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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Clube de Leitura sobre Fernando Pessoa

Lá convenci o Manel a ir. Não ia propriamente exultante mas também não fez fincapé para não participar. Eu e o irmão Martim ficámos a adivinhar o que diria quando voltasse, os adjectivos pejorativos que usaria, o desdém, as críticas arrasadoras a tudo aquilo.

Enganámo-nos redondamente. 

Que gostou muito, que lhe foi dada a possibilidade de reflectir, que discordou de algumas coisas e concordou com outras, que leram excertos, que foi muito bom. E, pese embora o facto de já estar a prever que o segundo encontro não será tão bom como este (a quem será que sai, neste balizar as expectativas sempre por baixo?), já disse que conta marcar presença.

Wow!

Muito obrigada à Casa Fernando Pessoa pela iniciativa. E muito obrigada à Andreia Brites por ter conseguido cativar um adolescente cheio de ideias feitas e razões e farpas prontas a lançar (ou seja, um adolescente normal 😂). Que jeitão deve ter para isto!

Relembro que estes encontros são GRATUITOS e que se realizam na última terça-feira de cada mês.

O próximo é no dia 27 de Fevereiro!

 

Maltinha do Porto, acuse-se!

Ando com esta ideia aqui a matutar e queria saber de vossa justiça: quem gostava de ter um Clube de Leitura na Invicta? Mas para participar! Não é só para dizer que existe e depois ninguém põe lá os pés e vai esta alminha de Lisboa de propósito para ficar como Santo António, a pregar para os peixes.

Dizei-me cá: quantos de vós, que estão desse lado, apreciáveis ter no Porto uma reunião mensal à volta dos livros?

 

Queridos, mudei o terraço: o filme

Tal como contei AQUI, a Recer contactou-me para proceder a um extreme makeover no terraço cá de casa. 

O que posso dizer?

Ficou absolutamente deslumbrante. 

Este ano vamos abusar dos jantares ao ar livre.

Muito obrigada à Recer!

Agradecer também à Versatilorbis (e especificamente ao Luís) pelo profissionalismo. Repito: foi a empresa que apresentou o orçamento mais competitivo e que despachou o assunto em 3 dias. Merecem toda a divulgação e só tenho pena de não ter uma casa inteira para recuperar ou construir, que lhes entregava a empreitada de certeza absoluta. 

 

 *post em parceria com a Recer

O Showroom (onde estão todos os materiais em exposição) fica na R. Fernando Palha 29D, 1950-130 Lisboa.

 

Clube de Leitura e jantar de Natal. Vocês nem sonham o que andam a perder!

Éramos 21, na Fnac do Colombo. A maioria era composta pelos suspeitos do costume mas havia 5 caras novas (que espero voltar a ver). Uma surpresa: a Rita, que foi mãe da Helena há apenas 3 meses, apareceu para participar, com a pequena Helena ao colo, atentíssima a tudo, escavacando a teoria da Didi que, na última sessão em que ela compareceu (tão grávida que tememos que tivesse a criança ali mesmo), se despediu dela dizendo: "Então até daqui a 10 anos!" 

Houve várias sugestões que me ficaram mesmo a apetecer ler e acho que consegui contagiar umas quantas com as minhas escolhas (Fim, de Fernanda Torres e Somos o Esquecimento que Seremos, de Héctor Abad Faciolince).

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 Então vamos lá a saber o que cada um leu:

BeatrizNo Meu Peito Não Cabem Pássaros, de Nuno Camarneiro

Joana - Não leu nenhum. "Eu nem era para vir, que estava com vergonha, mas a minha mãe insistiu e eu, como gosto de vos ouvir, lá vim. Não consegui ler nada, para a próxima vou tentar compensar!" Era o que faltava, Joana! Todos podem vir mesmo sem ter lido - ouvem sugestões de leitura, deixam-se contagiar, participam na conversa de outras formas, com livros que já leram ou histórias que viveram e está bom na mesma.

LurdesCuidado Com O Que Desejas, de Jeffrey Archer (uma saga de 7 livros que se lêem num abrir e fechar de olhos)

Elizabete - A Volta Ao Mundo Em 80 Dias, de Michael Palin. Seguindo a rota que Phileas Fogg fez 115 anos antes, Michael Palin (dos Monty Pyton) conta aqui a sua viagem de circum-navegação. Com peripécias e o humor que se conhece. Fiquei cheia de vontade.

