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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Rato, esquilo, texugo

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Toda a vida passei por fases de luta contra o meu corpo. Quando se gosta de comer e beber - como eu - das quatro uma: ou se tem uma genética do caraças e está tudo bem; ou se vive em constante privação; ou se engorda e não se quer nem saber; ou então engorda-se, depois toma-se consciência dos estragos, faz-se dieta, emagrece-se, e depois volta a exagerar-se um bocado e torna a engordar-se, e assim sucessivamente. Sou claramente o quarto caso. Tive em tempos um namorado que dizia que eu tinha três modos: o modo rato (quando me privava, emagrecia muito e ficava mesmo magra), o modo esquilo (que era quando estava normal, nem magra nem gorda), e o modo texugo (não é preciso dizer mais nada, certo?). Ele tinha toda a razão. Toda a minha vida fui rato-esquilo-texugo e repete tudo de novo.

Lembro-me de ser miúda, aluna do 5º, 6º ano, nadadora de alta competição e desmaiar com frequência porque além de treinar de manhã e ao fim do dia, várias horas, passava com frequência o dia inteiro com uma maçã no bucho (era a minha ideia inteligentíssima de fazer dieta). Experimentei tudo, de criança até hoje: comer só uma maçã, treinar como uma tarada, comer de forma equilibrada (é o melhor mas por vezes os resultaods demoram muito e enerva), fiz a dieta da seiva, da LEV, do Póvoas, do Tallon, fui ao Pedro Choy (foi, em bom rigor, a fase em que estive mais magra de sempre), consultei várias nutricionistas (estou agora numa), até inventei dietas (em adolescente) espectaculares: se eu só comer leite condensado e mais nada... quem sabe não emagreço? (para vossa informação, não emagreci. Damn!)

Bom. Hoje, com a idade a que já cheguei, com a graça do Senhor, deixei de ser tão violenta comigo. A minha nutricionista do momento frustra-se com a balança, que recua a uma velocidade inferior ao que ela pretendia, eu também me sinto um pouco irritada com isso, mas a verdade é que eu conheço a razão. Não é azar, não é uma cabala que o universo montou contra mim, não é uma cena astral que me sucedeu. Eu simplesmente entrei numa fase da vida em que não estou para isso. Vejamos: não quero abardinar, não quero desrespeitar-me desleixando o meu aspecto físico (que também se traduz na saúde), quero gostar de mim e do meu corpo (ou pelo menos não o odiar), mas também não quero viver uma vida espartana de carmelita descalça. Não quero. E sabem porquê? Porque aos 15, aos 20, e até aos 30, se tivermos sorte (e eu tive), a vida é tão leve e solta e porreira que podemos sacrificar-nos na comida e na bebida. Que se lixe. Não nos machuca assim tanto, afinal de contas, tudo o resto é só alegrias. Ora... quando se chega a uma determinada idade, já nos aconteceram algumas coisas ruins. É normal, é a lei da vida. Decepções, desgostos, perdas. Coisas que doem mesmo cá dentro. A vida pode continuar a ser maravilhosa (como a minha felizmente é) mas dentro do peito já há cicatrizes e algumas são fundas. Vai daí que não dá para me virem dizer que acabou o vinho, não há direito nem a um copo. Não aceito trincar apenas alfaces e legumes, ou treinar duas horas por dia, todos os dias, como uma condenada. Não dá. Pelo menos para mim não dá.

Assim, houve aqui uma espécie de acordo tácito entre mim e o meu corpo: não temos um amor de perdição mas convivemos bem, uns dias melhor, outros pior, mas de forma saudável. Estou de dieta? Estou. Mas alto lá com o andor. Não vai tão depressa, vai mais devagar. Há dias em que olho para o espelho e acho que nem estou assim tão mal, outros em que olho e penso: eeeeeeeh texugo! Tranquilo. Já sei que é assim. No aspecto físico como em tudo o resto, há dias melhores e dias piores. O importante é encontrar o equilíbrio e não negar todo o prazer em troca de uma promessa idiota e vã de "corpo perfeito". Que se dane! A perfeição é uma seca e, na verdade, quem é que, no seu juízo perfeito, quer assim tanto ser um rato?

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