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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Este blogue retomará a normalidade possível na próxima semana

Vou ser sincera. Posso? Por mim, ficava neste caldo de tristeza pelo tempo que me apetecesse, o que podia ser mesmo muuuito tempo. Odeio quando me dizem que "tenho de arrebitar" como se isto de nos morrer alguém funcionasse como um interruptor na nossa vida, agora desligamos um dia ou dois e a seguir, click!, ligado de novo!!!! Yeaaah! Voltaste! Viva! You're back! Já não era sem tempo! 

Há uma pressa, uma urgência em sermos de novo felizes que me exaspera um bocado. Como se só houvesse um estado possível na existência: a alegria. Eu sei, eu sei. As redes sociais servem-nos júbilo a cada segundo (e eu faço parte da pandilha): há crianças amorosas e gatinhos amorosos e vestidos cintilantes e viagens de sonho e pratos gourmet e festas tão divertidas e glórias várias que partilhamos porque é premente que exibamos todo o esplendor da nossa condição. Se querem mesmo saber, acho que tudo isto somos nós cheios de medo do envelhecimento, do esquecimento e da morte. Estamos tão apavorados com o fim que só queremos mostrar a todos - e a nós mesmos - que continuamos por cá e estamos "na maior".

A verdade é que, nesta sociedade em que vivemos, a tristeza é como um incómodo aos olhares dos outros, uma maçada que ninguém quer ter de suportar. Estar triste mais do que dois dias já é considerado "depressão". Ou, no mínimo, um exagero. Alguém de quem gosto, no velório do meu amigo, despediu-se de mim com um abraço e a frase incompreensível "tenta não sentir as coisas tão profundamente". Oi? Como assim? Como é que somos amputados de alguém que amamos e não o sentimos profundamente? É suposto que fiquemos só meio-tristes? 1/4? Um nadinha? Quantas lágrimas é aceitável libertarmos sem sermos considerados "depressivos", "exagerados", "chorões", "frágeis"? 

Desgraçadamente não consigo sentir as coisas pela metade. Temos pena. Quando estou feliz estou feliz - e consigo permanecer grata pelas coisas mais pequeninas da vida (que geralmente são as maiores) - quando estou triste estou dilacerantemente triste. E recuso-me a seguir em frente, a não pensar, a não "escarafunchar na ferida". O meu luto é feito de vasculhar nas caixas, de procurar fotografias, de reler dedicatórias, bilhetinhos, cartas. Tenho ganas de me magoar, o mais fundo possível, não me perguntem porquê, é a minha forma de lidar com isto. Neste momento, sinto-me como à mercê de uma maré. Há momentos em que pareço flutuar num mar-chão, quase sem sentir nada, para logo de seguida me sentir em pleno canhão da Nazaré, sendo que não sou o McNamara. Acabo invariavelmente por ficar à beira do afogamento, para depois conseguir vir à tona por mais um bocado.

Durante este ano em que o Pedro esteve doente, houve momentos em que estive muito triste. No final do ano passado e início deste ano, estava tão triste que os mais atentos perceberam-no. Sou demasiado transparente e notava-se à légua que algo não ia bem. Depois procurei ajuda e lá fui conseguindo gerir, até porque houve momentos em que acreditei mesmo que ele ia safar-se disto.

Lembro-me de uma noite em especial. Já sabíamos que estava doente (soubemos no dia a seguir ao meu aniversário, há um ano), estava a fazer quimioterapia, e eu não falava com ele há uns dias. Nessa noite, tive um evento para o qual fui convidada e onde estava a minha querida Júlia Pinheiro, também ela amiga do Pedro (obrigada, Júlia, por teres sido tão querida). Quando me viu, aproveitou que me encontrou sozinha para me perguntar, com ar grave, se já sabia que o Pedro estava internado. Tive de fazer força nas pernas para não me desmoronar. Não sabia. Trocámos logo mensagens, eu e ele, ele a dizer que não era tão grave assim, era "só" um efeito da quimio (sempre na sua dignidade e força) mas a minha noite terminou ali. Só não me fui embora porque era um compromisso profissional. Quando tirei fotografias, via-se toda a tristeza no meu sorriso. Toda. E quando postei aqui essas fotos, houve uma anónima que disse que eu devia ter metido botox porque estava inchada na cara. Eu estava inchada de chorar. Outra anónima (ou a mesma) disse que eu tinha ar de frete nas fotos e que nem disfarçava. Eu estava de rastos. Mas, claro, ninguém tinha de saber. E quando se quer ser mau é indiferente se a maldade nos atinge num dia feliz ou num dia em que estamos na merda. Talvez a anónima, se soubesse do meu estado, fosse capaz de o fazer na mesma. Em quase 10 anos de blogue já aprendi que há mesmo gente(?) capaz de tudo. É indiferente. Ninguém sabe nunca de tudo o que se passa na vida de quem expõe uma parte dela, ainda que às vezes pareça que sim. Só se sabe aquilo que queremos que se saiba. 

 

Tudo isto para dizer que, para ser completamente verdadeira, este blogue teria de ficar em banho-Maria durante bastante tempo. Mas se houve coisa que também aprendi com o Pedro (e antes dele com a minha mãe, essa extremosa educadora para a responsabilidade) foi a honrar os meus compromissos profissionais (e os outros). E sobre isso não posso deixar de agradecer às marcas (e agências de meios e de comunicação) com que trabalho por me terem deixado adiar uma semana várias publicações que estavam marcadas. É bom perceber que há clientes que, apesar de terem os seus timings bem definidos, as suas campanhas, os seus interesses comerciais que obedecem a prazos apertados, conseguem respeitar a dor de alguém que a última coisa que queria era fazer vídeos, publicar posts animados, fazer publicidade (ainda que a produtos com os quais existe uma identificação óbvia e real). 

O meu blogue já não é só o meu diário virtual. É o meu trabalho. E isso é bom mas, nestes casos, também é mau. Se fosse só um diário fechava-o até ser possível. Como não é há que continuar com ele. Por acaso tenho a sorte de me terem dado esta semana para me recompor (na medida do possível), mas para a semana vai tudo ter de voltar a acontecer. Em bom rigor, se estivesse numa redacção, não tinha remédio: ou punha férias ou tinha de lá estar batida na segunda-feira seguinte, sem complacências. 

É possível que não me vejam tão animadota e palhacinha como costumo ser (tirando alguns vídeos que foram gravados antes), mas isto com o tempo há-de voltar ao normal. 

Obrigada pelas vossas mensagens. Tantas. Na sexta-feira passada, no sábado e nestes dias o meu telefone simplesmente não parou. Comentários, emails, sms, telefonemas. Esse é um dos meus consolos. Saber que todos sabiam o quanto eu gostava daquele homem. Principalmente ele, a quem não me cansei de declarar o meu amor de pupila-afilhada-filha-irmã-amiga. Aliás, a última mensagem que lhe mandei, na véspera da sua partida, foi novamente isso: uma declaração de amor. Sugiro que o façam a todos os que amam. É um peso a menos neste peso imenso que fica dentro de nós. 

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Este sábado, depois do noticiário das 10h, o João Gobern vai fazer o último Hotel Babilónia, na Antena 1, em homenagem ao seu melhor amigo (desde a adolescência) e seu parceiro de programa durante 8 anos. Vai valer a pena ouvir. 

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