              - O Silêncio, de Fiona Barton. A descoberta das ossadas de um recém-nascido leva a cabo uma descoberta que vai deixar duas mulheres muito inquietas.

             - Para Lá do Inverno, de Isabel Allende - Para Elizabete, que é uma fã da autora, este livro ficou aquém das expectativas.

RitaO Prodígio, de Emma Donoghue - Uma menina não come e ainda assim sobrevive. É milagre, dizem todos. Até que uma enfermeira se ocupa dela dia e noite e percebe o que se passa.

Ana - O Fio das Missangas, de Mia Couto - Vinte e nove contos unidos como missangas em redor de um fio, com a escrita deslumbrante do autor moçambicano.

       - Três Com Tango - Como já vem sendo habitual, a Ana traz também um livro infantil. Diz que este devia constar na prateleira de todos nós. A história (verdadeira) de dois pinguins machos que se apaixonaram, no Zoo de Central Park, em Nova Iorque. Embevecido ao perceber as tentativas do casal de chocarem uma pedra, o tratador deu-lhes oportunidade de terem um filhote, ao colocar um ovo no ninho. E assim nasceu Tango, o primeiro pinguim-fêmea a nascer com dois pais. Já está na minha lista para comprar!

CéliaUma Questão de Fé, de Jodi Picoult. Uma criança começa a conversar com Deus, a citar passagens da Bíblia sem nunca a ter lido e a fazer milagres. De repente, mãe e filha vêem-se perseguidas por crentes e não crentes e o livro acaba por ser uma lição sobre religião, dor e amor.

SóniaA Rapariga de Antes, de J.P. Delaney - Foi a estreia da Sónia no Clube de Leitura mas acho que vai repetir. :) Duas mulheres, uma casa de sonho, o mesmo destino? 

Paula - Jalan Jalan, de Afonso Cruz. A Paula, que também teve na sexta a sua estreia nestes encontros, confessou-se rendida ao estilo de Afonso Cruz. Percebo-a bem. 

Ana Melo - Siddharta, de Herman Hesse - Também foi a primeira vez que Ana participou. Gostou muito da peregrinação de Siddharta por um país pobre, e toda a contemplação e aprendizagem. 

       - A Ana, que é nutricionista (e disse-mo no exacto momento em que eu tinha ido buscar um bocado de bolacha de chocolate, damn it!), levou também o seu livro: Mudanças e Atitudes de uma Nutricionista.

Isabel Oliveira - O Caminho Imperfeito, de José Luís Peixoto. Trata-se do relato da longa viagem a uma Tailândia para lá dos lugares-comuns do turismo.

Isabel SobrinhoManual Para Mulheres de Limpeza, de Lucia Berlin. Um livro de contos, com "histórias de mulheres como ela: mulheres que riem, choram, amam, bebem, vivem e sobrevivem. Histórias de mães e filhas, casamentos fracassados e gravidezes precoces. Histórias de emigração, riqueza e pobreza, solidão, amor e violência."

Susana - Billy and Me, de Giovanna Fletcher. A história de um amor que obriga a muitas concessões, nomeadamente no que respeita à privacidade.

             - Quiet Power, de Susan Cain. Serão os introvertidos menos capazes que os extrovertidos? Ou terão segredos escondidos que são, na verdade, poderosos?

Também foi a estreia da Susana, mas espero que repita! 

Joana Madeira - Homens Bons, de Arturo Pérez-Reverte. "Na Europa do século XVIII, dois homens viajam em segredo. A sua missão? Levar para Espanha algo proibido: os 28 volumes da Enciclopédia Francesa de D'Alembert e Diderot. A delicada tarefa está nas mãos do bibliotecário don Hermógenes Molina e do almirante don Pedro Zárate, membros da Real Academia Espanhola. Mas estes dois académicos estão longe de imaginar as peripécias que os aguardam…" Igualmente uma primeira vez, no clube. 

Didi - O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago. É a obra de um génio sobre a obra de outro génio. Só podia correr bem. 

       - O Mandarim, de Eça de Queiroz. Não convenceu muito a Didi, que ali não encontrou o Eça de sempre.

       - O Retorno, de Dulce Maria Cardoso. Como não amar este livro sobre a descolonização e o regresso de mais de meio milhão de pessoas, escrito magistralmente?

       - Romão e Juliana, de Mário Zambujal.  Uma escrita deliciosa, garante a Didi.

       - É Isto Que Eu Faço, de Lynsey Addario. Fiquei louca para ler este. A história da fotojornalista de guerra e a dureza da vida de uma mulher num mundo de homens (e de morte).

