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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Chaves de casa

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Ontem foi o dia de aniversário do meu filho mais velho. Queria ter tido tempo para pensar um pouco nisso mas acabei atropelada por uma série frenética de acontecimentos. E, em bom rigor, diria que a minha vida é toda assim. Eu bem queria degustar disto e daquilo mas as coisas sucedem-se a uma velocidade vertiginosa e resta pouco tempo para a contemplação. E começo (talvez seja da idade) a sentir falta da contemplação.

De manhã tive uma entrevista, a última de 11 que fazem parte do trabalho mais giro da minha vida (ou, pelo menos, sem dúvida um dos trabalhos mais giros da minha vida). Quando terminou já era hora do almoço e encaminhei-me para casa. Recebi uma notícia horrível por mensagem no telemóvel e fiquei logo sem vontade de fazer mais nada. Mas pronto. Era o aniversário do meu filho, e isso sobrepõe-se a qualquer má notícia, por pior que seja.

Depois do almoço, fiz algumas coisas que tinha mesmo de deixar feitas, respondi a alguns emails de trabalho, escrevi um post para aprovação de um cliente, e fui ao talho comprar carne para o jantar de aniversário do Manel. Cheguei ao talho e não havia lombos recheados prontos. Tinham que os rechear. Ou seja, não saí dali com o que queria (para deixar temperado o tempo suficiente como gosto), mas deixei encomendado para ir buscar mais ao final do dia. Como ainda faltavam 15 minutos para a reunião que tinha marcada com a professora da Madalena, segui para uma pastelaria em Moscavide onde costumo por vezes comprar os bolos de aniversário (geralmente até gosto de ser eu a fazê-los mas ontem claramente não tinha tempo) e pedi à senhora dois bolos - um para o Manel, outro para o Mateus. A senhora atrapalhou-se e espatifou com um dos bolos no chão. Se eu fosse dada a interpretações manhosas de mensagens que o Universo nos envia tinha logo calculado que havia ali um sinal de que o resto do dia ia continuar esquisito, mas encolhi os ombros e pensei "é um bolo, é um azar, acontece, felizmente há na montra outro igual, esquece lá o Universo."

Paguei, levei os bolos para casa e saí para a reunião na escola da Mada. Voltei para casa, recebi o Martim que veio da escola, pedi-lhe para vir comigo e fomos ao talho buscar a carne e a seguir fomos ao supermercado buscar coisas várias que me faltavam para o jantar. Chegámos a casa, pousei as tralhas e pedi ao Martim para ir comigo a uma loja de chaves que há perto de casa. Eu e o pai queríamos oferecer ao Manel as chaves de casa. Ele é muito responsável e já as podia ter para aí desde os 8 anos, mas ainda não as tinha porque nunca sentimos essa necessidade (a D. Emília está sempre em casa quando ele vem da escola e, se porventura não está, temos a minha mãe a viver mesmo em frente - que também tem a chave). Mas achámos que simbolicamente era bonito darmos as chaves de casa aos 16, mesmo continuando a não ser propriamente preciso. Enfim, coisas nossas. Lá fomos. O senhor fez a chave do prédio, fez a chave de casa, o Martim viu um porta-chaves do Sporting (perfeito) e nós fomos à nossa vida, já em passo acelerado, que havia muito para fazer. Testei as chaves e, se a do prédio funcionou, o mesmo não se pode dizer da de casa. Bufei, rosnei, e voltámos à loja a correr (já começava a ficar apertado para preparar o jantar - eram 16 criaturas a jantar lá em casa).

O homem martelou a chave mas pediu para nos acompanhar até casa, para testar in loco. Muito bem. Veio, testou e o teste correu tão bem que... trancou a D. Emília dentro de casa e não conseguiu voltar a tirar a chave da fechadura. Na rua ficámos eu, o Martim, o senhor das chaves e... - vim a saber depois - a minha mãe e o Mateus (que tinham ido passear o Mojito), e a Mada, que tinha ido à mercearia comprar um chocolate para oferecer ao irmão. Perfeito. Ri-me. Achei que era uma questão de tempo até o homem resolver o assunto e fui à volta (felizmente moro num R/C e entrei pelo terraço). Também pelo terraço entrou o cão (içado com grande esforço porque é grande como um burro), o Mateus, a Mada e o Martim, que andou a fazer piscinas como um maluco.

