"Aquela coisa", todas as noites
Há coisas que acontecem na nossa vida sem que saibamos muito bem como acontecem. Simplesmente sucedem e, no lugar de questionarmos ou rejeitarmos esse acontecimento, por muito peculiar ou inusitado que nos pareça, aceitamos.
Foi o que se passou com a minha filha Madalena. A Mada acredita em Deus, gosta de rezar e isso, para mim, nunca foi uma questão. É óvio que me surpreendeu, que ainda estou para perceber como é que isto aconteceu, mas aceito, ajudo, estou cá para a apoiar naquilo que faz sentido para ela, ainda que me seja estranho, ainda que não me esteja entranhado, ainda que não saiba bem como fazer.
Assim, instituímos o ritual de rezar todas as noites. E, assim, nasceu mais um potencial "beato". O Mateus. Quando nos deitamos e ela está cravejada de sono, capaz de se virar para a parede e dormir, é ele quem lembra:
- Então e aquela coisa?
- Que coisa?
- Rezar!
E lá rezamos. Um Pai Nosso (que ele já sabe, apesar de ser hilariante ouvi-lo porque falha quase todas as terminações), um "Anjo da Guarda, minha companhia, guardai minha alma, de noite e de dia", um pedido de saúde para toda a família e amigos e um agradecimento pelo tanto que temos. Segue-se o melhor e o pior do dia, de cada um de nós os três. E é amoroso ouvi-los dizer coisas como: "O pior foi quando a mãe ralhou" ou "o melhor foi quando joguei à bola com a mãe no recreio, quando me foi buscar", "o melhor foi o passeio de bicicleta de manhã".
Há coisas que acontecem na nossa vida sem que saibamos muito bem como acontecem. "Aquela coisa" que fazemos todas as noites aconteceu-nos e, acreditem ou não, tem sido uma pequena delícia. Porque fazemos a revisão do dia, agradecemos, pedimos (mas só saúde que é, como se sabe, o que realmente interessa). "Aquela coisa" foi das melhores que nos aconteceu. A ponto de já não imaginar melhor maneira de adormecer.