Sara - Vidas Roubadas, de Mary Kubica. Uma mulher vê uma adolescente com um bebé ao colo num comboio. A imagem não lhe sai da cabeça e, quando a volta a encontrar, decide ajudar mãe e filha acolhendo-as em casa. Quando começa a saber mais sobre o passado desta estranha, porém, há revelações perturbadoras.

Fátima - O Caderno de Maya, de Isabel Allende. A história de Maya Vidal, "dezanove anos, sexo feminino, solteira, sem namorado por falta de oportunidade e não por esquisitice, nascida em Berkeley, Califórnia, com passaporte americano, temporariamente refugiada numa ilha no sul do mundo."

Rosa - Good in Bed, de Jennifer Weiner - Uma mulher termina uma relação e o seu ex-namorado escreve um artigo em que descreve como é o sexo com uma gordinha. Podia ser um acto horrível (e é) mas acaba por a confrontar com o modo como lida com o seu corpo e com a sua (falta de) auto-estima.

Diana - O Perfume, de Patricl Suskind. Inesquecível a história do perfumista Jean-Baptiste Grenouille, em busca do perfume supremo, forma única de alcançar o belo, mesmo que para isso seja preciso cometer os crimes mais hediondos.

          - A Vida de Pi, de Yann Martel - A Diana ficou deslumbrada com este vencedor do Man Booker Prize 2002. "O filho do administrador do jardim zoológico de Pondicherry, na Índia, Pi Patel possui um conhecimento enciclopédico sobre animais e uma visão da vida muito peculiar. Quando Pi tem dezasseis anos, a família emigra para a América do Norte num navio cargueiro juntamente com os habitantes do zoo. Porém, o navio afunda-se e Pi vê-se na imensidão do Pacífico, a bordo de um salva-vidas, acompanhado de uma hiena, um orangotango, uma zebra ferida e um tigre de Bengala. Já considerado uma das mais extraordinárias criações literárias da última década, "A Vida de Pi" é um livro mágico, onde o real e absurdo se misturam numa história intemporal.

Ricardo - A Rapariga No Comboio, de Paula Hawkins. Rachel, divorciada, que desistiu de si e se entregou à bebida, faz todos os dias o mesmo percurso de comboio, para ir procurar emprego. Vê todos os dias um casal e fantasia sobre ela, sobre ele, sobre ambos. Imagina a sua vida feliz. Até que um dia, vê algo que muda tudo.

Eu - A Rapariga no Comboio, de Paula Hawkins.

     - Fim, de Fernanda Torres. O delicioso relato da vida de 5 amigos cariocas, perto do fim. Velhos, cheios de frustrações mas também de uma vida muito vivida, recordam os tempos áureos, paixões, traições, felicidades e percalços. Uma maravilha de escrita. O primeiro de muitos romances de Fernanda Torres, espero.

     - Somos o Esquecimento que Seremos, de Héctor Abad Faciolince. O autor recorda o pai, que lutou pela defesa da igualdade e dos direitos humanos, até ser assassinado em Medellín. Uma história de amor imperdível.

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A seguir fomos para o Italien Republic, ali mesmo no Colombo, onde já em Dezembro tinha ficado marcado o jantar mas, pelas razões que muitos recordam, acabou por ser cancelado. O gerente, Adelino, que já tinha sido espectacular quando foi da marcação para uma Black Friday, quando liguei a desmarcar, aos soluços (nunca o termo Black Friday teve tanta razão de ser para mim), voltou a ser impecável. Compreendeu perfeitamente e disse para não me preocupar com o assunto. Claro que agora o jantar só podia ser lá. E correu tudo muito bem. Divertimo-nos, trocámos presentes (livros, claro) e até ficámos com vontade de fazer isto uma vez por mês, a seguir ao clube de leitura. :)

Adoro-vos, malta! Até daqui a um mês!

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 Obrigada, uma vez mais, à Fnac que nos recebe sempre tão bem! 

Consultório #7

Bom dia, pessoas!

O Consultório de hoje é para todos os que sofrem com as constipações e gripes e afins aí por casa. Já sabemos que estamos na época delas, tudo muito bem, sim senhor, mas não podemos negar que são chatas, que trazem dores de cabeça aos pais, e muuuuito incómodo aos nossos pequeninos (e quanto mais pequeninos mais complicado porque não sabem respirar pela boca).