Enquanto o homem esburacava sem sucesso a minha porta, eu temperei os lombos, meti-os no forno, e comecei a pôr a mesa. Encontrei a toalha que tinha posto a lavar no fim-de-semana (e que é a única que tenho que cabe na mesa quando ela está aberta ao máximo), mas tinha-me esquecido de pedir à D. Emília para a passar a ferro. Abri a tábua, praguejei para dentro, e a D. Emília, quando me viu numa azáfama desenfreada, ralhou comigo por não lhe ter pedido para passar a toalha, eu vociferei um "lembrei-me lá eu da toalha! Tê-la lavado para hoje estar pronta já foi um milagre!", ela arrancou-me o ferro da mão e começou ela a passar. Agradeci e fui fazendo a salada, preparando o pão, os queijos, pondo as batatas fritas em tigelas. E o homem sempre a esburacar a porta. E a porta sempre sem se abrir. Nisto... a luz foi abaixo e ficou um breu profundo (sim, eu sei que a esta altura vão achar que estou a inventar, para dar mais emoção ao relato - compreendo e respeito a vossa incompreensão, mas foi exactamente assim que se passou). Não sabia do meu telefone para ligar uma luz, tinha o Mateus paralisado de medo, fui às apalpadelas pelo corredor até ao armário onde está o quadro, repetindo um "calma, está tudo bem, calma, a mãe já vai ligar a luz outra vez") mas... azar dos azares, o problema não era resolúvel no interior de casa mas sim no painel do prédio. Pedi ao Martim - que nessa altura estava lá fora ao pé do senhor das chaves - que tentasse ligar o botão certo, mas ele não fazia ideia de qual era o botão. De maneira que tive de sair pela janela, pelo terraço, atravessar o condomínio, dar a volta ao quarteirão, chegar à entrada do prédio, abrir o armário da electricidade, carregar no bendito botão e gritar para dentro de casa: " JÁ HÁ LUZ???" Quando responderam que sim, fiz o caminho inverso, chorei um minuto de nervoso, limpei o que restava da minha dignidade à manga da camisa, entrei já mais composta, esperei que a D. Emília acabasse de passar a toalha a ferro (o idiota do meu quadro não aguenta um ferro e um forno ligados ao mesmo tempo) e quando ela terminou comecei então a assar os lombos (com um enorme atraso - e uma camada de nervos que nem vos passa pela cabeça). 

A seguir foi pôr a mesa, continuar a ouvir o homem esburacar, depois ouvi-lo dizer que estava à espera de um colega da central, porque infelizmente iam ter de mudar o canhão e arranjar chaves novas para toda a gente. Ri-me para não chorar. Mas desejei que se despachassem porque não estava a ver os convivas a entrarem todos pela janela, tendo que galgar um muro ainda um bocado alto. Felizmente eles lá conseguiram abrir a porta a tempo de a D. Emília sair para a sua casa sem ter de fazer salto de obstáculos, bem como os comensais que, pouco depois, começaram a chegar.

A carne ficou boa, o arroz também, os bolos excelentes, ainda se entornou uma boa parte de uma garrafa de vinho por cima da mesa (e aí pensei nos sinais do Universo, temendo mortes por engasgamento durante o jantar, ou coisa parecida), mas o resto da noite correu sem incidentes (felizmente).

E pronto. O Manel fez 16 anos e eu ainda nem tive tempo de pensar muito nisso. Se calhar, vendo bem, começo mas é a acreditar nos sinais do Universo. Vai na volta e o Universo sabe que eu não estou pronta para aceitar que tenho um filho tão crescido e entope-me de peripécias rocambolescas para que eu não me detenha em nostalgias, melancolias e dores na alma (e nas cruzes). Se assim for, obrigadinha Universo! (mas já que falamos, assim num tu-cá, tu-lá, deixa-me dizer-te que aquilo das chaves foi um bocado rebuscado, caneco!)

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