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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

A Cocó errou e… a Cocó está emocionada

Esta tarde a minha mãe ligou-me, comovida com o meu texto, mas com uma correcção: a menina Beatriz não era, afinal, solteira. Tinha um marido e um filho dos quais não tenho qualquer memória. Por isso, aquela história de ser menina por nunca ter casado é verdadeira para muitas meninas-senhora, mas não para ela. Fica a correcção.
Há pouco, nem de propósito, uma leitora do blogue perguntou-me se os meus avós não se chamavam Isaura e Joaquim. Chamavam. Perguntei se os conhecia. Nao. Mas o marido era, nada mais nada menos que o neto da D. Beatriz, que fiquei a saber está viva e à beira de fazer 90 anos. Que maravilha. Que mundo pequenino. Um beijinho à D. Beatriz.

Retratos da minha infância

Passei boa parte da minha infância em Sete Rios, na casa dos meus avós. A minha mãe deixava-me lá de manhã e ia buscar-me ao fim do dia e, mais tarde, ia para o colégio ali em Sete Rios (Escola Princesa Ana) e à tarde a minha avó levava-me para casa dela, até ser hora de a minha mãe vir.
A casa dos meus avós tinha um grande quintal com galinhas e gatos e coelhos e, do outro lado da rua, os meus avós tinham uma horta enorme, com poço e tudo, de maneira que apesar de ter crescido na cidade tive a sorte de ter uma infância razoavelmente rural. Adorava chatear as galinhas, deliciava-me com os coelhos bebés e os pintos, e tinha algum respeito pela Pirulita, a gata. Gostava de ir com o meu avô para a horta, sentia a adrenalina de me aproximar do poço que era, à época, o maior perigo que a vida continha, pelo menos a avaliar pelas vezes que me alertavam para o risco de cair lá dentro e nunca mais conseguir sair.
Aquele bairro que eu conheci já não existe. A horta foi arrasada para a construção de uma estrada e de um Centro de Saúde, o prédio dos meus avós foi demolido, e todas as lojas que frequentava todos os dias acabaram por desaparecer. A mercearia do senhor Adi, por exemplo. Era uma mercearia escura, com umas sacas onde havia produtos que se traziam ao peso em cartuchos de cartão. Lembro-me da balança antiga que ele tinha em cima do balcão de mármore, e do lápis que trazia sempre atrás da orelha.
Ao lado, havia a taberna do Damião. O Damião era um tipo grande e bruto que falava muito alto e de forma boçal, e lembro-me de ter medo dele. Tive, de resto, com esse homem a minha primeira experiência laboral. E não foi positiva. Lembro-me que teria uns 7 anos ou 8. O Damião comprava sacos de caracóis para as caracoladas com cerveja lá no seu tasco. Eu, que sempre tive amor a ganhar dinheiro, passei um dia inteiro ao sol, a catar caracóis das folhas, das ervas, das paredes. Recordo-me das dores nas costas, nos braços, nas pernas. Estava mesmo cansada mas, ao olhar para o saco grande cheio de caracóis, sentia um entusiasmo imenso por me imaginar a ganhar um bom dinheiro. Redondo engano. Quando lá fui vender-lhe os bichos, ofereceu-me uma ninharia. Tenho pena de não me lembrar quanto, mas era uma ninharia. Olhou para mim, pesou-os e, com ar desdenhoso, atirou um valor que era, a meu ver, obsceno. Acho que protestei. A minha avó, se bem me lembro, terá intercedido, explicando ao burgesso explorador que a miúda tinha andado todo o dia a trabalhar e que era simpático se ele esticasse o valor. Não me lembro se esticou ou não. O mal estava feito. Tinha-me sentido explorada pela primeira vez na vida. E não foi bom. Talvez por isso, nos dias que correm, resisto até onde posso aos valores ridículos que me apresentam. Talvez por isso tenho evitado ser explorada. Excepto pelo Estado, que esse rouba-me sem dó nem piedade, e eu pago sem estrebuchar.
Mais adiante, havia a padaria da dona Vitória. A D. Vitória tinha um cabelo que parecia conter um ninho de pássaros, assim comprido em cima, uma espécie de Marge Simpson, mas em louro. A minha avó ia lá comprar pão todos os dias e ficava à conversa com a D. Vitória. Um dia, a padaria fechou. Contava-se que tinham encontrado o cão morto da padeira dentro de uma arca congeladora da padaria. Foi o dia em que todo o pão que tinha comido me ficou atravessado na garganta. Nunca mais a vimos.
No prédio da minha avó, havia várias personagens. Acho que a senhora da frente era a dona Albertina. Em cima, vivia uma família enorme, e havia zaragatas e gritaria e pancadaria da grossa e um homem que se chamava Amadeu e uma mulher que se chamava Florinda. A minha avó não gostava que eu brincasse com as miúdas lá de cima, dizia que não eram boa companhia. Eu brincava na mesma, principalmente com a Susana, que dizia palavrões e galgava montes como uma cabra.
Um andar mais acima vivia a menina Beatriz. Demorei a compreender porque é que ela era menina, sendo velha, mas um dia percebi: era solteira e, por isso, eternamente menina. Recordo-me de gostar da ideia de juventude associada à ausência de compromisso afectivo, sobretudo quando o casamento dos meus pais tinha dado para o torto. Se calhar era boa ideia: não casar para não ter chatices, com a enorme vantagem de ficar menina para sempre. A menina Beatriz era costureira. Gostava dela. Ia muitas vezes lá para casa, vê-la fazer vestidos na máquina de costura. Gostava daquele som e de lhe fazer companhia. Acho que ela também gostava de me ter por lá.
Mas a figura mais emblemática desta minha infância, tirando os meus avós, é a da dona Ema. A D. Ema era uma velhota sem eira nem beira. Não me lembro se tinha família, creio que de vez em quando falava nuns sobrinhos mas, segundo a minha avó, era "uma desgraçada". A D. Ema não tinha onde morar e chegou a viver num buraco na escada do prédio, só tinha um dente da frente no meio de uma boca vazia, mas não dispensava o batom vermelho e as unhas pintadas. Andava sempre com as mãos cheias de sacos de plástico onde carregava a existência. E eu ficava fascinada com aquela vida errante e até o barulho dos sacos, cheios de roupa e papéis e tralhas, me transportava para uma dimensão de aventura. A minha avó bufava sempre que ela lhe tocava à porta, mas lá lhe dava qualquer coisa para comer ou roupa ou dois dedos de conversa. Não me lembro se ela morreu antes dos meus avós ou se desapareceu para um lar ou o que foi feito dela, mas estou em crer que aquela mulher me despertou desde cedo para estas pessoas cuja vida é tão absolutamente diferente da nossa e de todas as outras vidas que conhecemos. Talvez tenha começado aí o meu interesse pelas histórias de vidas que, por serem tão especiais, merecem ser contadas.