A higiene do nariz parece coisa pouca mas aprendi com o Dr. Paulo Oom que pode ser a peça-chave para evitar males maiores. É claro que não é um escudo impenetrável contra a bicheza que anda no ar, mas evitar que se acumulem porcarias no nariz pode mesmo impedir o desenvolvimento de infecções maiores.

Espero que ajude!

 

*Correcção e explicação do sucedido

No texto sobre a petição, eu escrevi que a petição iria ser discutida na Assembleia da República mas, quando enviei para a Cristina verificar se o texto conteria alguma incorrecção, ela alterou para Palácio de Belém. Estranhei mas pronto, corrigi. Pensei que podia ser alguma coisa excepcional. 

Agora, quando surgiram mais pessoas a questionar (não apenas no blogue mas a minha mãe, ao telefone, e uma amiga também) decidi perguntar de novo. E, afinal, era realmente na Assembleia da República. Foi a chamada correcção incorrecta. :)

Tudo está bem quando acaba bem. 

Está de novo corrigido, para a versão original. 

Mulheres do caraças #4

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Fui ter com ela à Leitaria Quinta do Paço, no Mercado do Bom Sucesso (Porto), sem saber muito da sua história. Sabia que tinha tido um cancro, mas eu ia ao seu encontro pela justíssima petição que tinha criado e que, por ser justíssima e também pela sua perseverança e tenacidade, tinha chegado ao incrível número de 17 mil assinaturas (agora já vai em 18 mil), indo por isso a discussão na Assembleia da República, no próximo dia 31 de Janeiro.

Quando lhe pedi que começasse por onde se deve começar, ou seja, pelo princípio, ela cumpriu: "Em 2012, descobri que tinha um cancro de pulmão". E eu, que perdi há dois meses um grande amigo com esse tipo de cancro, e que tenho outro amigo na luta contra esse mesmíssimo cabrão, senti a mão falhar-me no caderno, a letra a ficar mais fraca, a respiração suspensa. Houve ali um momento de choque que tive de superar, confesso, agarrando-me ao facto de ela o ter descoberto há quase 6 anos e estar ali, viva e com excelente aspecto, a conversar comigo.

Cristina Coelho da Silva Alves tem 51 anos. Professora de Desenho e Geometria Descritiva A. Casada, mãe de três filhos.

Era Agosto e estava de férias quando, ao passar creme depois de mais um dia de praia, sentiu um nódulo grande no pescoço. Filha de um médico, cirurgião, soube logo que não vinha de lá coisa boa. Depois de consultar o "Dr. Google" disse ao marido: "Temos aqui um problema. Tenho um cancro. Ou é pulmão, ou é um linfoma ou é estômago." Como em 2009 tinha tido uma hemorragia pulmonar e tinha andado a ser seguida no hospital até Novembro do ano anterior, descartou de imediato o pulmão. Por outro lado, como a avó paterna tinha morrido de cancro de estômago, achou logo que era por aí. 

Faltavam 10 dias para acabarem as férias. Era Agosto, mês de pausa para a maioria dos médicos. Apesar de nuvem negra que lhe pairava por cima, e com o pragmatismo que a caracteriza, decidiu continuar no Algarve, a aproveitar o tempo de sossego que lhe restava. No dia 3 de Setembro, uma segunda-feira, entrou no IPO do Porto de onde saiu com um diagnóstico mauzinho: tinha um adenocarcinoma pulmonar no estadio III B. Foi sozinha de táxi para casa. Ou melhor, não foi sozinha. Foi com a sua sentença, que tinha peso e corpo e dimensão praticamente palpável. "Sentia uma pena profunda de mim própria. Cheguei a casa, naquele processo de auto-comiseração, e precisei de ruído. Liguei a televisão, estavam a dar notícias, e a primeira coisa que ouvi foi que um camião se tinha despistado, em Lisboa, e colhido numa esplanada mãe e filha. Uma tinha morrido e a outra estava em estado crítico no hospital. E foi aí que pensei: 'com que direito é que eu estou aqui a sentir-me miserável? Aquela pessoa estava numa esplanada e morreu sem poder dizer aos que ama que os ama, sem poder dizer que odeia aqueles que odeia, sem poder “arrumar a casa", sem poder rasgar os seus diários (coisa que eu tive a oportunidade de fazer), sem sequer poder lutar? Eu posso fazer isso tudo!' E a partir desse momento não voltei a sentir mais pena de mim. Arregacei as mangas e fui à luta."

