralado pelo destino pode ter o peso que, a mim, me importa revelar.

Há quem brinque com isto. Há mesmo quem diga que uso as desgraças dos outros para camuflar a minha própria vida (supostamente) miserável. "Tu gostas dessas reportagens porque elas te fazem sentir imensamente feliz, quando te comparas com os casos que relatas."

Confesso que estas opiniões me deixaram a pensar: Será? Será que eu preciso de ver gente que sofre verdadeiramente para desvalorizar os meus mesquinhos queixumes? Será que é isso que eu faço? Vampirizar a desventura dos demais para enaltecer a minha existência?

Admito a hipótese. Mas acho que é muito mais que isso. Acho que quem vive e ultrapassa as mais inomináveis desditas merece a minha, a nossa atenção. E, sim, pode servir de exemplo para desvalorizar as nossas ridículas depressões. No entanto, uma coisa é certa: é-me muito mais difícil viver agora, longe das histórias pesadas que sempre foram o meu objecto de estudo. Talvez me falte o tal termo de comparação, se quiser acreditar nas más línguas. Ou então, como eu prefiro acreditar, talvez me falte a densidade das coisas. Talvez me falte a vida.