Às vezes dá-me para recordar todas estas personagens, que fizeram parte da minha história, de quem sou hoje. Tenho saudades de muitas coisas, tenho muitas saudades dos meus avós.
Não sei se alguma vez o contei aqui mas, quando estagiei na SIC, a primeira peça que me mandaram fazer foi uma reportagem num prédio que estava a cair, pondo os moradores em perigo. Quando vi a morada ia tendo um fanico: era o prédio dos meus avós, o prédio da minha infância. Foi um dos raros momentos em que olhei para cima e tive, dentro de mim, uma quase certeza de que estavam algures, a comunicar comigo. Fiz a reportagem, encontrando algumas das personagens da minha vida, e foi muito emocionante. Infelizmente, o prédio já não existe, bem como a mercearia do Adi, a Tasca do Damião, a padaria da D. Vitória. Mas sempre que por ali passo, relembro-me de todos, de cada um. Porque fizeram - e ainda fazem - parte de mim.

Férias

Já só conseguimos pensar nelas.
Andamos a programar uns dias agora em Março, para aproveitar as férias deles da Páscoa, outros em Junho, mais uns em Julho, e as nossas férias grandes em Agosto.
O bom das férias também passa pela programação, pela expectativa, pelo coração aos pulos quando marcamos voos, quando encontramos aquela casa perfeita onde cabemos todos e que fica naquele bairro magnífico, e que tem, ainda para mais, uma vista de cortar a respiração.
O bom das férias começa antes das próprias férias.
Este ano, se tudo correr bem, vamos ter dias de descanso na cidade e dias de descanso na praia.
E eu mal posso esperar, quer por uns quer por outros, mas sobretudo por ter os pezinhos do Mateus ao léu, na areia e no mar.

Mais um Pedro a puxar por mim

A aula de ontem fez-nos correr. Muito. Gosto cada vez mais do Padel, se bem que ainda estou naquele nível em que, a jogar, não atiro as bolas de modo a dificultar a vida ao meu adversário. Ainda estou na fase em que me dou por feliz se as conseguir meter do outro lado, mesmo que seja directamente para a raquete do oponente. Mas eu chego lá!
Entretanto, uma palavra de apreço para o nosso treinador, Pedro Nunes. As aulas no Lisboa Racket Centre não são baratas mas o Pedro faz valer cada cêntimo que se paga. Explica tudo muito bem, é super simpático e engraçado, o que faz com que a gente aprenda e se divirta naquela horinha semanal nocturna. Senhores do Racket Centre: tratem bem esse miúdo, que é uma jóia.

(nesta minha nova vida desportiva os Pedros estão definitivamente em alta)