Quinze dias depois começava a fazer quimio e radioterapia, além de uma alteração radical na alimentação que implicou cortar todos os açúcares, inclusive os alimentos que, ao entrarem no nosso corpo, se transformam em açúcar (massa, arroz, pão branco, etc). Cortou o cabelo como a Christine Lagarde, ela que até então sempre o tinha usado comprido, e pediu ajuda ao marido para dar a notícia aos filhos. Estaria presente mas a palavra "cancro" seria dita por ele. Pelo menos esse primeiro embate, porque ela sentia que não era capaz. E assim foi. O marido disse aos três filhos, então com 15, 16 e 19 anos: "A mãe está com um cancro no pulmão" e a seguir, passada a primeira colisão, ela tomou as rédeas do tema sublinhando: "Mas isto é para curar. Quando virem a mãe em mau estado lembrem-se que é dos tratamentos e o cancro vai estar muito pior. Não é a mãe que tem um cancro! Nós temos cancro e vamos ficar bons!"

Também aos pais foi o marido, na presença de Cristina, que iniciou a conversa. "Eu sou filha única e nenhum pai merece ouvir que um filho tem um cancro. Foram uns heróis, aguentaram-se e nunca me mostraram dúvidas ou incertezas na minha recuperação."

Cristina não poupa nos adjectivos para se referir ao marido. Que foi incrível, que nunca a deixou sentir-se sozinha, ou feia, ou alvo de pena. Que sempre lhe disse que estava linda mesmo quando chegou a vestir o 32 e tinha aquela cor amarelo-esverdeado: "Eu estava um lixo mas ele fazia-me sentir a mulher mais linda da vida." Mas também elogia a atitude dos filhos, que se organizaram para dar um pouco de descanso à mãe (considerada lá em casa como um verdadeiro general), que nunca baixaram as notas, que entraram todos na universidade durante este terramoto que abalou a família, com médias de 19,7, 19,6 e 17 valores. E, claro, os pais, que passaram por aquilo que nenhum pai ou mãe devia passar: o medo, o absoluto pavor de poder ver um filho partir antes de si, essa violentíssima quebra naquilo que é a ordem natural das coisas.

Durante as sete semanas em que fez ao todo 35 sessões de radioterapia e sete de quimio nunca foi à cama. Houve uma pausa de 2 semanas, e foi-lhe administrada uma dose plena de quimio. Nessa noite caiu na cama e durante três dias não conseguiu levantar-se sem auxílio. Os vómitos, as tonturas, a fraqueza. Em três ou quatro dias perdeu cinco quilos. Depois conseguiu estabilizar e após mais duas semanas de pausa foi-lhe administrada a última dose plena de quimio. "Aí o corpo já conseguiu aguentar pois tinha sido previamente medicado para o efeito."

Mas durante as sete semanas de rádio e quimio concomitantes (5 sessões de radio e uma de quimio) chegava a casa e obrigava-se a fazer pão ou um bolo especial. Sempre se arranjou, sempre se pôs bonita, sempre se maquilhou. Manteve sempre o espírito positivo, não com esforço, mas naturalmente. "Sempre que conseguia ia aos Salesianos do Porto, a casa onde lecciono há mais de 23 anos. Para os alunos não me verem careca e tal, ia durante a hora das aulas directamente para a sala dos professores. Levava uns bolinhos ou salgadinhos e conversava um bocado, até para mostrar que talvez o desfecho pudesse ser diferente do de uma colega nossa - e das minhas melhores amigas -, que tinha falecido há pouco tempo com cancro do pâncreas."

O desfecho foi diferente. É claro que um doente de cancro sente sempre a sua finitude mais próxima do que alguém que simplesmente sabe que é finito mas não pensa muito no assunto. Um doente oncológico fala de "sobrevida". Não de vida, propriamente. Cristina teve o seu diagnóstico há 5 anos e meio. Tinha 7% de chances de sobreviver. E ei-la ali, na Leitaria Quinta do Paço, a desfilar beleza e confiança e garra para levar à frente uma petição que criou e que todos deviam assinar.

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E então que petição é esta, que já conta com mais de 18 mil assinaturas?

"Uma das coisas que sempre me meteu confusão foi esta coisa de termos alguém a dizer: 'então agora vai voltar ao trabalho'. Eu nunca precisei disso. Ao fim de 9 meses estava a trabalhar, mal senti que tinha condições mínimas. Porque amo o que faço, porque é essencial para a minha sanidade e realização. Comecei a trabalhar pouco antes do mês de Julho, altura em que as aulas já tinham terminado, e achei que podia ir-me ambientando devagarinho, preparando o ano lectivo seguinte. Depois fui de férias e em Setembro, quando as aulas começam, é que eu percebo que aquilo era dose. Quem faz doses maciças de quimio e rádio sabe o estado em que fica a memória, a lentidão com que ficamos a processar as coisas. Durante algum tempo esperei que os efeitos colaterais passassem. Mas não passam. Alguns atenuam, outros não."

Cristina podia dar-se ao luxo de não trabalhar, se quisesse. Com uns cortes aqui e ali, a família havia de sobreviver. Mas... e quem não pode? E quem tem de voltar às 40h semanais, por vezes em trabalhos que não se coadunam com a nova condição do trabalhador, seja porque são muitas horas de pé e há um cansaço que não passa, seja porque é uma actividade que implica movimentos que afectam o corpo que já não é o mesmo?

Num impulso, decidiu então criar uma petição que diz:

"Os tratamentos no combate ao cancro são por norma agressivos e deixam lesões que mais tarde se vêm a declarar, estas variam do tipo de cancro, tratamento e condição física do sujeito. Assim esta petição pede que:
I- Seja concedida a todo o sobrevivente oncológico, que tenha sido submetido a tratamentos de quimioterapia e ou radioterapia, uma redução no tempo de serviço, seja este trabalhador do sector público ou privado, para as 30 horas semanais no máximo, sem qualquer penalização no salário do trabalhador e sem penalização para a entidade empregadora, ficando a cargo do Estado cobrir a parte do salário em causa.
II- Seja concedida a todo o sobrevivente oncológico que tenha sido submetido a tratamentos de quimioterapia e ou radioterapia a possibilidade de se reformar com 30 anos de serviço ou 60 anos de idade no máximo, sem penalização."

Mas não se limitou a criá-la. Procurou nas redes sociais todo o tipo de insitutição, associação, organização, agrupamento, colectividade que tivesse muitas pessoas. E enviou. Para grupos de mães, motards, religiosos, políticos, desportistas, leitores, ranchos folclóricos. Queria chegar ao maior número possível de pessoas para que a petição pudesse ser discutida na Assembleia da República. E conseguiu. No dia 31 de Janeiro, Cristina vai à Assembleia da Repúblicaa uma audição na Comissão de Trabalho e Seguranca Social, com a Deputada Sofia Araújo, relatora da Petição, e onde estarão deputados representantes de todos os partidos, explicar a razão que a levou a criar este pedido. Vai lembrar que a lei está desadequada. Que há cada vez mais sobreviventes de cancro (felizmente) e que querem voltar a trabalhar. Que é útil que voltem. Mas que é importante também protegê-los. Porque um doente oncológico deixa de ter uma vida e passa a ter uma sobrevida. E, dependendo evidentemente dos casos, pode ter uma sobrevida muito bem vivida mas também pode ter uma sobrevida com sequelas que não são despiciendas.

Quando lá estiver, na audição, Cristina vai explicar que, entretanto, com o amadurecimento e em reuniões com vários médicos e representantes de doentes, crê que o certo será que a redução do tempo de serviço esteja em linha com a especificidade de cada caso. E vai ainda tentar alertar para o importantíssimo (e tão descurado) papel do cuidador. 

Ela tem a porta aberta. Agora é aproveitar para fazer mudanças na casa. E, do que conheci, creio que não podia estar em melhores mãos esta tentativa de fazer justiça por aqueles - tantos (e cada vez mais) - que sobrevivem a um cancro, com tudo o que isso tem de bom, mas de duro também.

 

Vamos assinar esta petição? Quantos mais... mais força tem.

Deixo ainda a nota da Cristina: "Neste momento todos podemos abraçar esta causa, que é de todos nós, assinando e divulgando a petição, mas também escrevendo o seu testemunho  na qualidade de sobrevivente oncológico, podendo assim também ter uma voz ativa neste processo. Bastará escrever o nome, número de cartão de cidadão, idade e profissão. Situação profissional. Tipo de cancro, data de diagnóstico e tratamentos realizados. Efeitos colaterais e sequelas que afetam o seu rendimento e produtividade num dia de trabalho , ou se teve de se reformar antecipadamente. Quais as adequações no posto de trabalho que usufruiu. Não mencionar nome da empresa. Enviar esse testemunho para kikaalves@sapo.pt. Este será enviado para a Comissão de TSS XIII com o autor do testemunho em CC."

 

ASSINAR A PETIÇÃO AQUI 

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